ROSSIO CARMELITA DE SANTOS
A definição de rossio na língua portuguesa se refere a uma praça larga, terreno largo bastante espaçoso, terreno que antigamente era roçado pelo povo para o uso comum, logradouro público.
No Rio de Janeiro, com o mar se recolhendo e deixando a igreja cada vez mais longe das marés e suas ondas, os frades requisitaram à Coroa Portuguesa que lhes concedesse os terrenos deixados pelo mar, surgindo assim o Rossio do Carmo do Rio de Janeiro, hoje conhecido como Praça XV de Novembro. Pode-se perceber um costume na ordem carmelita, de haver uma praça ou espaço na frente da maioria de suas igrejas, o que não ocorreu em Santos.
O rossio santista que poderia ser chamado do Carmo, por ser propriedade dos carmelitas, esteve com suas terras em eternas disputas jurídicas, nunca ficou com esse nome em Santos, nada mais é do que o rossio de Braz Cubas, campo da Misericórdia, campo da Coroação e atual Praça Mauá. Realmente ali pertenceu aos carmelitas, mas tem a presença da segunda igreja da Misericórdia, da qual se tem a menção de ter a Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte instalada em 1652, que vai existir até aproximadamente 1840, quando a Santa Izabel. vestindo o hábito de Terceira, é levada para a Santa Casa, da qual é protetora, e o templo ruinoso é demolido [17].
A imagem de Santa Izabel e seu nicho, em fotos de Carlos Pimentel Mendes, em 20 de outubro de 2007
Mas o nome de “Campo da Misericórdia” nos recorda a palavra campo, sem a complementação de Santo. Os irmãos dessa irmandade pia davam sepultura aos mortos mais humildes e já se comentou que outrora, ali onde estão hoje a praça e a Prefeitura, além de ter a igreja havia um cemitério que a circundava, como ocorria com quase todas que tinham um campo santo próximo, nos fundos ou na frente.
A história do rossio começa com Braz Cubas e - a contragosto seu - saíram marcando 200 braças (aproximadamente 668,902 metros quadrados) de terras para esse fim em 1554. Podemos notar que foi um excesso de terreno. Contrariado, ele recorreu às autoridades sediadas na Bahia, evitando os tribunais locais por razões óbvias - as decisões locais seriam desfavoráveis a ele e as autoridades baianas seriam favoráveis quantas vezes ele recorresse, como ocorreu novamente em 1586 e 1588, passando suas terras em testamento ao seu filho Pero Cubas. Os carmelitas vão recorrer da sentença em 1610, finamente herdando em 1628 muitos terrenos de Pero Cubas; herdam também os processos dos carmelitas santistas e novamente haverão recursos jurídicos em 1655 e 1677, em que vão ganhar uma indenização muitos anos depois.
Agora fica a questão, que a segunda igreja da Misericórdia foi ali ereta [18] e demolida em 1840. Sendo assim, o campo se chamaria de Braz Cubas seguido de Misericórdia, que terá depois o novo nome de “Campo da Coroação”, ficando fora do terreno onde se erguera a igreja da Misericórdia que dera nome ao logradouro, evidentemente longe de onde um dia estiveram os sepultamentos. Finalmente, a área ganhou o nome de Praça Mauá, não havendo menção assinalada do lugar como rocio de Braz Cubas ou Carmo em mapas antigos.
Em 1846, com o auxílio da marquesa de Santos, Domitila de Castro, honrada senhora, foi instalado o chafariz da praça. Transcrevo trecho de sua carta - de 21 de julho daquele ano, enviando 400$000 para a construção do mesmo - na forma como Francisco Martins dos Santos registrou em seu livro:
"É-me demais muito agradável subscrever para uma obra pela qual se deve prestar um benefício ao povo, e ao mesmo tempo perpetuar um dia que será sempre o penhor da paz e união dos brasileiros, e ainda mais numa cidade da qual me ufano de ter um título, e assim mando entregar por mão do senhor Capitão António Martins dos Santos, a quantia de quatrocentos mil réis, sentindo que as circunstâncias não me permitem que dê uma prova mais importante dos meus bons desejos.”
E vai ser construído um grande chafariz, com suas partes de metal provavelmente adquiridas da Inglaterra, chamado então de “Chafariz da Coroação” porque o mesmo local já exibia esse nome em 1841. Percebemos que então a igreja já não existe, provavelmente estaria há seis anos totalmente demolida. Sabe-se que - quando foi feito no final do século XX o banheiro público da praça - foram encontradas muitas ossadas humanas e como sempre surgiram suspeitas de crimes escondidos, como é comum o povo imaginar.
