Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0184s.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 09/13/08 18:42:25
Clique na imagem para voltar à página principal

HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS
A genealogia e desavenças com Franca e Horta

Leva para a página anterior

Nas páginas do jornal santista A Tribuna, o pesquisador, historiador e cronista Costa e Silva Sobrinho incluiu inúmeros textos, alguns dos quais foram mais tarde republicados como parte de sua obra Romagem pela Terra dos Andradas. Como este, na série Santos noutros Tempos, publicado na edição de 26 de outubro de 1952, nas páginas 21 e 20 - segundo caderno - (ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução parcial da matéria original

A genealogia dos Andradas

Costa e Silva Sobrinho

À Genealogia, como disciplina auxiliar da História, não se deu até hoje no Brasil a merecida importância. Entre os nossos historiadores, raros são aqueles que dela se têm utilizado.

No entanto, há mais de oitenta anos, assim se exteriorizava Camilo Castelo Branco acerca do seu grande valor: "Os que desprezam os manuscritos genealógicos atiram fora o melhor ouro da história civil, política e religiosa da nossa terra". (Os brilhantes do brasileiro, 51).

Os livros de registro civil, os livros paroquiais, os livros eleitorais, os livros de matrícula nas escolas superiores, as folhas de serviço dos militares e dos funcionários públicos constituem necessariamente fontes preciosas de informação para todos aqueles que tiverem de fazer estudos históricos.

Alberto Sousa, por exemplo, serviu-se a miúdo nos seus três fartos volumes sobre Os Andradas dos Apontamentos Genealógicos da Família Andrada, elaborados pelo dr. José Bonifácio, e dos livros paroquiais. E poderia ele ter respigado em tão valiosos documentos muito maior número de informes, se não andasse às vezes com a pressa a esporear-lhe as pesquisas.

Dar-nos-á o estudo da ascendência dos Andradas bom número de espécies ignoradas ou pelo menos ainda não impressas. A esse propósito poderemos apresentar o respeitável sufrágio de Afonso de Taunay, hoje em dia uma das mais abalizadas autoridades de que a historiografia pátria se orgulha. Eis as suas textualíssimas palavras: "Está por se divulgar a genealogia dos Andradas; o que publicado existe a tal respeito é muito deficiente". (A vida gloriosa de Bartolomeu de Gusmão, p. 40). É uma lacuna que deve ser remediada, sobretudo quanto aos ascendentes maternos dos insignes santistas.

Como se sabe, d. Maria Bárbara da Silva, progenitora (N.E.: a palavra progenitora, avó, era em meados do século XX muito usada erroneamente no lugar de genitora, mãe, que seria o correto neste caso) de José Bonifácio e seus irmãos, era filha de Gonçalo Fernandes Souto e de sua esposa d. Rosa de Viterbo da Silva. Nascera esta última em Santos, e o marido era português, oriundo da povoação denominada Souto de Escarão, na freguesia de Santiago, termo de Vila Real, arcebispado de Braga.

Para ver-se como são falhos os nossos genealogistas relativamente à família materna de José Bonifácio, seja exemplo este fato:

Era irmão de d. Maria Bárbara, e portanto tio de José Bonifácio, o dr. Manuel Fernandes Souto, formado em Medicina pela Universidade de Coimbra, casado com Margarida Rosa de Castro.

Alberto Sousa, cuja obra é uma das mais prestadias que se tem escrito sobre a matéria, menciona apenas cinco filhos desse facultativo (vide obr. cit. I, p. 288). No entanto, eram nada menos de nove. Vamos relacioná-los pelas datas dos nascimentos. Ei-los aqui: 1 - Rosa Leonarda, nascida em 1756; 2 - Gonçalo, em 1769; 3 - Manuel, 1770; 4 - Teodozia, 1771; 5 - Maria Vicencia, 1772; 6 - Antonia Felícia, 1774; 7 - Luísa Maria, 1776; 8 - João Nepomuceno, 1778; e 9 - Ana, 1780.

