Retirada estratégica
De revólver em punho, pronto para enfrentar os atacantes, o capitão Plínio Deus
Fernandes não parava de falar. Para ele, politicamente esclarecido, os fatos não constituíam surpresa. Enquanto aguardávamos nova investida, o jovem
militar, calmamente, ia extravasando seus pensamentos:
"Isso teria que acontecer. Quando fizeram a "Marcha da Família com Deus pela
Liberdade", somente os cegos não viram que a coisa fora preparada por técnicos em publicidade, nos Estados Unidos. O padre Payton, esse que inventou
a história do rosário em família, que usa a religião como um ópio contra os povos subdesenvolvidos, não esteve no Brasil inutilmente. Sua visita
fazia parte de um plano adrede preparado. O coronel Vernon A. Walters, adido militar da Embaixada dos Estados Unidos, a despeito de ser um doente
sexual, é um homem bastante inteligente e veio ao Brasil com a missão de preparar o golpe, da mesma maneira como fez no Peru, na Argentina, na
Bolívia e como fará, futuramente, na Venezuela. Ele fala corretamente a língua portuguesa e mais uns dez idiomas. Foi quem planejou a derrubada de
Mossadegh, Jacob Arbens, Peres Gimenes e Arturo Frondizi. Agora, é a vez de Jango. Eles não querem nossa emancipação econômica. Querem que
permaneçamos, sempre, debaixo do tacão imperialista..."
As palavras do capitão Plínio foram cortadas por gritos que partiam do terceiro
andar. Alguém queria entregar-nos uma mensagem escrita. Mandei que avançasse um homem sozinho até o meio da escada. O sargento Martins desceu uns
poucos degraus e parou junto à mesa que separava os dois lances de escada entre o terceiro e o quarto pavimento. Para surpresa minha, vi o delegado
José Carlos Batista, chefe da Rudi (Rondas Unificadas do Departamento de Investigações) transformado em mensageiro. O sargento apanhou o bilhete das
mãos do delegado e retornou ao seu posto, entregando-me o papel dobrado, sem envelope. Era endereçado ao general Puertas. Como estivesse aberto, li
o seu conteúdo. Era uma comunicação que o general Aldévio Barbosa Lemos fazia, segundo a qual o Governo de São Paulo não reconhecia mais o Conselho
de Telecomunicações. Para substituí-lo, acabava de ser criado o Serviço de Censura na Secretaria de Segurança Pública.
Quando entregava a mensagem ao general Puertas, os dois telefones de sua mesa tocaram
a um só tempo. Enquanto o major Rivaldo atendia a um deles, atendi o outro. A ligação era para mim. Do outro lado da linha, do gabinete do general
secretário da Segurança Pública, o jornalista Francisco Gomes Talarico, também funcionário da Polícia, aconselhava que me rendesse. Se eu me
entregasse, dizia ele, o general Aldévio garantiria minha vida. Caso contrário, o prédio seria bombardeado. Respondi que não me entregaria, em
hipótese alguma, mas que fazia um apelo: que o general Aldévio, que sempre viveu contando bravatas, viesse colocar-se à frente de seus comandados,
se quisesse provar sua valentia pessoal.
Retornei à barricada do topo da escada, onde o capitão Plínio continuava em sua
divagação, como se estivesse falando sozinho:
"São as reformas. Eu sei que são as reformas. Eles não aceitam as reformas de base
propostas pelo presidente Jango para salvar o Brasil. Não querem, principalmente, a reforma agrária, que ameaça desapropriar terras inexploradas à
margem das rodovias e das estradas de ferro, terras que prontamente serão entregues aos que quiserem plantar, aos que quiserem produzir. Tentam
agora um golpe de Estado, uma quartelada. Se vencerem, farão muitas das reformas apressadamente. Jango sabe que em seu governo jamais terá
possibilidade de concretizar a reforma agrária, mas possibilitou o debate, a discussão da medida que será posta em prática dentro de poucos anos. Se
os inimigos do Brasil, os gorilas tomarem o poder, por certo farão a reforma agrária nos termos propostos pelo sr. João Goulart. Somente que
não cuidarão, paralelamente, da emancipação econômica do Brasil. Ficarão apenas na reforma agrária, pura e simples, dando maiores possibilidades
aquisitivas ao homem do campo, abrindo um novo mercado para os norte-americanos. Jango queria dar maiores possibilidades financeiras aos lavradores,
ao mesmo tempo em que incentivava a indústria nacional. Os gorilas farão o contrário. Darão maior poder aquisitivo ao camponês mas irão
esmagar a indústria nacional, permitindo, assim, que os norte-americanos aqui coloquem toda sorte de aparelhos eletrodomésticos. Vocês verão. Se
eles vencerem já, já, votam uma nova lei que regulamente a remessa de lucros para o Exterior, que é o primeiro passo para esmagar a indústria
nacional..."
