Ex-deputado santista Rubens Paiva e a esposa, Eunice (à esq.), tiveram cinco filhos, entre eles Maria Eliana Facciola Paiva (em pé), que foi presa aos 15 anos, juntamente com a mãe
Foto: arquivo pessoal, publicada com a matéria, na página A-1
Rubens Paiva. A verdade, enfim
Estudo da Comissão da Verdade revela que ex-deputado santista foi assassinado
Hoje faz 42 anos que o ex-deputado federal santista Rubens Paiva foi retirado de sua casa por militares e encaminhado a uma unidade de repressão da ditadura, de onde nunca mais
retornaria. Durante muitas décadas Rubens foi dado como desaparecido. Estudo recente, porém, revela que ele foi assassinado. Em entrevista exclusiva a A Tribuna, a filha Maria Eliana Paiva conta sua versão da história.
Depoimento |
"Vi o que era o DOI-Codi por dentro e sabia que a versão oficial era uma balela" |
Maria Eliana Facciola Paiva, filha de Rubens Paiva |
Coordenador da Comissão Nacional da Verdade divulgará texto revelando o que aconteceu ao ex-deputado santista
Leonardo Costas
Da Redação
20 de janeiro de 1971. Há exatos 42 anos, a equipe do Centro de Inteligência da Aeronáutica (Cisa) invadia a casa do ex-deputado federal santista Rubens Paiva (PTB), no Rio de Janeiro.
Ele foi levado para uma unidade do DOI-Codi (sigla para Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) do I Exército, órgão de repressão da ditadura.
Durante muitos anos – ou melhor, décadas –, Rubens foi dado como desaparecido. Porém, segundo estudos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), não restam dúvidas de que o ex-parlamentar
foi torturado e morto na unidade.
As primeiras informações apareceram em novembro do ano passado. No começo daquele mês, o coronel Júlio Miguel Molinas Dias, ex-comandante do DOI-Codi, foi morto a tiros em Porto Alegre (RS). A polícia recolheu papéis da casa dele para tentar
encontrar uma pista dos criminosos e acabou localizando dois documentos sobre o ex-deputado.
"Um traz informações de quando o Rubens Paiva é entregue ao DOI-Codi pelos agentes da Cisa. O outro fala sobre o carro do parlamentar que ficou nas dependências da unidade", explica o coordenador da CNV, Claudio Lemos Fonteles.
Esse foi o pontapé inicial de uma pesquisa profunda sobre o caso por parte do coordenador. "A partir daquele momento, mergulhei no Arquivo Nacional para buscar outras documentações alusivas à história do Paiva e consegui. E, diante da análise, não
tenho dúvidas de que ele foi torturado e morto no DOI-Codi do I Exército do Rio de Janeiro".
No início de fevereiro, Fonteles deve divulgar um texto com mais dados sobre o que aconteceu com Paiva. Entre as informações, deve constar a data de seu falecimento, que, de acordo com o pesquisador, ocorreu "próximo ao dia da captura". Porém, não
há detalhes do que aconteceu com o corpo. "Não sei. Não tenho documentos sobre isso", afirma.
As informações enterram de vez a falsa versão divulgada pelo Governo da época. "O discurso sustentado era de que o Paiva foi levado, uma noite, para fazer o reconhecimento de uma casa em um carro dirigido por um capitão, que tinha ao seu lado um
sargento. Atrás estariam o ex-deputado e outro sargento. Na volta para a unidade, dois carros interceptam o veículo. Há uma troca de tiros e ele consegue fugir. Segundo a versão oficial da época, o estado dele era de foragido. Mas isso nunca
aconteceu".
Para Fonteles, Paiva não representava perigo à ditadura militar. Ele compara a história do santista com a do operário metalúrgico Manuel Fiel Filho, que foi morto e torturado no DOI-Codi de São Paulo, em 1976. "O Paiva não era visto como ameaça e,
por isso, assemelho esse caso ao do Manuel, que foi preso ao distribuir o jornal Voz Operária. Prenderam, bateram e o mataram. Acho que com o Paiva aconteceu a mesma coisa. Alguns aguentam, mas outros não. Batiam tanto, atingiam pontos
vitais, que o sangue jorrava, veias se rompiam e pessoas morriam. Acho que aconteceu algo semelhante a isso".
Longe de ser ameaça, o coordenador da CNV diz que o ex-deputado santista era "uma pessoa fiel ao seu ideal político" e o classifica como "um exemplo para os políticos de hoje".