Aquele chafariz já não fazia parte da paisagem do logradouro em 1880 quando se fez uma foto, mas posteriormente, em fotos circuladas como postais, podemos ver que existe em cada esquina da praça um bebedouro público com um poste, possivelmente uma extensão do chafariz da coroação que era o principal e/ou faziam parte do maior ou foram colocados posteriormente para servir à população.
Da inauguração desse chafariz, em 1846, temos a famosa história de que conseguiram encanar vinho português para no momento da inauguração impressionar o nosso imperador, como ocorreu.
Agora como construíram uma igreja em terreno dos carmelitas que estavam sendo sempre contestados, é que não dá para entender, pois por quê os monges não tomaram ou expulsaram os irmãos da Misericórdia dali?
Na foto de Marc Ferrez de 1880 o Campo da Misericórdia estava resumido somente ao que conhecemos como Praça Mauá, pois o terreno onde está construída atualmente a prefeitura santista, nesse ano estava ocupado por várias casas rés-de-chão, com os seus quintais dando fundos para a atual Rua Augusto Severo, onde também se pode perceber do lado do convento um monte de entulhos referentes a uma demolição ou muro caído.
Esse cuidado dos carmelitas com suas propriedades vai de certa forma deixar um grande espaço sem ocupar dos fundos do convento para os lados do Monte Serrat, no que seriam seus terrenos, pelo menos até o final do século XVIII.
Cais do Carmo, na Planta da Villa de Santos em 1812
Imagem: detalhe do mapa
CAIS DO CARMO
Em mapa feito no ano de 1812 e que se conserva em Portugal aparece uma forma arqueada na frente da igreja, que se percebe ter sido trabalhada pela mão do homem e se identifica como “Cais do Carmo” não ficando claro se seria explorado pelos frades ou apenas era a identificação do local.
O que podemos comprovar em foto de Marc Ferrez de 1880 é que existiram três trapiches em frente a toda a fachada do convento, Ordem Primeira e Ordem Terceira, sendo um trapiche grande ao lado direito e dois trapiches menores do lado esquerdo, avançando sobre a praia que ali existiu e um navio a vapor ancorado.
Anteriormente haveria pequenos prédios em frente do conjunto carmelita conhecido como Largo do Carmo, sendo visto o Arsenal da Marinha que aparece na foto de Militão de Azevedo de 1865, mas essas construções em 1880 já haviam sido demolidas e deram lugar a uma praça com arvores, como se comprova na foto.
Se houve trapiches que pertenceram ao convento, aparecerão com o passar do tempo documentos ou comprovantes; atualmente o lugar apenas é conhecido como parte do Porto de Santos e seus armazéns.
Por muito tempo, o local em frente à igreja se chamou de Pátio do Carmo, segundo registros nas fotos de Militão de Azevedo de 1865, até que foi aberta a praça.
Recreio dos alunos no pátio do Colégio do Carmo, que dava
frente para a Rua Augusto Severo.
Clóvis Benedito de Almeida, aluno dessa escola de 1941 a 1945, explicou que as árvores dessa foto eram pés de abio e de abricó
Foto cedida a Novo Milênio pelo professor e pesquisador Francisco Carballa
GINÁSIO OU COLÉGIO DO CARMO
Ainda se pode ver em sua fachada, na Ponta da Praia, para onde foi transferida a instituição, a Virgem do Carmo em alto relevo, na Rua Maestro Heitor Vila Lobos e o brasão dos carmelitas encimado por uma cruz com a mão do Profeta Elias segurando uma espada de fogo - que até bem pouco tempo atrás exibia dois medalhões de cada lado com os símbolos marianos e uma cruz acima da porta principal, na Rua Egídio Martins, que foram retirados do antigo colégio, da fachada voltada para a Rua Augusto Severo.
Existe uma foto de 1913 de jornal, na qual vemos a rua e alguns prédios que ainda existem fazendo esquina com a Rua General Câmara, além da construção que existiu na esquina da Praça Barão do Rio Branco com a Rua Augusto Severo e um muro que tem por trás de si um jardim, possivelmente pertencendo ao convento, caso não fossem casas pertencentes ao mesmo.