O oficial não continuou. Do terceiro andar gritavam que iam começar a atirar. Dei
ordens, em voz alta, procurando amedrontar os que nos ameaçavam:
"Montem essa metralhadora pesada ali. Você, sargento, permaneça no remuniciamento.
Coloquem aquela outra metralhadora na ponta de lá".
Ao mesmo tempo em que blefava, gritando tais ordens para impressionar os que nos
cercavam e que não sabiam de que armamento dispúnhamos, mandei que o Arconcio Gomes batesse no chão com a ponta de metal da mangueira de incêndio,
de um lado para outro. O barulho do metal no cimento do saguão dava a impressão de metralhadoras pesadas sendo montadas.
O estratagema deu certo, pois mais uma vez os bravos homens da Polícia de S. Paulo
fugiram escadas abaixo. Na rua, um delegado de 5ª classe, Sérgio Fleury, contava bravatas, arrotava valentia, dizendo que ia matar-me, que iria
esfolar-me vivo, que faria isso e mais aquilo assim que se dispusesse a atacar. Mas em momento algum teve coragem, sequer, para se aproximar uns cem
metros do local em que eu estava.
Aproveitando o medo-pânico dos que nos cercavam, Daltro abandonou sua posição e
perguntou-me se podia procurar uma saída pelos telhados. Consenti com certo ceticismo, pois a essa altura já estava quase convencido de que a
Telefônica seria o meu mausoléu. Quando Daltro acabou de saltar por uma janela lateral para explorar o telhado dos prédios vizinhos, o major Rivaldo
falou em rendição, achando que íamos fazer um sacrifício inútil. Fui categórico: dali só sairia morto, a não ser que pudéssemos fazer uma retirada
estratégica, sem correr o risco de sermos aprisionados.
Cerca das 2 horas da madrugada, a situação continuava inalterada. A cada instante,
sirenes dos carros da Polícia quebravam o silêncio da noite. Soube depois que os gráficos dos "Diários Associados" decidiram parar a oficina e
dirigir-se à rua, numa demonstração de solidariedade com o companheiro em perigo. Estavam dispostos a entrar em luta corporal com o grande
contingente policial, caso eu fosse capturado com vida e tentassem espancar-me, como era o propósito de muitos delegados que se encontravam no
local. Pelo rádio dos carros da Rádio Patrulha, todos ouviam as ordens, reiteradas a cada momento, para que eu fosse capturado vivo ou morto. O
diretor da Rádio Patrulha, Joaquim Morais Novais, ia além: dava ordens para que me matassem, como revide às críticas jornalísticas que sempre fiz à
sua atuação na Polícia.
Pouco antes das 3 horas, olhando através de uma das janelas da parte dos fundos do
prédio, vi, sobre um telhado distante, um vulto que se projetava contra o céu. O homem estava a cerca de 300 metros de distância e gesticulava
furiosamente com os braços, com o que procurando atrair a atenção para sua pessoa. Pensei tratar-se de um policial que iria conduzir seus
companheiros pela retaguarda, para tentar um ataque de surpresa. Estranhei que ele continuasse parado, em pé, gesticulando freneticamente. Afinal,
percebi tratar-se do Daltro que, por meio de gestos, procurava mostrar que havia encontrado uma saída.
Falei ao general Puertas. Disse que estava disposto a morrer de arma em punho, mas
que aparecera uma saída e que, se ele quisesse, tentaríamos todos escapar pelos telhados. O general pensou um pouco e respondeu:
"Aqui nada mais podemos fazer. Conseguimos manter até agora o serviço telefônico em
funcionamento normal. Se pudermos sair pelo telhado, vamo-nos retirar".
