HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
OS IMIGRANTES
A colônia alemã (2)
Beth Capelache de Carvalho (texto). Cândido Gonzales (fotos)
Erasmo Schertz (o Erasmo do Engenho)
e Hans Staden foram os precursores
A lavoura cafeeira foi o principal motivo da imigração organizada para o Estado de
São Paulo, mas os alemães começaram a chegar ao Brasil muito antes de ser plantada a primeira muda de café. Eles eram 35 na esquadra de Pedro Álvares
Cabral - artilheiros, bombardeiros e arcabuzeiros, além do bacharel Johannes, conhecido como João Alemão, um dos peritos navais da esquadra de Cabral,
responsável pelo cálculo das longitudes.
Com Martim Afonso de Souza, vieram os primeiros alemães que se instalaram em Santos e outras regiões da Baixada,
entre eles Johannes von Schertz, construtor de moinhos hidráulicos e fundador do primeiro engenho de açúcar do Brasil, em sociedade com três
portugueses, na encosta do tachy, ou Morro do Tachinho, hoje conhecido como Nova Cintra.
Depois da morte de Johannes, seu filho, Erasmo von Schertz, comprou a parte dos sócios de seu pai, e o engenho,
que levava nome de São Jorge, por causa de uma capela dedicada ao santo, passou a ser chamado de São Jorge dos Erasmos. Suas
ruínas constituem um dos patrimônios históricos da Cidade.
Os Schertz criaram a primeira linha marítima entre o Brasil e a Alemanha,
destinada à exportação de açúcar. Mais tarde, quando foi proibido que os alemães exercessem cargos de capatazia, a administração dos negócios dos
Schertz foi confiada a Pedro Ruesel.
O náufrago Staden - Hans Staden, marinheiro alemão, passou a fazer parte da História do
Brasil por obra da sorte. Ou melhor, por obra do azar. Ele chegou como artilheiro de uma das expedições portuguesas que aportaram no Brasil em 1547,
depois de ter prestado serviço militar em Lisboa. Em 1549, quando regressava para Portugal, seu navio naufragou
em Itanhaém, e ele foi aprisionado pelos índios tupiniquins, com os quais conviveu durante nove meses.
Durante a revolta dos tamoios, o alemão Staden foi nomeado comandante do Forte de Santo Amaro, em Bertioga, e
mais uma vez foi aprisionado - agora pelos tupinambás, que o condenaram à morte, como a outros portugueses. Sua barba loira foi o que o salvou, pois
graças a ela conseguiu convencer os índios de que não era de descendência lusitana, como os inimigos. Depois de três anos entre os tupinambás, Hans
Staden conseguiu fugir, e escreveu suas memórias: "História de uma terra chamada América" e "Viagem ao Brasil".
Primeiro o Sul e o Rio de Janeiro,
depois as plantações de São Paulo
Há notícias de um grupo de alemães que se fixou no Rio de Janeiro em 1809, logo
depois da abertura dos portos às nações amigas, por D. João VI. Em 1822, outro grupo teria se fixado em Ilhéus, na Bahia. Mas é em 1824 que começa a
imigração oficial, por iniciativa de D. Pedro e da Imperatriz Leopoldina, que mandaram à Europa um amigo particular, Georg Anton Alouysius von Shaeffer,
para trazer gente que ajudasse a povoar e colonizar o Brasil.
As primeiras famílias chegaram em maio, ao Rio de Janeiro, e fundaram uma importante colônia em Friburgo. Em
julho, outro grupo dirigiu-se ao Rio Grande do Sul, onde foi criada a colônia de São Leopoldo.
Em 1827, São Paulo recebeu a primeira leva de imigrantes, que desembarcaram no porto de Santos, da galera
Maria. Eram quase mil colonos, além de alguns técnicos industriais, comerciantes, professores, sacerdotes, pastores e médicos, reunidos no prédio do
Departamento de Imigração (o prédio que ainda existe, na Silva Jardim, perto do Mercado), antes de seguirem para as fazendas
de Santo Amaro.
Lá, poucos prosperaram e acabaram procurando as cidades do litoral, onde se aventuraram em outros setores, como
agências marítimas, exploração de trapiches e exportação. Muitos foram trabalhar na construção de estradas de ferro e nas primeiras indústrias que
surgiam pelo Estado.
O trabalho dos imigrantes alemães nas fazendas de café, entretanto, parecia destinado ao fracasso. Em 1847, o
senador Nicolau Vergueiro, abolicionista de São Paulo, tomou a iniciativa de contratar alemães para trabalhar na lavoura, como uma forma de substituir
gradativamente a força de trabalho escrava. Seu exemplo foi seguido por vários outros cafeicultores, e de 1850 em diante muitos colonos europeus
trabalhavam nas grandes fazendas e na construção das estradas de ferro.
