Nave da igreja, que se descobriu depois ser dourada
Foto cedida a Novo Milênio pelo professor e pesquisador Francisco Carballa
ORDEM TERCEIRA DO CARMO - 1756
Por quê Ordem Terceira do Carmo? Isso nos faz pensar em Ordem Segunda e Ordem Primeira - que surgiram com o empenho do Beato João Soreth, quando em 1 de outubro de 1452, através da bula “Cum Nulla”do Papa Nicolau V, aprovou que houvessem as irmãs ou monjas, ficando a Ordem Primeira para os homens consagrados (que chegaram a Santos em 1589), a Segunda para as mulheres consagradas ou freiras carmelitas (que chegaram a Santos em 1948) e a Terceira para os leigos, conforme temos em Santos e em outros locais, agregando homens e mulheres.
PRÉDIO
Muito assemelhado ao templo da ordem Primeira e de certa forma a todas as igrejas que se construíam pelo nosso Brasil até então, tem por diferença o tamanho: foram feitas menores, ficando as duas naves e os dois presbitérios com diferença quanto ao seu comprimento. Igualmente, o terreno que a circunda ou lhe pertence é menor em relação à outra igreja.
Na foto de 1880 de Marc Ferrez, percebemos uma janela aos fundos da parede do seu retábulo, também a presença de ponteiras nas duas extremidades da parede do presbitério e uma cruz adornada na extremidade alta na ponta de sustentação das duas águas do telhado.
FACHADA
Sua fachada, até o século XVIII, se limita às construções laterais na parte detrás da fachada principal, ao contrário da Ordem Primeira, como se vê em fotos de Militão de Azevedo em 1865 e de Marc Ferrez em 1880 e 1902, sendo que a fachada da Ordem Terceira tem as mesmas linhas simples de acordo com o século XVII e ornamentos mais elaborados do século XVIII.
Vemos o grande frontão arqueado com uma quebra na linha onde se divide com quatro espirais em pedra com o óculo centralizado, ficando acima o nicho envidraçado onde até certo tempo havia uma imagem de Nossa Senhora do Carmo e por cima a grande cruz de pedra; nas duas extremidades, duas ponteiras igualmente de pedras esculpidas, diferentes das que existem na próxima fachada.
Há três janelas com balaústro de sacada rente aos seus batentes de pedra e arco abatido, uma porta bem grande com arco abatido ou - como também se diz - barbacã; nas bases os assentamentos das colunas, onde as pedras, devido à ação das maresias, do sal e do tempo, estão se desintegrando como casa de cortiça, no que é semelhante a todas que havia nas igrejas da cidade desse período. Existem elementos que mais tarde seriam usados no neoclássico, ficando a dúvida se um dia existiram também na Ordem Primeira, visto que houve reformas.
A grande porta, esculpida em madeira e toda arqueada, tem em suas almofadas entalhes bem dentro do estilo rococó - que, se fosse feita uma prospecção, se comprovaria a existência de pinturas coloridas. Seu degrau para acesso interno é muito alto, o que evita enchentes.
As partes dos fundos, segundo fotos de Marc Ferrez de 1902, mostram igualmente uma cruz no pináculo e duas ponteiras em cada extremidade da parede do presbitério, como era costume em igrejas antigas.
Existiu uma pequena construção de rés de chão ao lado dos Terceiros que parece ter sido um comércio, ficando a dúvida se pertenceu à irmandade, pois parte do lado esquerdo de quem olha o prédio de frente tem uma área lateral que em 1865, como se vê em fotos de Militão de Azevedo, deixava expostas as janelas do lado esquerdo da nave. Posteriormente foi construído um acesso a essas tribunas e na parte de baixo foi feita uma pequena loja que lhe rende algum aluguel, mas cujo espaço é bem estreito.
NAVE
Em relação ao convento, as suas janelas com sacadas laterais são acessíveis por ambos os lados, seus altares são de barroco espanhol; já o altar-mor é o barroco pobre característico de São Paulo.