Acompanhei o militar até a janela lateral por onde o Daltro havia saído. Saltamos o
parapeito e caímos num pátio interno, na altura do 4º andar. Dali, atingimos o primeiro telhado, alguns metros acima. Aconselhei ao general tirar os
sapatos para melhor poder caminhar sobre as telhas de amianto. Sentado, avançando vagarosamente de lado, telha por telha, Puertas começou a
retirada. Perguntou se eu não ia em sua companhia. Respondi que sairia em seguida.
Retornando ao saguão, o major Rivaldo disse-me que alguém queria conferenciar conosco
na escada. Rumei para a barricada e perguntei em voz alta o que queriam. A resposta veio num grito:
"Sou o coronel Renildo Ferreira e estou em missão que me foi confiada pelo general
Kruel. Precisamos colocar um ponto final nessa situação. Preciso falar com o general Puertas".
Respondi que o general estava no 6º andar, para onde fora levado por estar
sentindo-se mal. Menti que iria buscá-lo para a conferência. Entrementes, que o coronel não tentasse galgar mais um único degrau, pois, se o
fizesse, meus companheiros abririam fogo de metralhadora. Para mais impressionar, apaguei a única luz que permanecia acesa na escada e gritei:
"Vou deixar tudo no escuro. Se alguém tentar avançar, meus homens abrirão fogo. Na
escuridão, ninguém saberá a quem coube a responsabilidade pelo primeiro tiro".
O coronel concordou. Permaneceu na escada em silêncio. Só se ouvia o ruído das
metralhadoras empunhadas pelos soldados que tremiam como varas verdes.
Rumei para o fundo do corredor do quarto andar, onde havia uma luz acesa e, dali, fiz
sinal com os braços chamando meus companheiros. Assim que todos se acercaram, expliquei que íamos sair pelos telhados. Mandei que rapidamente
cortassem toda cordinha possível das cortinas das enormes janelas. Talvez precisássemos dela para uma descida sobre outros telhados ou mesmo para
ganhar a rua.
No momento de abandonar o prédio, o major Rivaldo hesitou. Por fim, disse que ele e o
capitão Plínio iriam entregar-se. Os demais resolveram acompanhar-me.
Sem sapatos, com um maço de cordinha preso no ombro esquerdo, saltei a janela e logo
galguei o telhado do restaurante da CTB. Como fizera o general Puertas, avancei sentado os primeiros oitenta metros. Quando atingi o fim do telhado
do restaurante, fiquei em pé e comecei a me movimentar sobre parapeitos estreitos, que fazem a divisão de prédios. Avancei por uma rampa até atingir
a altura do sexto andar de outro prédio. Parei e olhei para todos os lados, procurando divisar o militar ou o Daltro. Muitas janelas dos edifícios
vizinhos estavam abertas e seus ocupantes espreitavam em silêncio. Sentei e fiquei à espera de ser alcançado pelo sargento Roque Martins. Juntos,
avançamos mais uns trinta metros.
Não encontrávamos os que haviam saído antes e não sabíamos que direção tomar. Pedi ao
sargento que aguardasse os demais e continuei avançando. Andei mais uns cinquenta metros e, sobre o telhado de outro prédio, fui encontrar o general
e o Daltro, que procuravam uma maneira para continuar avançando. Enquanto eu procurava um lugar para amarrar a cordinha e tentar uma descida para
outro telhado mais abaixo, Puertas localizou uma escada de ferro, dessas usadas em chaminés, na parede lateral de um prédio.
Subimos mais um andar e continuamos caminhando com cuidado. Por fim, saímos num
pátio, no último andar de um edifício. Descobrimos uma comprida escada de madeira encostada providencialmente no paredão do prédio, a qual estava
apoiada num quarto andar em construção. Descemos por ela e continuamos avançando. Quando nos demos conta, estávamos no 3º pavimento do prédio em que
funciona o cinema Metrópole, na Praça Dom José Gaspar, bem em frente à Biblioteca Municipal. Avançamos rapidamente, procurando uma saída para a rua,
quando fomos pressentidos por dois guardas particulares, que correram ao nosso encontro. Aguardei que se aproximassem. Os dois notaram que alguma
coisa estava errada e pararam a uns dez metros. Sem perder a calma, de revólver em punho, procurei confundi-los:
"Somos da Polícia e estamos perseguindo alguns ladrões. Eles passaram por aqui? Não?