A prisão - Momentos antes de ser capturado, o telefone da casa de Rubens Paiva tocou. Uma mulher informava ter uma carta do Chile e precisava entregá-la. A correspondência seria
de Helena Bocayuva, militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).
Ela foi fiadora da casa onde, em 1969, o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick foi mantido durante seu sequestro.
Helena teve ajuda do ex-deputado para fugir ao território chileno. Mandou uma carta de agradecimento por meio de uma conhecida, que foi presa logo após desembarcar no Rio.
Às 11h30, seis homens à paisana, fortemente armados, invadiram a casa de Paiva. Disseram ter ordens da Aeronáutica para levá-lo. Ele trocou de roupa e saiu dirigindo o próprio carro. Não voltaria.
Rubens Beyrodt Paiva, nascido em Santos em 1929, foi engenheiro civil e se elegeu deputado federal, em 1962, pelo PTB do então presidente da República, João Goulart. Após o golpe que resultou na
deposição do mandatário, os militares que assumiram o Governo editaram seu primeiro Ato Institucional, no qual Paiva foi cassado e teve os direitos políticos suspensos
Foto: arquivo pessoal, publicada com a matéria, na página A-4
Para contemporâneo, um homem "idealista"
O ex-deputado estadual Oswaldo Rodrigues Martins (do MDB, atual PMDB) foi cassado em 1969. Nascido em Santos, ele ressalta que teve pouco contato com Rubens Paiva, mas o enxergava como
fiel aos seus princípios políticos.
"Convivia mais com o irmão dele, Carlos Paiva (morto em 1971). Porém, nas vezes em que via o Rubens, encontrava uma pessoa alegre, bem disposta, de bom humor e idealista, pois fazia política através de suas convicções", ressalta.
O ex-parlamentar aproveita para comparar os princípios políticos de Rubens Paiva com os do falecido ex-governador Mario Covas – a quem o grupo de Martins, na época, apoiava para deputado
federal.
Atualmente com 83 anos, ele relembra um momento de encontro com Paiva, pouco antes do início da ditadura militar. "Estava saindo do prédio do Ministério do Trabalho, e ele estava entrando. Nos cumprimentamos, conversamos e me lembro muito bem da
frase que me disse: 'Oswaldo, a corda esticou'. Ele queria dizer que um grupo sairia vencedor, e outro, perdedor".
Após a prisão de Rubens Paiva, Osvaldo afirma que evitava tocar no assunto com a família dele. "Era algo muito delicado. O Carlos não tinha informações, e eu respeitava a dor que a família sentia".
Documentos e impressões |
"Não tenho dúvidas de que ele (Paiva) foi torturado e morto no DOI-Codi do I Exército do Rio"
"(A morte) Foi próxima ao dia da captura (do ex-deputado). Não sei o que houve com o corpo"
"(Paiva é) Um exemplo para os políticos de hoje" |
Claudio Lemos Fonteles, coordenador da Comissão Nacional da Verdade |
Depois que foi cassado, Paiva dedicou-se à Engenharia e teve mais momentos felizes com a família. Na foto, suas quatro filhas, Vera Silvia, Ana Lucia, Maria Eliana e Maria Beatriz, ainda bebê
(Marcelo, o único menino, não está na imagem), em uma casa da Alameda Tietê, em São Paulo
Foto: arquivo pessoal, publicada com a matéria, na página A-4
Ele prova o que diz
O coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Claudio Lemos Fonteles, que apura a morte de Paiva, faz questão de comprovar a veracidade das informações que divulga. "A construção
dos meus textos tem demonstração probatória, ou seja, o que falo, provo com documentos descobertos no Arquivo Nacional e que foram produzidos pelo próprio estado militar ditatorial. Eram documentos secretos e que agora são públicos".
Ele diz, ainda, que o objetivo da comissão é impedir que, um dia, volte a haver ditaduras no Brasil. "Há uma frase na minha sala que eu adoro e se aplica a nossa missão: 'Para que não se
esqueça, para que nunca mais aconteça'. É justamente isso o que queremos".
Foto: arquivo pessoal, publicada com a matéria, na página A-4
Devolução simbólica
Eleito deputado federal pelo PTB para exercer a legislatura entre 1963 e 1967, Rubens Paiva conquistou 13.440 votos, mas seu mandato foi cassado em 10 de abril de 1964, na primeira leva
de cassações anunciada pelo novo regime.
Em dezembro de 2012, teve, junto com outros 172 parlamentares cassados no período militar, seu mandato devolvido simbolicamente em sessão solene na Câmara dos Deputados.