Compõem-se a nave e o presbitério de sete altares contando com o altar-mor, que se tornam referentes aos Sete Passos da Paixão de Jesus - o que é uma constante nas igrejas dos Terceiros carmelitas. Assim, existem seis altares na nave e o altar-mor no presbitério. Curiosamente, são esses altares em estilo barroco espanhol, com duas colunatas salomônicas cobertas por folhas de parreira, elementos retilíneos e demais adornos, inclusive ostentando pinturas de santos em forma de retângulo encimadas pelo brasão carmelita, mas não possuem baldaquino como ocorre com outros altares barrocos.
O Senhor da Agonia do Horto, o Senhor da Traição e o senhor dos Passos usavam o mesmo modelo de túnica, assim como o Senhor da Pedra Fria e o Senhor Ecce Homo usavam o mesmo modelo de capa, já o Senhor da Coluna não usava roupa alguma de adereço.
Tais imagens tinham vários adereços que aumentavam seu encanto; eu mesmo comprei várias flores de caniços do brejo (tabôa no popular ou Typha latifolia) artificiais para colocar no Bom Jesus da Pedra Fria, cana verde como doação devota. Cada uma daquelas imagens tinha solar com os raios curvilíneos típicos do século XVIII. Mas um deles foi furtado e um dia o sacristão, ao verificar o confessionário existente do lado direito de quem olha, viu um homem dormindo que na certa esperava para que se fechasse a igreja e assim pudesse furtar outra peça de prata daquelas ou sabe-se lá quantas. Sem maldade, o mesmo pôs o cidadão para fora. Assim, o provedor da época (Manuel Lourenço das Neves) deu ordem de retirar todos os solares e guardá-los.
1º - Altar do Senhor da Agonia ou Do Horto – Do lado direito, perto da porta lateral de acesso de quem vem do Beco do Itororó, abaixo do sarcófago do altar, o símbolo em alto relevo esculpido em madeira do cálice amparado por nuvens. Foi dedicado este altar ao 1º passo da Paixão, representando o Senhor da Agonia do Horto. A imagem mostra Jesus Cristo ajoelhado, em posição de prece, com um olhar espantado, ao ver um anjo putto voando com o cálice nas mãos. Essa pequena imagem andou sendo usada em presépio, até que foi guardada, deixando o nicho vazio. Ali estaria um conjunto que a mania de usarem o que têm e não providenciar outro, como seria correto, causou a retirada dessa peça antiga. Ela é aproximadamente de um palmo para meio a mais de altura, tendo o cálice nas mãos pintado de dourado, com suas asas abertas se via o arame que o prendia na parte de cima.
Referência ao Evangelho de São Mateus, cap. 26, versículos 36/46.
2º - Altar do Senhor Bom Jesus da Traição ou Dos Martírios - Do lado direito, entre o altar da porta lateral e o da entrada da nave, ostenta abaixo do sarcófago do altar o símbolo em alto relevo esculpido em madeira da lanterna com duas lanças cruzadas. Vale recordar que em algumas imagens com o título dos Martírios se anexam símbolos da Paixão ou não.
Referência ao Evangelho de São João, cap. 18, versículos 01/12.
3º - Altar do Senhor Bom Jesus da Coluna ou Dos Açoites - Do lado direito, para o lado da entrada da nave, ostentava abaixo do sarcófago do altar o símbolo em alto relevo esculpido em madeira da coluna com o flagrum. Em Itanhaém, passou a ser chamado carinhosamente de Bom Jesus do Toco. Referência ao Evangelho de São Mateus, cap. 27, versículo 26.
4º - Altar do Senhor Pedra Fria - Do lado esquerdo, para o lado da entrada da nave, ostenta abaixo do sarcófago do altar o símbolo em alto relevo, esculpido em madeira, da coroa de espinhos e uma tábua. Referência ao Evangelho de São João, cap. 19, versículos 01/03.
5º - Altar do Senhor da Cana Verde ou Dos Perdões - Do lado esquerdo, essa devoção também é conhecida como “Ecce Homo” em referência às palavras do governador Pilatos ao apresentar Jesus ao povo. Ostenta abaixo do sarcófago do altar o símbolo em alto relevo esculpido em madeira, mas infelizmente não me recordo do que havia ali esculpido. Referência ao Evangelho de São João, cap. 19, versículos 04/05.