O colégio foi fundado em 1917, ocupando apenas quatro salas do antigo convento, sendo a primeira escola da região a ter, a partir de 1938, cursos técnicos. Mas a evasão dos moradores dos bairros do Paquetá, Centro, Valongo e Bairro Chinês e sua fixação mais para os lados da praia e a instalação de comércios no lugar das moradias forçaram os monges a decidir pela mudança de endereço da famosa escola ou Ginásio do Carmo de Santos, que em 1959 foi transferida para a Ponta da Praia, segundo os registros. Já o antigo prédio seria fadado à demolição, como todo resquício de prédios coloniais que havia na cidade.
A escola foi muito famosa pela sua banda que tocava nos desfiles, sendo seus integrantes conhecidos pelo zelo com os instrumentos e afinamento da mesma.
Foi o sr. Clóvis Benedito Farias de Almeida (falecido em 2015), um estudante do Grupo Escolar Barnabé, depois dali foi transferido por seu pai (que era motorneiro) para a Escola do Carmo ou Ginásio dos Carmelitas, que possuía a fama de ser um ótimo estabelecimento de ensino. Disse ele que sua professora os levou por várias vezes até a Igreja do São Francisco de Paula, de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Santo António do Valongo e Catedral, explicando a importância dessas igrejas e sobre a vida dos Santos que eram padroeiros ou auxiliares. Vemos que a unção religiosa levava os professores a darem aulas fora da sala e fazerem visitas técnicas, como se diz atualmente.
Seu prédio fora concebido em linhas mais modernas do que o barroco existente ou o neocolonial em voga no Brasil. Curiosamente, era irregular, pois entre a frente do convento para a Praça Barão do Rio Branco e a Rua Augusto Severo havia um prédio de esquina que permaneceu ali pelo menos até o ano de 1930.
Sua fachada ficava separada da Rua Augusto Severo por um grande pátio, seguindo entre janelas e portas no térreo e piso superior; havia uma torre que parecia uma réplica de uma pintura barroca, com dois andares, na qual havia um quarto onde dizia frei Rafael que estivera instalado por algum tempo, não recordando ao certo se na parte inferior ou superior. Na frente dessa torre havia três brasões sacros e uma figura da Virgem do Carmo que foram transferidos para o novo prédio. Dali, seguia a parede de forma irregular sendo a parte de frente da rua em linha reta.
Já a parede que avançava para dentro do terreno do convento, sem ser em linha reta, poderia indicar ainda haver casas de comércio na esquina, o que não permitia que se usasse o local com a fachada da construção de forma retilínea, havendo na frente um pátio que tomou o lugar de antigas construções, com árvores, onde os alunos podiam brincar ou fazer ginástica.
O portão tinha uma cruz de alvenaria, que pouco me recordo de ter visto em fotos, mas essa cruz estava posteriormente em um canto na entrada do convento, sendo ali preservada.
Da venda do seu terreno à demolição da parte construída no período colonial e a que foi construída no início do século XX, podemos achar referências entre 1961 até 1973. Dessa negociação, o prior frei Rafael M. Marinho reclamava que foi contrário, mas que não podia contrariar as ordens da época, mesmo que o conjunto fosse declarado patrimônio alguns anos antes, sem qualquer intervenção de algum grupo ligado à preservação do patrimônio. Um desses frades envolvidos no negócio esteve na festa dos 400 anos do desembarque e presença dos carmelitas em Santos e do aniversário da igreja.
Percebemos que o antigo terreno da escola foi dividido em três lotes, ficando dois de frente à praça - o nº 14 (Edifício Martim Francisco) seguido por um prédio semelhante, mas separado do outro que faz esquina com a Praça Barão do Rio Branco, o Edifício Agência de Vapores Grieg S/A ocupando a esquina da Rua Augusto Severo, onde havia uma construção que sempre fora alugada (não ficando claro se pelos carmelitas ou particulares, pois poderiam ocupar o local com a escola em 1917), contiguo ao Edifício W. Alba nº 13 e seguindo até a esquina da Rua General Câmara.
Esta última área, que um dia pertenceu ao convento, teve depois a instalação da antiga firma Ferreira de Souza, desde 1868 ocupando os nºs 19/23/25/27/29. Conheci dona Maria Eduarda, última proprietária dessa empresa, que mantinha ainda o palacete na Avenida Conselheiro Nébias com Rua Dr. Cesário da Mota.
Comprei dessa antiga escola e de seu salão (onde se recebiam os pais em dias de apresentação) duas cadeiras dessas antigas, comuns até os anos 1960, que estavam sendo vendidas em uma loja de móveis usados: foi assim que se desfizeram de muitas de suas mobílias antigas.
Pode ser que ainda exista nos arquivos públicos ou da Ordem uma planta da parte que agregaram em 1925 à construção colonial.
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