Ocupação
militar do porto: há mais de um século...
Paulo Matos
[*]
Completaram-se cem anos em maio de
1991 desde a primeira ocupação do porto por tropas federais, nesta que foi a primeira greve
geral do país, ocorrida em Santos - paralisando toda a cidade durante dez dias, de 11 a 21 de maio, com 4 mil grevistas. Para cá vieram o couraçado
Bahia e dois cruzadores, o Primeiro de Março e o Liberdade, tendo havido 20 prisões e igual número de feridos. A reivindicação
dos trabalhadores do porto, onde o movimento começou, estendendo-se por toda a cidade, era de 6$000 por 10 horas de trabalho.
Nessa ocasião, em que estiveram reprimindo o movimento paredista cerca de 411 homens - reunindo o
destacamento local, a guarnição dos vasos de guerra enviados e a Força Pública, um português e um espanhol foram presos e acusados de serem os
chefes da revolta. Foi a primeira vez também em que mostrou-se um conflito que iria perdurar na disputa pelo mercado de trabalho, entre os
imigrantes que ocupavam a atividade e os ex-escravos. Estes, marginalizados, eram chamados para furar a greve.
Comandados pelo seu líder no Quilombo do Jabaquara,
Quintino de Lacerda, os ex-escravos eram os krumiros fura-greves. Ao lado da Associação Comercial, que reunia os
produtores, Quintino conflitou-se nessa ocasião com o tenente Augusto Vinhaes, líder do Partido Operário do Rio de Janeiro e que viera mediar a
greve, assumindo ao final uma posição ao lado dos trabalhadores. Quintino, que trouxera 100 krumiros, conseguiu a expulsão de Santos de
Vinhaes.
O resultado da greve, que terminou com duas mil demissões e sua substituição pelos ex-escravos,
foi o fim dos pontões e a absorção pela Docas do serviço de entrada e saída de mercadorias, sendo negadas as
reivindicações dos trabalhadores.
Esta greve reuniu os carregadores do porto (pranchas) e teve a
solidariedade dos trabalhadores da Inglesa (São Paulo Railway), cemitério,
matadouro, obras do cais, companhia de melhoramentos, empresa Mayrink, Cia. Industrial, Cortume Vila Nova, carroceiros,
construção civil, alfândega, mesa de rendas, comércio, bancos e armazéns
de ferrovias, entre outras categorias paralisadas por grande manifestação.
Neste ano em que desaparecia o líder republicano Silva Jardim, o primeiro
da grande peste que assolou Santos por três anos e que dizimou metade de sua população - o que resultou na construção
de seus canais -, manifestava-se pela primeira vez o poderio da Docas em conseguir imediata atenção do Governo Federal em
seus pedidos de repressão.
Era uma empresa considerada "estrangeira" pelo empresariado local, porque tinha sede no Rio de
Janeiro, afrontando-os com o encarecimento dos fretes e diversos conflitos como a superexploração de seus trabalhadores. Era o "Polvo", como
chamavam a Docas na época, por suas múltiplas atividades.
Antes, em 1889, no ano da febre amarela, durante a greve ocorrida em dezembro desse ano já haviam
sido enviados 40 praças para conter os grevistas, só que estes, da Força Pública, vieram de trem de São Paulo. Tal era majoritário o contingente
imigrante que os cônsules de Portugal e Espanha foram chamados para acalmar os grevistas, que atiraram dois praças ao mar e feriram um
terceiro, avariando diversas peças do navio Setêmbria. Em 1897, na paralisação de 400 estivadores de 13 a 28 de outubro, outra vez vem para
cá reprimir o movimento a torpedeira Tymbirá e 267 homens da Marinha e Força Pública. Nesse ano, Benedito Ramos editava o jornal A Greve,
porta-voz de seu Partido Operário.
Não foram poucas as batalhas travadas nesta luta, que teve episódios que culminaram até com o
tiroteamento e o fechamento de A Tribuna em 1908, na maior greve que o porto já teve. Mas isto é para outras histórias.
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Paulo Matos é jornalista, escritor e historiador pós-graduado. É autor do livro Santos, 1891 - a nascente libertária na
Barcelona Brasileira, Prêmio estadual Faria Lima de 1986. |