São nove primos irmãos do Patriarca, pelo lado materno. Os três homens abraçaram o estado eclesiástico.

O padre Manuel Fernandes Souto terminou a sua jornada terrestre em 1º de maio de 1817, vítima de umas feridas na garganta. Desde 1808 era capelão do Regimento da Tropa de Linha, em Santos. Encontramo-lo como coadjutor em 1814.

Maria Vicencia Fernandes Souto morreu solteira, com testamento, em 27 de janeiro de 1859, tendo residido sempre em Santos. Legou a casa onde morava, na Rua Direita (hoje 15 de Novembro), à Irmandade dos Passos.

Luísa Maria Fernandes casou em 1800 com o tenente Januário Máximo de Castro Carneiro, falecido já viúvo, como coronel de milícias, em 1823. Desse casal houve descendência.

Antonia Felícia de Castro casou com o ajudante Manuel Rodrigues Fam, no ano de 1790, em Parnaíba. E teve também descendência.

O padre João Nepomuceno Fernandes Souto, depois de receber ordens sacras em 1801, acabou afinal sendo agricultor em Pindamonhangaba. Esquecido do seu excelso ministério, foi ele terrenal e galã. Deixou-se dominar pelo garbo e elegância de uma deidade, que propagou alguns rebentos, e veio mais tarde a maridar-se em Santo Amaro com um alto personagem. Corre na tradição que se celebrou o enlace com uma festa estrondosa.

Reatemos a lista destes singulares primos dos Andradas.

O segundo gênito, ao ser purificado pela água lustral, recebeu o nome do avô paterno. Chamou-se Gonçalo. Até os vinte e dois anos viveu em Santos, de onde então se afastou e esteve sempre ausente. Do esquecimento em que, por esse motivo, caiu, vamos resgatá-lo aqui graças a dois livros ultimamente aparecidos, e às preciosas notas que nos ministrou o dr. Agenor Guerra Corrêa, autoridade de subidos quilates em assuntos genealógicos.

O primeiro livro é de George Gardner, superintendente dos jardins reais de Ceilão. Intitula-se Viagens no Brasil, tradução de Albertino Pinheiro, feita de conformidade com a segunda edição inglesa aparecida em Londres, em 1849. Depara-se-nos à página 281 dessa obra a seguinte passagem:

"Quando chegamos (em 25 de outubro de 1840), havia na vila (de Natividade, na província de Goiás) três padres, um dos quais morreu durante o tempo de nossa permanência. Estes padres, como quase todos os mais que encontrei, em vez de serem exemplos de moralidade para o povo, eram quase incrivelmente imorais. O que morreu era um velho de mais de setenta e quatro anos de idade, natural de Santos, na província de São Paulo, e primo do célebre José Bonifácio de Andrada. Embora bem educado, humano e benévolo, deixou após si uma família de meia dúzia de filhos de suas próprias escravas, os quais, juntamente com as mães, em cativeiro e vendidos depois, como os objetos herdados, para pagamento das dívidas do morto".

O autor, como se vê, não mencionou o nome desse sacerdote. Disse apenas que ia ele nos 74 anos de idade, era natural de Santos, e primo de José Bonifácio. Mas quem seria esse primo de José Bonifácio? - inquirirão os leitores, mordidos pela curiosidade.

Primeiro que lhes demos resposta, abramos o segundo livro, acima referido. É da autoria do cônego J. Trindade da Fonseca e Silva, tem por título Lugares e pessoas e por subtítulo Subsídios eclesiásticos para a história de Goiás.

Merece traslado o que ele diz à página 138, nestas poucas linhas: "Durante toda a temporada no Rio, como prelado eleito, dom Francisco (O Bispo Cego) residiu na vila de Macacú, sua velha paróquia. Neste período reorganiza a Chancelaria na sua longínqua prelazia. Passa todo o movimento da autoridade para Vila Boa, nomeia um vigário geral para o Norte de Goiás, com sede em Natividade, com a denominação: Repartição do Norte. Recebe esta nomeação o padre Gonçalo Souto".