6º - Altar do Senhor dos Passos - Do lado esquerdo da porta lateral de acesso das dependências dos Terceiros, ostenta abaixo do sarcófago do altar o símbolo em alto relevo, esculpido em madeira, do véu de Santa Verônica com o rosto de Jesus.
Referência ao Evangelho de São João, cap. 19, versículo 17.
7º - Altar Mor do Senhor do Bom Fim ou das últimas agonias ou Do Bom Fim –
Referência ao Evangelho de São João, cap. 19, versículos 18/36. Este retábulo tem as características do barroco simples paulista e, segundo um registro, sofreu um incêndio em 1941 e foi reconstruído através de fotografias antigas das quais hoje não temos referência, até o momento não havendo um relatório do que realmente foi consumido e teve de ser reconstruído.
Na entrada do lado esquerdo há uma porta que já foi de acesso pelo lado externo dos irmãos e agora dá acesso às dependências internas da Ordem; à sua frente tem outra porta, em perfeito equilíbrio, que dá acesso às dependências da Ordem, bem como a capela fúnebre e a sacristia pelo lado direito.
Existem entre os altares laterais dois púlpitos esculpidos em madeira com a base em pedra trabalhada, dos quais um do lado direito tinha acesso pelo lado superior das dependências internas da Ordem, enquanto o do lado esquerdo, que é igual ao outro, teria acesso somente depois que fizeram a parte superior daquele lado.
CORO
Sustentado por quatro colunas, sendo duas inteiras mais centrais e duas pela metade, encostadas nas paredes da nave; são entalhadas em pedra, com cordões de flores que curiosamente estão começando a se fragmentar, tornando-se areia grossa, o que se explicaria pelos cristais de sal do litoral que causam tal ação em pedras. Acima, há o local onde ficariam os cantores, também tem um órgão de tubos acionado por um pedal muito antigo (com características do século XVIII) e um pequeno armário. Não tem o poleiro onde as pessoas se sentariam ou - se o teve - já se perdeu; sua grade de balaústres é feita em madeira, dentro do estilo usado na época.
Tem-se acesso ao coro por uma porta no lado direito, junto â torre. Já na parede esquerda haveria uma janela que é vista em fotos antigas e que agora dá acesso às dependências internas da Ordem. Na parte debaixo do piso tem um trabalho conhecido como caixotão.
Ficava no coro, em outro tempo, uma imagem de Santa Ana Mestra, da qual teriam pegado a Virgem Maria por ter a semelhança com a Senhora da Conceição, ficando a santa idosa sentada em posição de abraço sem a presença da filha. Houve uma priora, dona Zuleica, que tocava órgão e cantava com seu coral e que tentou restaurar a imagem, mas na época não se encontrou escultor para isso.
PRESBITÉRIO
O presbitério é menor que o da Ordem Terceira, havendo um degrau de cada lado, onde poderia ser instalado um cadeiral, em tempos passados. Em seu lugar, existem cadeiras trabalhadas onde se sentam os irmãos durante as cerimônias.
Mantém a grade de comunhão esculpida em madeira; recebeu o azulejamento como na nave; possui duas portas próximas do retábulo, sendo que a do lado esquerdo dá acesso às dependências da ordem e a do lado direito à dependência da sacristia; existe outra porta mais nova, sem os batentes de pedra usados na construção inteira: apenas tem o arco abatido, mas não possui outra à sua frente, igualmente não tem portas nem altares nas quinas da parede e arco encurvado entre o presbitério e nave - o que a diferencia da Ordem Primeira; em seu local, possui um terceiro púlpito (que nos deixa a pergunta: de onde viria, no início do século XX, visto que na capela de Nossa Senhora da Graça não haveria um), e um confessionário e acima os dois painéis de azulejos recentes, com o Sagrado Coração de Jesus de um lado e Nossa Senhora Aparecida do outro.
No chão, podemos ver trabalho em granítica, com o brasão da Ordem no supedâneo e trabalhos simples por todo o piso presbiterial - o que de certo está encobrindo antigas sepulturas, comuns em uso até 1851, como já foi comentado.