Qual é a saída mais fácil que podemos utilizar?"
Um tanto vacilante, um dos homens indicou a saída. Avancei para a escada seguido
pelos dois companheiros e fui dizendo aos guardas:
"Fiquem aqui e apontem o caminho aos nossos companheiros que estão vindo aí atrás. Eu
e o delegado (e apontei para o general) vamos descer para tomar providências na rua. Fiquem atentos, pois os ladrões são perigosos".
Eu queria facilitar as coisas para meus companheiros que vinham atrás, mas nada
consegui. O sargento atrasou-se esperando a chegada dos demais. O major Rivaldo e o capitão Plínio, no último momento, decidiram também escapar, e
isso demorou o grupo por mais alguns minutos, o suficiente para que não mais nos encontrassem.
Talvez devido ao nervosismo, seguiram um caminho errado e acabaram por entrar por um
estreito corredor, em vertical, caindo dentro de um quarto num prédio em construção. A porta de ferro, com caixilhos próprios para receber vidros,
estava fechada a chave. Por mais que se esforçassem não conseguiram arrombá-la. Retroceder era impossível, uma vez que haviam se arrastado de cima
para baixo, através de uma estreita passagem. Ficaram até as 9 horas da manhã presos no pequeno compartimento. Foi então que o sargento Martins, que
estava fardado, chamou um guarda da construção e pediu que abrisse a porta, queixando-se com veemência:
"Imagine uma coisa destas! Entrei um minuto para olhar a construção e alguém trancou
a porta por fora..."
O guarda retornou com o zelador, que abriu a porta e esbugalhou os olhos quando viu
passarem por ele seis homens de aspecto carrancudo.
Nós continuamos a descida até a rua. Do primeiro andar para o térreo, usamos a escada
rolante que funcionava por estar sendo consertada. Na rua, caminhamos normalmente. Em voz baixa, propus ao Daltro que nos separássemos. Rumei com o
general para a Rua São Luiz e fiz sinal ao primeiro táxi que por ali passava. Embarcamos sem demonstrar nervosismo e mandamos que o motorista
rumasse para a Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, esquina da Avenida Paulista.
Passamos pela Avenida Ipiranga e vimos quando forte contingente de soldados do
Exército, que mais tarde soubemos estar sob o comando do coronel Bonfim, iniciava o cerco ao quarteirão para tentar o que a Polícia não conseguira.
Mais tarde, fui informado de que o grande número de soldados da P.E., do Exército, armados de metralhadoras, era devido à notícia de que o coronel
Renildo havia sido feito nosso prisioneiro dentro da Telefônica.
Durante o trajeto para a Avenida Paulista, o general perguntou ao motorista se ele
sabia como estava a situação. O homem, que ouvia o rádio, baixou o volume e informou que "as coisas estavam pretas". Na Rua Sete de Abril -
informava o chofer - um tal de Nelson Gatto havia enlouquecido e já matara uma porção de gente...
Fizemos a viagem em silêncio e fui refletindo sobre os fatos na Telefônica. Alguns,
especialmente o governador Adhemar de Barros, insistiam em que havíamos ocupado a Companhia para ficar controlando todas as comunicações. Quem
controlasse as comunicações, numa revolução de verdade, teria maiores possibilidades de vencer, pois poderia cortar os telefones do Palácio do
Governo, do comando do II Exército e de todos os quartéis que entendesse. Entretanto, nós ficamos na Telefônica apenas para manter o serviço em
funcionamento normal, o que conseguimos. Nem mesmo os telefones da Secretaria de Segurança Pública cortamos ou pensamos em censurar, um só momento,
para sabermos do andamento da "revolução".
Ao saltarmos do táxi na Avenida Paulista, levamos um choque: um outro carro parou bem
atrás do nosso. Já estávamos levando a mão às armas quando vimos saltar, todo sorridente, Daltro da Silva Lima. Contrariando o que havíamos
sugerido, ele nos seguira em outro táxi. Pedimos que ele tomasse o rumo de sua casa, pois ninguém sabia de sua estada na Telefônica.
Despedimo-nos com um aperto de mão, e eeu e o general embarcamos em outro táxi,
mandando que o motorista rumasse para o alto do Sumaré, onde, na casa de um amigo, tomamos um bom café e fomos informados das últimas notícias.