Não há como negá-lo, eis aí o padre Gonçalo Fernandes Souto.

George Gardner, sectário do protestantismo, escreveu com ânimo apaixonado o trecho que citamos há pouco. Os seus enxovalhos ao velho sacerdote, os pormenores verecundos dos filhos escravos que este teria tido devem ser perquiridos pelos nossos historiadores. Se com o itinerante das Viagens no Brasil estiver a verdade, não se há mister de escurecê-la.

Primos de sangue mesclado teriam tido então os Andradas. Na sua árvore lustrosa de celebridades ficariam enxertados alguns garfos desprezíveis.

O cônego Trindade dá-nos notícia, enfim, de um padre Luís Fernandes Souto, natural de Natividade, filho de Brigída Francisca de Araújo, o qual se ordenou em 8 de agosto de 1847. Prende-se ele, pelo sobrenome, com o outro sacerdote. Que qualidade de ligação haveria entre ambos? Não sabemos explicar esse ponto.

A nós afigura-se-nos que a família do dr. Manuel Fernandes Souto foi fértil, quanto aos homens, em vocações torcidas. Nem ele próprio teria tido inclinação para a carreira que abraçou. Matriculado em Coimbra em 1759, lá esteve cursando Medicina até 1763. E formou-se nesse ano, depois de casado e de já ser pai. Pois bem: em Santos não clinicou. Apenas ocupou o cargo de escrivão da Alfândega. (Docs. Ints., vol. 45, ps. 131 a 175). Não sentiu disposição para o exercício da Medicina.

Mais do que para a Medicina, o Direito e as Letras, para o sacerdócio faz-se mister uma índole toda especial. Função ao mesmo tempo humana e divina, que se acha colocada ao lado e acima das outras, ela exige prévia seleção e estudos que passam da craveira vulgar.

Supõe destarte o estado eclesiástico uma vocação, que não se confunde com a simples inclinação que podemos ter por esta ou aquela carreira; pois é uma preferência que vem de mais alto, que faz que o eleito obseqüente e fervoroso procure e se renda a Deus, ela conduz, em suma, a uma vida mais perfeita do que a dos outros homens.

Entretanto, como as ilusões nos fazem escorregar muitas vezes na ladeira do engano, ninguém poderá candidatar-se a ela como se fora a um emprego qualquer. É uma escolha que compete sobretudo à apostolicidade dos pescadores...

A Tribuna também publicou este artigo na série Santos noutros Tempos, nas páginas 23 e 22 da edição de 3 de agosto de 1952 (ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução parcial da matéria original

As desavenças de Franca e Horta com os Andradas

Costa e Silva Sobrinho

Com quase cinqüenta anos de idade, desembarcava em Santos, em 1802, um militar português, fidalgo da casa real, que se chamava Antonio José da Franca e Horta. Era natural de Faro, no litoral algarvio, e seguira primeiro a carreira eclesiástica, para depois abandoná-la, assentando praça no regimento de infantaria de Tavira. Tinha, ademais, o curso de Filosofia e Matemática pela Universidade de Coimbra.

Aqui chegava ele nomeado governador e capitão-general de S. Paulo, cargo do qual tomou posse a 10 de dezembro do mencionado ano.

Todos os moradores da cidade e dos subúrbios de São Paulo, segundo determinação expressa da Câmara Municipal dali, arrumaram as ruas e as estradas à frente das suas propriedades, caiaram as casas e no dia da entrada do delegado régio, bem como nos dois dias imediatos, acenderam luminárias, em demonstração de regozijo popular.

E ai daquele que não cumprisse tais ordens municipais! Incorria na multa de seis mil réis para o Conselho e na pena de trinta dias de cadeia.

Houve, destarte, grandes festejos para celebrar o advento desse governador na cidade principal da Capitania.

Um dos seus primeiros atos foi proibir que os "aduladores", revivescentes como a tiririca em todos os tempos, lhe fizessem presentes...

A sua administração durou cerca de nove anos. Nos Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo, publicação do Arquivo do Estado, há farta documentação referente a esse período da história de São Paulo.