O lampadário de prata, típico do período imperial, tem uma inscrição e o brasão do Império, sendo doado pelo próprio imperador a nessa igreja fica acima da grade de comunhão, ao lado direito do presbitério para quem olha a igreja - também conhecido como Lado do Evangelho.
RETÁBULO
Foi feito em estilo barroco paulista, como se diz, e muito simples, em um estilo anterior ao século XVIII, como nos mostram as soluções artísticas usadas nos retábulos paulistas, inclusive com o detalhe (muito comum na época) de se guardar a imagem do Senhor Morto no seu sarcófago ou mesa onde o sacerdote consagraria a Eucaristia. Temos como exemplo o altar antigo de Nossa Senhora da Luz em São Paulo (Museu de Arte Sacra), onde as irmãs faziam a mesma ação com a imagem do convento guardada no bojo do altar, que tem uma linda decoração interior, por ser votiva.
Na parte da base, seu sarcófago ou mesa abre na parte da frente, havendo ali o local de abertura de forma a se poder depositar a imagem após as cerimônias da Sexta-Feira Santa como um sepultamento simbólico, sem inconvenientes da poeira. Ali era guardado o Senhor Morto ou do Santo Enterro conforme vi fazerem na década de 1970, quando as duas imagens eram expostas no dia; depois passou-se a realizar procissão do enterro em volta da praça, o que atraia muitos fiéis por causa do horário - que era bem cedo, ocorrendo após a liturgia e cerimônia da cruz, às 15 horas; atualmente é mantida a imagem do Senhor Morto dentro da antiga capela dos velórios.
Na parte do corpo desse grande retábulo tem um detalhe mantido muito curioso, as cortinas no caso são azuis claras sendo que seriam vermelhas ou vinho também em outra época; ainda no século XX havia outras cortinas que eram fechadas durante o final do Tríduo Pascal; se foi mantido o que as sustentava, agora é que não sei informar [12a], em muitas igrejas foram retiradas. Na parte do entablamento podemos ver o trono onde está a Santíssima Virgem e à sua frente a parte mais importante de uma Igreja que é o sacrário. Em cada lateral se vê uma peanha com as imagens de vestir de Santa Tereza D’Ávila à esquerda e São João da Cruz à direita, com o seu baldaquino feito de forma imprópria para um retábulo dessa época - ao que se percebe, são finos e retilíneos e não esculpidos encurvados, ficando apenas acima dessas coberturas o rosto de dois anjos.
Na parte do coroamento temos os elementos curvos e o brasão carmelita esculpido em uma cartela, recordando que esse altar é muito semelhante ao que existiu na Igreja do Rosário dos Pretos de Santos, removido em 1930.
Com as mudanças ocorridas na liturgia na década de 1960, após o Concílio, foi adicionada na frente do retábulo uma mesa para a celebração eucarística.
Tem o forro encurvado, havendo madeiras de tábua corrida no presbitério. Podem ter existido pinturas de frei Jesuíno do Monte Carmelo, mas isso depende de arquivos que o comprovem ou de uma prospecção em toda superfície para averiguar se as madeiras corridas foram trocadas por extenso durante o incêndio ou em parte, mas seu formato é o típico que foi muito usado em várias igrejas da época na região e na capital.
Seu piso é recoberto por granítica com o desenho do brasão do Carmo no supedâneo e ladrilhos hidráulicos em toda a sua extensão, mas embora exista um local elevado de cada lado, nunca teve estalas ou - se existiram - elas se perderam.
AZULEJOS
De provável origem portuguesa, de onde eram importados, foram colocados nas paredes da nave e do presbitério, bem à moda portuguesa. Por serem poucos e distintos, se vê que foi algo mais barato: geralmente as igrejas tinham figuras e cenas elaboradas, como as que existiram na Capela dos Terceiros do Valongo, mas referindo-se aos do Carmo percebemos que a colocação não seguiu um critério especifico, existindo símbolos repetidos uns ao lado dos outros, entre as figuras alegóricas de arabescos.