Dali, saímos para outra casa, em Pinheiros, de onde telefonamos para a residência de amigos na Avenida Nove de Julho.
Expus a situação e pedi para ali permanecer até pela manhã, juntamente comum general
amigo. Fomos recebidos na rica mansão já com mesa posta para um lanche reforçado. Dormimos, ou melhor, cochilamos umas rês horas. Após uma ducha
fria, recebemos roupas limpas dos rapazes da casa e permanecemos a manhã inteira na sala, acompanhando pelo rádio o desenrolar dos acontecimentos
naquele fatídico 1º de abril.
Durante o dia todo a coisa esteve bastante confusa. O almirante Cândido Aragão,
comandante dos Fuzileiros Navais, cercara o Palácio da Guanabara e mantinha o governador Carlos Lacerda sob a mira de metralhadoras. Pediu
instruções ao ministro da Marinha para abrir fogo e este disse não poder dar tal ordem. Ao ser consultado a respeito, o presidente João Goulart
teria respondido que, à custa de derramamento de sangue, não queria permanecer no poder. A essa altura dos acontecimentos, a despeito do governador
Lacerda estar cercado por quatro mil fuzileiros, a Guanabara já estava praticamente nas mãos dos revoltosos. O almirante Cândido Aragão, que poderia
decidir a situação, não recebia ordens de abrir fogo.
As tropas de São Paulo seguiam para o Rio de Janeiro sob o comando dos generais
Amaury Kruel e Aluísio Mendes. Os tanques seguiam sem munição, devendo encontrar-se, na fronteira de São Paulo com o Rio de Janeiro, com as forças
mineiras que marchavam em direção à antiga capital do País. As tropas da I. D. 2, sediadas no vale do Paraíba, sob o comando do general Euryale de
Jesus Zerbini, o único general paulista no Exército Brasileiro, pelo seu comandante, permaneciam fiéis ao presidente da República. O coronel Sousa
Lôbo, comandante do 6º Regimento de Infantaria, sediado em Caçapava, recebeu do general Zerbini uma missão de reconhecimento, mas desapareceu com
sua tropa. Mais tarde, soube-se que o 6º R. I foi uma das primeiras unidades a aderir aos revoltosos de Minas Gerais.
O 5º Regimento de Infantaria, sediado em Lorena, estava sob o comando do coronel
Manuel José Correa de Lacerda. A unidade marchou para Queluz. Quando o tenente-coronel Wankes de Aragão Araújo, subcomandante do Regimento, percebeu
que iam aderir, tentou empolgar o comando de toda a tropa, mas já era tarde. Foi preso pelo coronel Lacerda e enviado de volta para Lorena.
Abandonado por seus regimentos, o general Zerbini e seu ajudante de ordens foram ao
encontro do general Morais Âncora, que se conservava fiel ao chefe supremo das Forças Armadas. Sem serem molestados, passaram pelas colunas de
tanques que de São Paulo seguiam para o Rio de Janeiro. Dos 16 tanques saídos do Ibirapuera, apenas o primeiro deles, tripulado por um tenente,
levava munição. Os demais, dirigidos por sargentos, não dispunham de um único tiro. Os oficiais, temendo a posição que os sargentos poderiam tomar,
não queriam facilitar.
No meio de grande confusão, o presidente João Goulart deixou a Guanabara e voou para
Brasília. Ninguém chegou a entender o motivo que levou o chefe da Nação a tomar tal atitude, rumando para uma cidade onde ficaria isolado do resto
do País, num momento de crise tão grave.
Em Brasília, o general Nicolau Fico, comandante da 11ª Região Militar, informou ao
presidente de que não mais detinha o controle de suas tropas. Várias unidades haviam se rebelado. O Batalhão de Guardas Presidencial continuava leal
e seus homens tomaram posição para a defesa do 1º mandatário da Nação.
O chefe do Departamento Federal de Segurança Pública, com as poucas armas de que
dispunha, armou centenas de candangos, humildes trabalhadores que estavam dispostos a lutar pela legalidade. O tenente-coronel Avellar solicitou ao
general Fico algumas metralhadoras e este exigiu que o pedido fosse feito por escrito. Seis horas depois do pedido ter sido formulado, o
tenente-coronel recebeu meia dúzia de metralhadoras...
