Rubens Paiva: um vazio que a ditadura nos impôs
No início de 1971, o Brasil vivia um dos períodos mais duros da ditadura militar. E há
exatos 40 anos, desaparecia um atuante ex-deputado federal, nascido em Santos. Rubens Paiva, firme opositor do regime, foi preso, torturado e morto. Cogita-se que tenha morrido dois ou três dias depois no temido DOI-Codi, órgão da repressão
subordinado ao Exército, no Rio.
O ex-deputado, entre a mulher, Eunice (à esq.), a mãe, Aracy (à dir.), e os cinco filhos. A cena, do fim da década de 1960, deixaria de se repetir
Foto: divulgação, publicada com a matéria
Rubens Paiva 40 anos depois
"A sociedade sempre acaba vencendo, mesmo ante a inércia ou o antagonismo do Estado. (...) A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram". (Ulysses Guimarães, presidente da
Assembleia Nacional Constituinte, no discurso de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988)
Rafael Motta
Da Redação
Onde está a verdade?
Talvez seja possível vê-la no km 58,958 da Via Anchieta, em Cubatão. Ali se construiu um viaduto, inaugurado em 1971 pelo então prefeito,
Zadir Castelo Branco. Ele era primo do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (1897-1967), primeiro militar presidente da República após o Golpe de 1964. E a obra foi
denominada 31 de Março, em homenagem à "Revolução" - os 21 anos, ao todo, em que o Brasil viveria sob ditadura.
No início daquele 1971, havia desaparecido um atuante ex-deputado federal, nascido em Santos. Era um firme opositor do regime militar. Com direitos políticos cassados, intercalava o trabalho
em sua empresa de construção civil à ajuda a dissidentes que precisavam se esconder ou fugir.
Foi preso, torturado e morto. Não se sabe quando nem sob quais circunstâncias.
Agora, esse homem está eternizado na História e em locais públicos. Um deles, o viaduto aberto em Cubatão no ano em que sumiu, rebatizado pelo Governo Estadual, em 2010, com seu nome: Rubens Paiva.
Quatro décadas - Hoje faz 40 anos que Paiva desapareceu. Cogita-se que tenha morrido dois ou três dias depois, sob tortura, no Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de
Defesa Interna (DOI-Codi), subordinado ao Exército, no Centro do Rio de Janeiro.
Essa é uma das versões divulgadas por militares e ex-integrantes das Forças Armadas. Numa delas, o corpo do ex-político teria sido lançado de um avião. Em outra, esquartejado. Há quem diga que Paiva
teve um enfarto após ser agredido. Ou que teria tentado escapar, sem sucesso.
O Governo só reconheceu a morte de Rubens Paiva em 1995, quando Fernando Henrique Cardoso era presidente. Eram "amigos de pôquer", como revelou, em artigo, o
jornalista e escritor Marcelo Rubens Paiva, filho do ex-deputado.
A Anistia Internacional inscreveu o nome de Rubens Paiva entre as vítimas de órgãos de repressão. Seus restos mortais nunca foram encontrados.
Onde está a verdade?
Só o começo - Onze horas de quarta-feira, 20 de janeiro de 1971. Dia de São Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro. Rubens Paiva, a mulher, Eunice, e quatro filhos se aprontavam para ir à
praia.
O telefone tocou. Uma mulher informava ter uma carta do Chile para entregar a Paiva.
A correspondência seria de Helena Bocayuva, militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Ela foi fiadora da casa onde, em 1969, o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick foi
mantido durante seu sequestro.
Helena teve ajuda do ex-deputado pra fugir ao território chileno. Mandou uma carta de agradecimento por meio de uma conhecida, que foi presa logo após desembarcar no Rio.
Às 11h30, seis homens à paisana, fortemente armados, invadiram a casa de Paiva. Disseram ter ordens da Aeronáutica para levá-lo. Ele trocou de roupa e saiu dirigindo o próprio carro. Não voltaria.
De 1964 em diante, a presença das Forças Armadas se tornou constante. Em Santos, o porto foi mantido sob vigilância
Foto: Rafael Dias Herrera/arquivo, publicada com a matéria
"A corda está esticada". E arrebentou
Nas eleições de 1962, quando Rubens Paiva foi eleito à Câmara Federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), outro santista obtinha uma vaga como deputado estadual: Oswaldo Rodrigues
Martins, pelo Partido Social Trabalhista (PST). Fez dobradinha com o colega de partido e também santista Mário Covas, que se tornou deputado federal.
Martins, que na terça-feira atendeu A Tribuna, por telefone, de Balneário Camboriú (SC), era amigo de Carlos Paiva, um dos três irmãos de Rubens. Numa conversa com Carlos,
conheceu Rubens.