Já identificaram erroneamente como “azulejos marianos”, mas isso é um equívoco, pois apenas um símbolo mariano aparece, bem como o brasão carmelita; os demais estão ligados à Paixão do Senhor:
1º Símbolo da Paixão – A lança com a esponja que usaram para o fel e vinagre e a lança que transpassou o lado do Senhor e a palma referente ao Domingo de Ramos.
2º Símbolo - Âmbula e coroa de espinhos referente à instituição da eucaristia por Jesus Cristo.
3º Símbolo - Cálice e uma peça que pode ser uma sineta com a qual se anunciaria a passagem de alguém.
4º Símbolo - Cruz, escada e o pano com que desceram o corpo de Jesus do alto da cruz.
5º Símbolo – Martelo com o qual pregaram Jesus na Cruz e depois o tiraram e o flagrum ou chicote com o qual o açoitaram.
6º Símbolo - Dois corações transpassados: o de Nossa Senhora com a espada referente à profecia de Simeão ("Mulher, uma espada transpassará tua alma") e o de Santa Tereza de Ávila com uma flecha transpassando o símbolo do êxtase.
7º Símbolo - "AM" entrecruzados, como referência à saudação bíblica do Arcanjo à Virgem Maria, ou seja, Ave Maria.
8º Símbolo - Brasão Carmelita – Em forma de medalhão. aparece o monte Carmelo com uma cruz em cima e duas estrelas ladeando, sendo o Profeta Santo Elias e o Profeta Elizeu, e a estrela sobre o monte a Virgem Maria.
9º Símbolo - Existe uma repetição de duas figuras florais que são a junção de arabescos ou folhas d’água, bem ao gosto barroco.
10º Símbolo – Friso ou arremate em figuras ou quadriculadas, entremeadas entre si em linhas retas, recordando elementos gregos.
SACRISTIA
Há uma magnífica sacristia instalada no corpo direito, que segue contíguo a partir da torre para o seu presbitério, com um piso superior que pode ser acessado por uma escada de madeira bem estreita. Na sacristia, sob um antigo arcaz, se exibe um grande oratório envidraçado com o Senhor crucificado que era usado na liturgia da cerimônia da cruz dos Terceiros; nas paredes havia descansos de veleiros de procissão; ao fundo ainda vemos um antigo armário (onde ficam guardadas as duas lanternas no estilo espanhol e sua pesada cruz de procissão), que recebeu uma camada de tinta cinza, eliminando a cor castanha bem escura com a qual o móvel era exibido em tempos mais atrás.
Na parede dos fundos, que seria o limite do presbitério, aparece um lavabo de sacristia - talvez o único que restou em uma igreja colonial de Santos -, esculpido em pedra com o brasão carmelita. Para atender às necessidades na atualidade, agora é provido de encanamentos e saída para as águas que serviriam para a purificação sacerdotal. Como percebemos, parte dele foi tampada por alvenaria, podendo haver outra parte interna como seria típico dessas peças esculpidas em pedra, inclusive a saída de água para o terreno dos fundos, onde hoje vemos o Beco da Rua Itororó, antes de haver encanamentos de esgotos públicos.
Ainda nesse local, vemos - logo para a porta de entrada e saída da sacristia - uma escadaria estreita que leva ao nível superior. Por ser íngreme, como eram feitas antigamente, e pelo ranger da madeira ao se pisar, percebemos que é muito antiga.
ACESSO AO NÍVEL LATERAL SUPERIOR
Acessa-se o nível superior, onde havia muitos documentos amontoados, tendo aos fundos as duas imagens de São João da Cruz e Santa Tereza D’Ávila em gesso e de bom porte. Elas foram adquiridas para retirar as duas de roca que existem no retábulo, mas depois foram recolocadas de volta e essas duas retiradas para a parte interna das dependências da Ordem.
Por ali se tinha acesso ao coro pelo lado da torre e tribunas.
CAPELA FÚNEBRE
Possivelmente no final do século XIX se fez uma capela fúnebre, para o velório dos irmãos Terceiros - motivo pelo qual não recebeu azulejamento antigo como o que se usou na nave, mesmo havendo alguns guardados pela Ordem, pelo menos até os anos 1980. Mas, se a capela um dia foi usada para velórios, não é mais utilizada.