De Brasília, o presidente voou para o Rio Grande do Sul. A defesa foi organizada em
Porto Alegre. O deputado Leonel Brizola, ex-prefeito de Porto Alegre e ex-governador do Rio Grande do Sul, ocupou a prefeitura e mais uma vez
colocou no ar a "Rede da Legalidade". O general Ladário Teles preparou a defesa, contando com a maioria do III Exército. Nessa altura dos
acontecimentos, ao tentar tomar um avião para Brasília, o ministro Abelardo Jurema foi preso no Aeroporto Santos Dumont por um grupo de oficiais do
Exército, que portava metralhadoras.
Em São Paulo, como em quase todo o país, rapidamente ia se espalhando o terror
policial. O Dops invadia sedes de sindicatos, prendia e espancava líderes trabalhadores. Os xadrezes, rapidamente, iam ficando lotados de gente de
todas as condições sociais. A acusação era sempre a mesma: participação numa "conspiração comunista". Na verdade, nada mais haviam feito senão serem
leitores do jornal Última Hora, porta-voz do governo do sr. João Goulart, ou terem se manifestado favoráveis à emancipação política e
econômica do Brasil, à paz, à democracia, à independência nacional ou à justiça social. Já no nascedouro, a "revolução" colocou-se contra os homens
de cultura, contar intelectuais, contra cientistas, jornalistas, escritores, médicos, professores e advogados. Foram os primeiros a ser presos,
quando ainda se falava no preparo da resistência no Sul do país.
Depois de muitas reuniões com os chefes militares do III Exército, o sr. João Goulart
decidiu deixar o país para evitar uma guerra fratricida. Antes mesmo de o fazer, o senador Auro Soares de Moura Andrade, presidente do Senado
Federal, declarava vaga a presidência da República e empossava no cargo, provisoriamente, o sr. Ranieri Mazzilli.
Nos dias subsequentes, as prisões prosseguiram em todo o território nacional.
Rapidamente o terror tomou conta de todo o povo. O chamado "Comando Revolucionário" baixou um "Ato Institucional", baseado no qual passou a agir
discricionariamente, cassando o mandato de deputados, senadores, governadores, prefeitos e vereadores.
Intimidados, membros do Congresso Nacional, para não terem seus direitos políticos
cassados, concordaram com tudo, procurando agradar os militares. Os ex-presidentes Jânio Quadros e Juscelino
Kubitscheck foram dos primeiros a serem atingidos, sendo proibidos de votar ou ser votados durante dez anos. As garantias constitucionais
deixaram de existir da noite para o dia. Lares - dos mais humildes aos mais faustosos - foram invadidos por grupos de homens armados de
metralhadoras. Homens e mulheres espancados, torturados e arrastados para os cárceres.
Diziam que no Brasil preparava-se uma revolução comunista e todos os que tinham
livros ou revistas editados nos países socialistas estavam sujeitos a ser presos. Nos dias logo após a "revolução", em São Paulo, havia uma fogueira
em cada quinta. Todos queimavam livros, revistas ou fotografias que pudessem vir a comprometê-los.
Permaneci escondido alguns dias, acompanhando pelos jornais e pela televisão o
desenrolar dos acontecimentos. Ri muito quando o general Mourão Filho, ao declarar a um repórter nada entender de política, usou as seguintes
palavras:
"Em política, sou uma vaca fardada".
O general Costa e Silva, ministro da Guerra,
querendo consertar o que dissera o chefe das forças mineiras, acrescentou:
"Vaca não. O Mourão é um touro fardado..."
Quando um grupo de oficiais generais posava para um fotógrafo de imprensa no
Ministério da Guerra, o general Costa e Silva virou-se para o profissional da objetiva e observou:
"Capriche nesta foto, que você está fotografando a fina flor do gorilismo
brasileiro".
Vestido de padre e com óculos de lente
sem grau, consegui sair de São Paulo sem ser molestado pelos policiais e militares que cercavam todas as estradas. Para me apresentar na Auditoria
de Guerra usei o mesmo disfarce, não tendo dificuldades em passar pelos policiais, que pouca importância davam a um sacerdote
Imagem e legenda publicadas com o texto, na
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