Na Biblioteca Nacional existe também, a esse respeito, um manuscrito interessante. É a Exposição que faz o capitão-general da Capitania de São Paulo, Antonio José da Franca e Horta, ao seu sucessor, o marquês de Alegrete, em outubro de 1811, sobre o estado dos negócios concernentes à administração e governo da mesma capitania.

Trata esse documento de vários assuntos. A saber: finanças, estado militar, tropa de linha, milicianos, fortalezas, comércio, agricultura, estradas e caminhos, obras públicas, casas de misericórdia e lazaretos, fábrica de ferro. Ministra-nos ele muitos subsídios valiosos para a história de Santos. Não nos é dado, neste momento, examinar as matérias ali versadas. Isso nos faria interromper o nosso assunto.

Com a sua nomeação para o cargo de juiz de fora, em 1805, Antônio Carlos fixava residência definitiva em Santos. Datam daí as suas terríveis pegas com o capitão-general Franca e Horta.

Relatando este ao visconde de Anadia, então ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, um dos aludidos incidentes, assim se expressava em ofício de 4 de novembro de 1806: "Não me sendo possível nesta ocasião fazer ver o petulante comportamento e insubordinação com que o atual juiz de fora da vila de Santos, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, se tem atrevido a iludir a execução das ordens que lhe tenho expedido... me vi obrigado a mandá-lo chamar à minha presença etc.".

E mais adiante ainda afirmava:

"Tanto o dito bacharel como seu irmão Martim Francisco, químico aqui empregado na Inspetoria das Minas de Ferro, são dotados de um espírito orgulhoso, nimiamente enfatuados, e com a cabeça cheia de princípios de liberdade, pelo que, no meu modo de pensar, julgo pouco conveniente a sua existência nestes Estados, onde só a vaidosa confiança que lhes inspira o valimento de José Bonifácio, seu irmão mais velho, é capaz de os fazer abalançar aos maiores absurdos".

Refere-se o citado ofício à desobediência do juiz de fora às decisões da Junta da Fazenda, que lhe eram comunicadas pelo governador, como presidente desse tribunal. O fato vem narrado mui por menor no volume I, pág. 460 da obra de Alberto Sousa, sobre Os Andradas.

Mas o "petulante bacharel" não se assustava com gritos e ameaças. Não temia a cólera do governador. Tinha ânimo capaz das empresas mais arriscadas.

Enfim, para debelar a altivez e a resistência do Andrada, recorreu Franca e Horta ao emprego de meios nimiamente opressivos.

Havia, na família Andrada, dois membros que viviam constantemente a atacar, a ofender, a crivar de setas o governador. Eram Francisco Eugênio de Andrada, irmão mais moço de Antonio Carlos, pois contava então 28 anos; e João Feliciano, primo deles, que Alberto Sousa não conseguiu de modo algum identificar. Tratava-se, porém, de João Feliciano de Aguiar e Silva, de 33 anos, filho do sargento-mor Manuel Angelo Figueira de Aguiar e de sua mulher d. Rosa Jacinta da Silva, irmã da progenitora (N.E.: a palavra progenitora, de novo usada erroneamente no lugar da forma correta genitora, mãe) de Antonio Carlos.

Em ambos vingaria Franca e Horta os agravos pessoais recebidos de todos. Num excesso de arbitrariedade ordenou, pois, ao comandante da Praça de Santos que os prendesse e em seguida os obrigou a assentar praça como soldados rasos na tropa de linha destacada em Santos - "para mostra que eles não eram melhores do que os outros e ao mesmo tempo para desafrontar-se das suas injúrias", conforme informou com todo descaramento ao secretário de Estado.

Diz-se que Antonio Carlos promovera, então, a deserção daqueles recrutas. Te-lo-ia feito, entretanto, como medida extrema, só depois que eles, procurando defender-se, não conseguiram arrostar com os obstáculos.