Sua entrada tem magnífico gradil trabalhado, ostenta altar de mármore onde está a Virgem Dolorosa de roca pertencente a essa Ordem. No passado, ali ficavam as imagens dos dois santos principais da Ordem - Santa Tereza D’Ávila e São João da Cruz -, substituídas por devoções com imagens muito comuns e atuais.
Seu piso é feito em ladrilho hidráulico em cores branca e preta e o conjunto tem um toque de neoclássico no nicho onde fica a imagem principal. Na parede direita que seria a mesma da nave se vê uma estrutura de ossuário, o que não é comum em nossas igrejas, pelo menos até a construção do que existe na Catedral atualmente, que é muito amplo.
Esse ossuário está embutido em uma estrutura em estilo neogótico, com dois anjos ajoelhados ofertando flores, numa simetria perfeita com a cruz que divide os dois anjos e as seis gavetas, sendo que apenas três possuem identificações: as demais, ou estão vazias ou não receberam as devidas legendas e datas. Delas temos na ordem da esquerda para a direita as duas identificações superiores, seguindo-se um lóculo sem nome e novamente a terceira identificação seguida das duas inferiores sem nome. Uma curiosidade é que estão fora de ordem quanto à data de exumação, o que estaria ligado a essa ação e não à data de passamento de cada um dos ocupantes, como segue aqui descrita:
- José Domingues Martins
*5 de fevereiro 1864
+ 24 de janeiro 1924
- JOSÉ
filho de José Domingues Martins
*20 de dezembro 1889
+20 de fevereiro 1895.
- Sem nome.
- Octacílio Domingues Martins
* 29 de janeiro 1891
+5 de agosto 1938.
- Sem nome.
- Sem nome.
A imagem da Virgem Dolorosa é de roca e tem uma altura considerável; fora restaurada nos idos da década de 1980, pelo artista plástico Marcos Lamouch [19], que lhe retirou a expressão triste que demonstrava, colocando uma expressão mais imponente - o que deixou a imagem da Senhora menos piedosa.
Havia um resplendor de prata, cujo paradeiro é desconhecido, pois o que usa atualmente é parafusado pelo pescoço e não colocado de forma tradicional; também havia um punhal de prata da profecia de Simeão [08a], muito antigo, que era usado apenas na Sexta-feira Santa, quando se exibia a Senhora ao lado do esquife após a procissão que saía da Ordem Primeira e terminava na Ordem Terceira. Curiosamente, só vamos encontrar lágrimas de cristal nessa devoção mariana em Santos na imagem que está na Catedral e que um dia foi da Matriz e também na que se exibe na igreja de Santo António do Valongo.
Igualmente, a partir da década citada acima, passaram a deixar o esquife com a imagem do Senhor Morto do Santo Enterro exposta na capela e não o guardaram mais no sarcófago abaixo do retábulo principal do altar mor, mas a forma como se expõe sem os cavaletes que o levantem não lhe dá muita expressão.
Sob a mesa do altar, podemos ver um crucifixo muito antigo que foi repintado, perdendo todos os rubis de seu sangue e a delicadeza antiga. Havia dois castiçais de madeira, sendo colocados depois dois de metal, hoje desaparecidos. Entrando pela porta de acesso da nave se vê a porta de acesso ao corredor central entre as duas igrejas, essa capela à direita e a sacristia à esquerda e na parede do presbitério uma pia de água benta feita em mármore de duas cores (branco e rosado), muito delicada, e um antigo veleiro votivo que tem a base para receber a cera das velas e acima o local para encaixar as mesmas, sendo um trabalho muito antigo.
PÁTIO
Foi o antigo cemitério dos Terceiros. Atualmente serve de forma comum como espaço para os irmãos/ãs se servirem do tradicional café e chá oferecido após a missa compromissal ou demais festividades.
O cemitério que havia ali fora removido já no início do século XX e em seu lugar colocado um jardim, onde estavam várias estátuas pintadas de branco que se suspeitava serem de antigas sepulturas. Em seu centro, uma estrutura que recordava um poço, com uma pérgula acima para plantas e dentro a Virgem do Carmo rodeada de água e plantas aquáticas do tipo Santa Luzia (Pystia stratiotis), até que em uma reforma retiraram tudo para aproveitar como local de festas.