Além dele, outros quatro homenageados eram ligados a Santos: Paulo Jorge Mansur (PTB), pai do deputado federal e ex-prefeito de Santos Beto Mansur (PP); o ex-governador Mário Covas (MDB);
Alberto Marcelo Gato (MDB); e Gastone Righi (MDB), o único vivo entre eles.
Rubens Paiva e a esposa, Eunice, tiveram cinco filhos: Vera Silvia Facciolla Paiva (hoje com 59 anos), Maria Eliana Facciolla Paiva (57), Ana Lucia Facciolla Paiva (55), Marcelo Rubens Paiva (53) e
Maria Beatriz Facciolla Paiva (52). Eliana, a menina que está em pé na foto, foi presa aos 15 anos juntamente com a mãe, no dia seguinte à detenção do ex-deputado, e agredida por militares
Foto: arquivo pessoal, publicada com a matéria, na página A-4
Entrevista
Maria Eliana Facciolla Paiva, filha de Rubens Paiva.
"Presa, eu meio que sabia que o papai tinha morrido"
Leonardo Costas
Da Redação
Rubens Beyrodt Paiva nasceu em Santos, no dia 26 de dezembro de 1929. Hoje teria 83 anos, caso não fosse torturado e morto no DOI-Codi do I Exército do Rio de Janeiro, no início de
1971. Casou-se com Maria Lucrécia Eunice Facciolla, que está com 83 anos, mas com a saúde debilitada, pois sofre do Mal de Alzheimer.
O casal teve cinco filhos: Vera Silvia Facciolla Paiva (59 anos), Maria Eliana Facciolla Paiva (57), Ana Lucia Facciolla Paiva (55), Marcelo Rubens Paiva (53) e Maria Beatriz
Facciolla Paiva (52). Recentemente, veio a público a informação que a esposa e a segunda filha do casal foram presas em 21 de janeiro de 1971, um dia após Rubens Paiva.
Em entrevista reveladora para A Tribuna, Maria Eliana Facciola Paiva, que atualmente reside no Rio de Janeiro, conta o que viveu dentro do DOI-Codi e os motivos que a levaram a
segurar por tanto tempo sua história. Até poucos anos os irmãos desconheciam sua prisão.
Como você e seus irmãos lidam com a história do seu pai?
Cada um tem uma relação diferente quanto a isso. Fomos ficando mais velhos, outras prioridades nos tomavam. Tanto que só resolvi falar sobre o tema recentemente, até porque minha mãe não vai entender, pois está com Mal de Alzheimer. De qualquer
forma, nem eles (os irmãos) sabiam o que tinha acontecido comigo dentro do DOI-Codi.
Por que motivo?
Eles não sabiam da história da minha prisão e também nunca me perguntaram. Isso aconteceu porque fui presa aos 15 anos. Nessa época, minha mãe estava absolutamente lúcida e assumiu todo o trabalho familiar. Mudamos para Santos, para a casa de
meu avô Jaime Almeida Paiva (o local abrigou o antigo Clube XV e hoje é sede da Caixa Econômica Federal, no Gonzaga). A família do meu pai era uma família burguesa de Santos. E comentar problemas
políticos tinha certas resistências. Não cabia a mim discutir este tipo de assunto na minha idade. E como minha mãe gerenciou a situação, eu não comentava nada com meus irmãos. Além disso, estávamos em uma época de ditadura e muita coisa não podia
ser dita. Até porque a maioria da população não iria acreditar.
Quando e por que resolveu se manifestar?
Em 2011, houve a exposição Rubens Paiva, em São Paulo. Foi algo que mexeu muito comigo, tanto que não fui em um primeiro momento, pois chorava muito. Chorava o dia inteiro porque voltou tudo na minha cabeça. Só fui lá nos últimos dias. Antes,
por uma série de circunstâncias, não era importante falar. Agora, abri a boca e falei.
Você não havia contado sua história anteriormente em nenhuma situação?
A única vez que falei estava em um Carnaval na Bahia com o Rogério Ramos, neto do (escritor) Graciliano Ramos. Estávamos na casa do James Amado, irmão do (escritor) Jorge Amado. Um pessoal comunista, ligado à esquerda. Eu não bebia, mas o Rogério
ficou me enchendo o saco para que eu contasse esta história. Aí, virei uma garrafa de cerveja e falei. Só que ele passou a ter uma crise de choro na minha frente. Depois disso, não falei pra ninguém. Não queria ter amigos tendo crise de choro. Aí,
o tempo foi passando, meu irmão sofreu um acidente. Enfim, tinha coisas muito mais sérias naquele momento, em termos familiares, do que ficar contando como tinha sido presa pelo DOI-Codi.