Mas por essa época começaram a chegar à Europa os protestos de vários imigrantes, principalmente os alemães e
suíços, que escreviam aos parentes e até às autoridades de seus países, denunciando que os fazendeiros paulistas tratavam os lavradores ainda como
escravos. As acusações eram tão graves, que muitos governos proibiram a emigração para o Brasil. Na Alemanha,
essa proibição foi feita pelo famoso Ato Heydt, que só foi revogado em 1896 - assim mesmo fazendo restrições ao Estado de São Paulo, e permitindo a
imigração apenas para os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
A viúva alamoa - Devido ao fracasso das
tentativas do abolicionista Nicolau Vergueiro e dos cafeicultores paulistas, os imigrantes alemães que abandonaram as lavouras desceram para Santos e
outras regiões do litoral, onde procuraram outros tipos de trabalho. Assim fez o alemão Adão Kunem, que com sua mulher veio para Santos.
O casal estabeleceu-se numa região servida por igarapés, e passou a trabalhar nas ostreiras do Casqueiro
- os sambaquis, de onde retiravam cal para vender aos construtores da Cidade. Adão morreu, e sua viúva permaneceu durante muitos anos na região, vivendo
solitariamente, a ponto de chamar a atenção dos sitiantes vizinhos, quase todos portugueses. Com seu sotaque lusitano, eles se referiam à viúva Kunem
como a alamoa, e esta palavra acabou denominando o bairro, que hoje é conhecido como Alemoa.
Nas instalações da Missão Alemã a Marinheiros são feitas as reuniões da colônia
Na igreja e na missão,
a colônia alemã recebe os marinheiros
A Igreja Evangélica da Confissão Luterana tornou-se mais conhecida no Brasil há
alguns anos, por ser "a igreja do presidente Geisel". Fundada por Lutero, frade agostiniano que chefiou a reforma religiosa na
Alemanha, no século XVI, ela é seguida por 60 por cento dos alemães. Lutero considerou Deus a única autoridade
religiosa, e desprezou toda a hierarquia católica, sendo a Bíblia a única maneira de se chegar à verdade.
No Brasil há mais de um milhão de luteranos, e a sede nacional da igreja fica em Porto Alegre, onde se acha o
pastor presidente. Mas é em São Leopoldo, cidade próxima a Porto Alegre, que se encontra o centro dessa igreja, com uma faculdade de Teologia, uma
editora e escolas dirigidas por luteranos.
A igreja de Santos foi fundada em 1935, no mesmo local onde se encontra até hoje (Av. Francisco Glicério, 626).
Durante a guerra, quando os alemães se retiraram da Cidade, o culto sofreu um esvaziamento, e durante muitos anos não teve um pastor, a não ser o de São
Paulo, que descia uma vez por mês, para batizados e casamentos.
Só em 1975 a igreja em Santos começou a ter vida nova, com a chegada do pastor Manfred Liebig e de recursos,
proporcionados pela igreja e pelo governo alemães, para as melhorias necessárias ao atendimento da comunidade. O pastor Liebig foi também o restaurador
em Santos da Missão Alemã aos Marinheiros, instalada ao lado da igreja, e desativada desde 1937 por causa da guerra.
A igreja, hoje comandada pelo pastor Seibel, descendente de alemães, é freqüentada por luteranos de várias
nacionalidades, principalmente brasileiros, e o culto é feito nos dois idiomas.
A Missão a Marinheiros - A primeira casa da Missão Alemã a Marinheiros surgiu na
Inglaterra, na segunda metade do século passado [N.E.: século XIX]. A comunidade
alemã na Inglaterra via os navios como um elo de ligação com a pátria, e ao mesmo tempo via os marinheiros, seus
patrícios, mal acomodados e expostos à própria sorte, num porto distante de seu país, depois de passarem semanas confinados no navio, como num gueto.
Iniciou-se então um movimento destinado a assistir os marinheiros, primeiro precariamente, nas casas
eclesiásticas, e mais tarde numa sede própria, ligada à igreja e ao governo.
Em Santos, a Missão, fundada pelo pastor Liebig em 1975, é hoje administrada pelo pastor Seibel. Lá os
marinheiros encontram um ambiente acolhedor, onde passam suas horas de lazer. A Missão é freqüentada inclusive pela colônia alemã e por famílias de
marinheiros alemães que se casaram com brasileiras.
A missão dispõe de restaurante, bar, churrasqueira, sala de televisão, biblioteca, telefone (pelo qual os
marinheiros podem fazer ligações internacionais), mesas para bilhar e pingue-pongue. Podem ser organizadas festas de aniversário e excursões pela
Cidade, programadas de acordo com o tempo disponível dos marinheiros.
Pelas características de sua profissão, o marinheiro tem uma série de problemas psicológicos, com os quais a
Missão se preocupa, tratando de assessorá-lo e integrá-lo à comunidade local. Normalmente, eles só têm acesso à região do cais, levando uma impressão
falsa da Cidade; a Missão procura preencher essa lacuna, promovendo o relacionamento com as famílias da colônia.
Veja a parte [1] desta matéria
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