Encostada à parede do presbitério, próxima de uma antiga janela da sacristia, existe uma cruz de pedra que um dia deu referência ao logradouro, citada em um mapa de 1798 - cartografia produzida pelo capitão José Corrêa Rangel de Bulhoens como Rua e Beco de Trás do Carmo.
PRÉDIO AO LADO ESQUERDO
O prédio que fica contiguo à igreja, do lado esquerdo de quem a olha de frente, foi construído somente no século XX, pois quando foi ereto ele se limitava ao presbitério. Em fotos antigas, vemos uma janela de arco abatido em piso superior do lado esquerdo dos Terceiros, na parede terminada naquele local, onde hoje tem uma entrada para a nave, no mesmo local ocupado durante o século XVIII.
Sempre existiram, tomadas meio de lado, fotos em que aparece uma porta de acesso ao local que faria frente para a praça, em forma de construção rés-de-chão, tendo acima as janelas da nave ou tribunas sem acesso, pois este será construído depois, unindo todo o piso superior que circunda o templo, onde ficavam os caseiros.
Aos fundos havia a sala de costura, onde se produziam roupas para parturientes pobres, que as recebiam como oferta cristã. Para isso, havia a dedicação de irmãs Terceiras e voluntárias, que faziam tal serviço.
CAPELA DE NOSSA SENHORA DA GRAÇA
Fora mandada erguer por José Adorno - que em 1560 mandou erguer na Ilha de Santo Amaro (Guarujá), no lado de frente para Bertioga, a capela de Santo António do Guaibê, seguida em 1562 da Capela de Nossa Senhora da Graça.
Sua iconografia vem de Portugal e a devoção do século XIII a representa em pé com o menino sempre do lado esquerdo, no colo da mãe; a Virgem o segura com a mão direita e o ampara com a esquerda, mostrando-o sorridente; também havia o costume de dourar seus cabelos.
Dessa capela existem dois quadros e duas fotos:
- Militão de Azevedo de 1865 a fotografou de frente, pegando uma pequena parte da lateral.
- Marc Ferrez, de 1880, en Panorama de Santos, tomada da antiga subida do Monte Serrat, onde se vê uma pequena parte de sua lateral e a quina da fachada, muito baixa em relação aos prédios dessa época.
- Benedito Calixto de Jesus fez um pequeno quadro com certo realismo porque a conheceu, encontrando-se o mesmo nas dependências do Convento.
- Benedito Calixto de Jesus fez outro quadro, semelhante, que pode ser apreciado no Museu de Arte Sacra de São Paulo.
Um ponto curioso entre as duas pinturas é que a casa ao lado da ermida e vizinha da casa do comendador Neto tinha janelas e portas com verga reta e em uma das telas o pintor a colocou com arcos abatidos, invertendo a situação na construção ao fundo da capela - que no lugar de uma janela tem uma porta. Isso mostra que, ao fazer a pintura, sua memória estaria esquecida de como era a sua vizinhança. Na fachada, em uma das pinturas, Calixto colocou um óculo e na outra não, ficando de acordo com a foto de Militão de Azevedo.
Dessa pequena capela infelizmente não se conhecem as medidas exatas, a não ser do terreno, pelo menos até o momento, havendo sempre a esperança de que algum arquivo - em poder de um colecionador particular ou instituição - venha elucidar essa curiosidade. Temos outra construção, embora arruinada, que nos dá uma pista de como seria a sua parte principal: através das ruínas que já visitei da capela de Santo António do Guaibê, no que se refere à nave e presbitério [20] devem ter sido usadas as mesmas proporções na capela construída dois anos antes - o que pode indicar que a de Santos já estivesse em processo de construção ou levou dois anos para isso, pois seria ilógico que o seu idealizador tivesse uma capela longe de sua residência, apesar de que ali a ermida funcionou como refúgio contra o ataque dos nativos.