Você e sua mãe foram presas no dia seguinte. Então, melhor do que ninguém, você pode dizer o que era o DOI-Codi...
Era um inferno total e absoluto. Fomos presas no dia 21 de janeiro de 1971. Fui liberada 24 horas depois, mas a sequência foi complicada. Foram 12 dias com a mamãe presa e eu segurando a barra da família, esperando que soltassem pelo menos um
dos dois. Mas, ao mesmo tempo, eu meio que sabia que o papai tinha morrido. Vi uma série de circunstâncias dentro do DOI-Codi que mostraram um pouco isso.
Então, o que você achava da versão oficial do Governo em relação ao desaparecimento de seu pai?
Nunca me convenceu, porque eu vi o que era o DOI-Codi por dentro e sabia que a versão oficial era meio que uma balela.
Você foi torturada?
Fiquei com capuz, tomando cascudos na cabeça e era chamada de comunista o tempo todo.
E sua mãe?
Ela nunca falou, mas tenho a impressão de que foi um pouco mais respeitada do que eu. Acho que sua pior tortura foi saber que eu havia sido libertada somente depois de dois dias. Perguntava sobre ela, e os guardiões falavam que a mamãe estava
estirada no colchão e não se mexia. Dentro do DOI-Codi, a encontrei uma vez, na sala de interrogatório, mas estávamos encapuzadas.
Como foi o período até a libertação de sua mãe?
Quando saí da prisão, me reunia todos os dias com os amigos do meu pai tentando fazer um movimento pela imprensa internacional para ver se conseguíamos pressionar e, assim, obter algum tipo de informação. Cheguei a ir com meu avô levar roupas
para meus pais. Doze dias depois, minha mãe chega em casa de táxi. E, como me deram a bolsa dela dentro do DOI-Codi, a primeira coisa que ela perguntou era onde estava a bolsa.
Você viu a prisão de seu pai?
Eu acordei e ele estava na minha casa com Raul Ryff, jornalista que foi assessor de imprensa do João Goulart. Dei um beijo nele, fui para a praia (no Rio de Janeiro). Quando voltei, por volta de 13h30, ele já tinha sido preso.
Como era a relação de Rubens Paiva com Santos?
Papai adorava Santos. Sempre foi santista, assim como meus avós. Os Paivas eram santistas e os Facciollas tinham uma casa em São Vicente.
Após o assassinato do coronel Júlio Miguel Molinas Dias, ex-comandante do DOICodi, em novembro de 2012, a polícia encontrou na casa dele dois documentos relacionados a Rubens Paiva. O que representa para você?
A descoberta do documento de Molinas é muito importante em termos jornalísticos, mas em termos jurídicos parece que não acrescenta muita coisa.
O que você espera do final deste processo?
Quero que exista uma documentação factual e, não, uma documentação imaginária. Espero que a realidade dos fatos seja contada de uma maneira histórica e objetiva.
Foto: arquivo pessoal, publicada com a matéria, na página A-5
Viu e viveu |
"Eu vi o que era o DOI-Codi por dentro e sabia que a versão oficial (sobre o desaparecimento de Rubens Paiva) era meio que uma balela"
"Dei um beijo nele (Paiva), fui para a praia (no Rio de Janeiro). Quando voltei, por volta 13h30, ele já tinha sido preso"
"(Na prisão) Fiquei com capuz, tomando cascudos na cabeça e era chamada de comunista o tempo todo"
"Espero que a realidade dos fatos seja contada de uma maneira histórica e objetiva"
"Papai adorava Santos. Sempre foi santista, assim como meus avós" |
Maria Eliana Facciola Paiva, filha de Rubens Paiva |
Rubens Paiva e a esposa, Eunice, tiveram cinco filhos: Vera Silvia Facciolla Paiva (hoje com 59 anos), Maria Eliana Facciolla Paiva (57), Ana Lucia Facciolla Paiva (55), Marcelo Rubens Paiva (53) e
Maria Beatriz Facciolla Paiva (52). Eliana, a menina que está em pé na foto, foi presa aos 15 anos juntamente com a mãe, no dia seguinte à detenção do ex-deputado, e agredida por militares
Foto: arquivo pessoal, publicada com a matéria, na página A-4 |