Assim, Francisco Eugênio de Andrada constituía seus procuradores, em 15 de outubro de 1806, ao padre Patrício Manuel de Andrada e Silva, e a João Otavio Nébias, Joaquim Bento e Raimundo de Sousa, para o fim de lhe requererem em juízo uma justificação. E de fato, dez dias depois era ela requerida nestes termos:

"Elmo. sr. juiz de fora:

"Diz Francisco Eugênio de Andrada que, para bem de sua Justiça, lhe é preciso justificar os itens seguintes:

"1º - Que ele é das principais famílias desta vila.

"2º - Que é negociante estabelecido nela, que deve, e a quem se devem somas consideráveis.

"3º - Que tem servido os cargos da República nesta dita vila.

"4º - Que nunca constou que tivesse crime neste Juízo, ou em outro qualquer.

"5º - Que nunca deu mostras de insubordinação a seus legítimos superiores.

"E como o não pode fazer sem despacho, pede a V. M. seja servido admiti-lo a justificar o mencionado, e, justificado quanto baste, lhe mande o seu instrumento pelas vias que pedir. Como a algumas das testemunhas é preciso tomar-lhes o depoimento em suas casas, pede seja igualmente servido dar comissão ao escrivão companheiro para as inquirir. E. R. M."

Antonio Carlos, que era então o juiz de fora, exarou este despacho: "Remetida ao vereador mais velho, por ser eu irmão do justificante. (a) Andrada Machado".

O vereador mais velho era o capitão José Carvalho da Silva, que, recebendo a petição, despachou: "Remetida ao segundo vereador por ser o justificante meu cunhado. Santos, 27 de outubro de 1806. (a) Carvalho."

Foi a petição ao segundo vereador, que deu o seguinte despacho: "Remetida ao terceiro vereador, por na presente ocasião estar eu doente. Ferreira". Esse Antonio Vicente Ferreira era licenciado, isto é, exercia a Medicina, por isso se lembrou talvez de alegar moléstia.

Ao terceiro vereador vai agora a justificação. Trata-se do capitão-mor Antonio do Rego Baldáia, que recebe os autos e põe logo: "Não posso presidir à presente justificação porque, além da particular amizade que tenho com o suplicante, com o mesmo tenho contas, e, portanto, me dou de suspeito, acrescendo mais o achar-me presentemente doente. - Santos, 3 de novembro de 1806. (a) Baldáia".

Esgotado o número de juízes vereadores, foram os autos ao juiz da Alfândega, dr. João de Sousa Pereira Bueno. Como era romanista sumarento e condimentoso, esquivou-se pondo este ornamento latino: "Jure jurando, dou-me por suspeito, e dou esta por publicada na mão do escrivão. - Santos, 29 de novembro de 1806. (a) Bueno".

Depois, cada um que recebia o processo, repetia essa derradeira fórmula. Foram eles: o dr. Joaquim José Freire da Silva, médico do presídio, e Francisco Solano Ferreira, em 3 de dezembro de 1806; João Xavier da Costa Aguiar, em 18 do mesmo mês; João Batista da Silva Passos, em 24 de janeiro de 1807; Antonio Joaquim de Figueiredo, em 28 de janeiro; e, finalmente, Luís Pereira Machado, em 12 de fevereiro, ambos deste último ano.

Desanimado Francisco Eugênio de Andrada de conseguir juiz que procedesse a sua justificação, fez uma última tentativa. Apresentou ao juiz de fora esta petição:

"Diz Francisco Eugênio de Andrada que, para bem de sua Justiça, se lhe faz preciso que o escrivão Antonio José de Lima a quem foi distribuída uma justificação que o suplicante pretende fazer neste Juízo, lhe passe por certidão o estado em que achou ao segundo vereador, o licenciado Antonio Vicente Ferreira, e ao terceiro vereador, o capitão-mor Antonio do Rego Baldáia... e outrossim se se acham doentes ou impossibilitados de tirar a sobredita justificação".

Certificou o escrivão haver encontrado o segundo vereador sentado em uma cadeira, com uma ferida na canela, não lhe tendo visto outra moléstia. E acrescentou: "Procurando eu escrivão à noite ao sobredito vereador, não o achei na sua casa".