Interior da ermida de Santo Antonio do Guaíbe
Foto: livro Guarujá, três momentos de uma mesma história, da professora Ângela Omati Aguiar Vaz (Guarujá, 2003)
Na capela de Nossa Senhora da Graça, podemos perceber pela foto de 1865 que a sacristia ou dependências para guardar os objetos sacros ficaria do lado esquerdo da fachada. Temos certeza disso pela janela de verga reta que ali se encontra e um desalinhamento do telhado em relação à fachada, que pode resultar de uma reforma para adequá-la às ventanias e intempéries, numa época em que não havia grandes prédios impedindo a circulação do ar e da luz. Sua porta em arco abatido ou barbacã pode resultar de uma reforma posterior, pois segue o mesmo estilo das que existem na igreja da Ordem Primeira carmelita.
Na pintura de Benedito Calixto, a mesma apresenta uma janela na nave do lado direito, muito alta para ser usada como acesso à rua (ou caminho, em passado mais longevo), o que indica o seu aproveitamento de iluminação ou defesa sendo essa janela feita em verga reta. Se houve outra do lado esquerdo, em perfeito alinhamento, apenas a foto antiga que vi e existiu no Instituto Histórico e Geográfico de Santos e hoje está desaparecida, ou uma planta, poderão elucidar a sua construção.
Na capela do Santo António do Guaybê, percebemos, existiu uma sacristia, O restos de tal estrutura teriam acesso pelo lado direito ao fundo pela porta do presbitério. Do mesmo lado da fachada existiu uma escadaria de acesso a uma sineira que, devido a suas pequenas proporções, não chegou a constituir uma grande torre: suas colunas e base das mesmas são idênticas à capela santista, apenas tem uma janela no presbitério do lado esquerdo.
A capela foi dada como demolida em 2 de dezembro de 1902 e pessoas que caminham pela Rua do Comércio, esquina da Rua José Ricardo, passam por cima do que um dia foram sua nave e seus sepultamentos.
FESTAS
Por um tempo, as procissões se limitaram a dar a volta à praça em sentido anti-horário; sempre as festas realizadas no convento eram à sua ordem:
Procissão do Domingo de Ramos, saindo da porta da igreja e dando a volta à Praça Barão do Rio Branco, geralmente pela manhã.
Procissão do Senhor Morto ou do Santo Enterro, após a liturgia da cruz às 15h00 saía da igreja da Ordem Primeira e dava a volta na Praça Barão do Rio Branco em sentido anti-horário, recolhendo-se à Igreja da Ordem Terceira, onde se expunha o esquife depois de retirar o baldaquino, ao lado da Senhora das Dores.
Procissão da oraga, saindo da igreja e dando a volta na Praça Barão do Rio Branco, mas já nos idos de 1989 passou a ir até a frente do monumento de Braz Cubas como homenagem ao benfeitor dos carmelitas; após 1998, aumentaram o percurso em sentido contrário, passando ao lado da Prefeitura.
Procissão do Santíssimo Sacramento - era feita dentro da igreja, na nave, usando uma umbela sobre o frade portando a custódia.
Ocorreram ainda as procissões de São José no dia 19 de março, quando há muitos anos deixara de ser realizada na sua paróquia do Macuco.
Virgem da Conceição - no dia 8 de dezembro, usando uma imagem muito antiga que faria trio com Santa Ana e São Joaquim e ainda a de Nossa Senhora da Assunção quando a confraria completou 200 anos de registro em cartório em 1993.
Ocorreram procissões do Senhor dos Passos ou do Encontro, após 1998. Atualmente se realiza somente apenas a procissão da padroeira.
Hora Santa de Ação de Graças - que se realizava no último dia do ano no convento e por vezes teimavam no jornal em citar por equivoco que seria na Ordem Terceira. Ocorria a adoração a Jesus Sacramentado, benção, missa festiva e benção final, sempre celebrada pelo bispo dom David Picão, nos anos 1970 para 80.
Missa festiva de Santa Terezinha de Lisieux - que era muito concorrida pelos devotos, destacando-se a distribuição de rosas aos devotos pelas terezitas.
Ocorreu uma visita da imagem de Nossa Senhora que vinha de Mirassol, quando se distribuiu mel e azeite para os presentes.
Ocorreu também a visita de um relicário de Santa Terezinha de Liseux. |