"Antes de 1964", Oswaldo Martins saía de uma audiência com o então ministro do Trabalho, Almino Affonso. No caminho, encontrou Rubens Paiva.
"Vimo-nos, nos cumprimentamos e ele me disse: 'A corda está esticada e irá arrebentar'", conta o ex-deputado estadual, que, em 1969, foi cassado e aposentado compulsoriamente do Lloyd
Brasileiro.
Paiva ajudara a esticar a corda. Destacou-se numa comissão de inquérito (CPI) sobre o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), que fazia propaganda anticomunista.
Paiva descobriu que o Ibad bancou campanhas eleitorais em 1962, em parte com milionárias contribuições de empresas estrangeiras. Militares também receberam pagamentos.
A Justiça dissolveu o Ibad ainda em 1963. O golpe veio no ano seguinte. Paiva foi um dos primeiros a perder o mandato.
Resistência |
A partir de 26 de março, o Memorial da Resistência, em São Paulo, abrigará mostra sobre Rubens Paiva, com fotos, documentos e itens de seu acervo pessoal. Será uma iniciativa conjunta da
instituição e da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. A exposição se estenderá até 10 de julho. Local: Largo General Osório, 66, Bairro da Luz, São Paulo. Telefone: (11) 3335-4990. |
|
Rubens Paiva
Foto publicada com a matéria
Depoimento
De Vera Paiva
"É preciso saber o que houve"
Mais velha dos cinco filhos de Rubens e Eunice Paiva, a psicóloga Vera Paiva tinha 16 anos quando ele desapareceu. Era a única da família a não estar em casa: estudava inglês em Londres
(Inglaterra). Descobriu tudo entre o fim de janeiro e o início de fevereiro, ao ler sobre o caso na primeira página do diário britânico Times.
"O (editor) Fernando Gasparian me hospedava. Esconderam tudo de mim, porque minha mãe ainda não havia sido solta (foi detida no dia 21 e libertada em 2 de fevereiro). Tinham medo de que
eu voltasse ao Brasil, pois estava com 16 anos e, pela Lei de Segurança Nacional, respondia por meus atos. Se, mesmo com 15, Eliana (uma das irmãs) foi pressa...", relata.
E prossegue: "Retornei ao Brasil no fim de março. Por dez anos, não se falou no desaparecimento, pois continuávamos em plena ditadura e havia censura à Imprensa. E a gente escondia isso
dos amigos, pois estar próximo de nós seria arriscar a vida. Eu não dizia que meu pai tinha morrido. Tentava mudar de assunto. Era muito angustiante e difícil lidar com isso".
Ainda: "A gente tocou a vida. O livro do Marcelo (Feliz Ano Velho, de 1982) saiu numa época em que dava para falar. Mas não para investigar, pois há a tese de que, com a Lei da
Anistia, é para se perdoar até quem torturou. A impunidade é impensável no Chile, na Argentina (onde houve ditaduras), no nazismo. É preciso uma Comissão da Verdade, para que a gente saiba o que houve e para ajudar quem não soube ou não pôde se
defender".
Em livro |
No dia 26, em uma livraria do Leblon (bairro do Rio onde viviam Rubens Paiva e família), o jornalista e escritor Jason Tércio lançará o livro Segredo de Estado, no qual aborda o
desaparecimento. A narrativa começa na véspera da prisão e acaba com a mudança da família para Santos. "Foi o livro mais difícil que escrevi. (...) Sua morte absurda foi o episódio mais simbólico dos métodos repressivos da ditadura", conta
Tércio |
|
Imagem publicada com a matéria
Cronologia
26 de dezembro de 1929 - Nascimento
Nasce, em Santos, Rubens Beyrodt Paiva, filho do advogado e fazendeiro Jaime Almeida Paiva e de Araci Beyrodt.
Década de 1950 - Estudos e política
Paiva ingressa no curso superior de Engenharia Civil da Universidade Mackenzie, em São Paulo. Presidiu o centro acadêmico, foi vice-presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) em
São Paulo e participou da campanha O Petróleo É Nosso, que antecedeu a criação da Petrobrás. Formou-se em 1954.
1962 - Único mandato
Foi eleito deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
9 de abril de 1964 - Cassação
A junta militar que governou temporariamente o País após a deposição do presidente João Goulart, em 31 de março, editou decreto para cassar o mandato
e suspender os direitos políticos de Rubens Paiva.
1964 - Exílio e retorno
O ex-deputado passou parte do ano na Iugoslávia (que deixou de existir em 2006), em outros países do Leste Europeu e na
França. No final daquele ano, retornou, sem avisar a família. "Entrei no Brasil, estou no Brasil, vou ficar no Brasil". Voltou a exercer a Engenharia. |