Quanto ao terceiro vereador, a informação figura-se-nos mais curiosa. Disse o escrivão: "Item certifico e dou fé que indo à casa do terceiro vereador o capitão-mor Antonio do Rego Baldáia, para o mesmo auto que fui à casa do segundo vereador, achei-o em uma loja vestido e calçado e lhe não vi moléstia alguma, e apresentando-lhe o requerimento da parte mo não quis aceitar".

Em face de tais informações, recorreu o justificante ao ouvidor geral da Comarca, apresentando-lhe o seguinte requerimento:

"Diz Francisco Eugênio de Andrada que, fugindo à injusta violência do atual governador e capitão-general desta Capitania para os pés do trono, aonde vai apresentar as suas justas queixas e procurar remédio aos inauditos gravames que tem sofrido, e sendo-lhe preciso justificar certos itens, requereu ao sr. juiz de fora de Santos que lhe admitisse a dita justificação, o qual, por ser irmão do suplicante, o remeteu ao primeiro vereador, que, por iguais motivos de pejo, o remeteu ao segundo, que este sob pretexto de moléstia ao terceiro, que igualmente recusou tirar a sobredita justificação, alegando motivos inteiramente falsos.

"Mas pela certidão junta se mostra que o segundo vereador, bem que molesto, não se acha contudo totalmente impossibilitado, mormente podendo dar comissão para inquirir. E quanto ao terceiro vereador, tudo que alegou é falso, pois nem está doente, como se prova com a citada certidão, nem nunca teve particular amizade com o suplicante. O ter com ele contas não é, nem pode ser, motivo de suspeição. Está, pois, evidente que só o temor de poderosos é que os estorva de cumprir as suas obrigações, tolhendo ao suplicante os seus legítimos recursos.

"E como V. S. é especialmente preposto para prover que os poderosos não oprimam os fracos, nem se impeça a ninguém a sua legítima defesa, pede a V. S. seja servido ordenar ao sobredito segundo vereador, e na sua legítima falta ao terceiro vereador admitam o suplicante a fazer a sobredita justificação, sob pena de não o fazendo, contra eles proceder na forma da lei etc.".

Após andar quatro meses de porta em porta, viu Francisco Eugênio de Andrada que nada podia conseguir. Abandonou em cartório a justificação.

Antonio Carlos apôs àqueles rigores a sua astúcia de causídico e iludiu os golpes do tremendo adversário. Fez de fato que o irmão e o primo desertassem. O primeiro foi para Lisboa e o segundo para o Rio de Janeiro.

As perseguições de Franca e Horta inflamaram sempre cada vez mais contra ele os ódios dos Andradas, em quem a altivez, o denodo, a habilidade, o ardil se aliavam em consonância indiscutível à mais fraterna união.

A pusilanimidade dos juízes vereadores mostra-nos, no caso vertente, a que degradação baixavam os jurisdicionados perante o sobrecenho daqueles capitães-generais que entendiam que isto aqui no Brasil era o mesmo que Fafe, onde a justiça dizia - "nós e el-rei e ninguém mais".

(N.E.: refere-se o autor a um conjunto de lendas portuguesas do século XIX, sobre episódios de justiçamento popular que teriam ocorrido na cidade portuguesa de Fafe, situada no distrito de Braga, e que a esse respeito tem inclusive um monumento situado atrás do tribunal local, insinuando que quando a Justiça não funciona, ela é tomada pelo povo em suas próprias mãos. A versão mais corrente dessas lendas é que no final do século XVIII o visconde de Moreira de Rei, insultado por certo marquês, compareceu ao duelo de honra munido não de espadas ou pistolas, como de praxe, mas com dois resistentes varapaus, com os quais deu uma sova no marquês. Os assistentes aplaudiram o feito, gritando "Viva a Justiça de Fafe". O fato é narrado no poema Barão de Espalha Brasas, de Inocêncio Carneiro de Sá).

Leva para a página seguinte da série