HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
OS IMIGRANTES
A colônia francesa (1)
Beth Capelache de Carvalho (texto). Equipe de A Tribuna (fotos)
Um grupo pequeno e simpático. O francês
Os franceses de Santos formam uma pequena colônia, talvez das
menores. Alguns engenheiros da Ultrafértil, professores da Aliança Francesa, intelectuais, marítimos aposentados. Durante algum tempo, foi
engrossada por funcionários da firma francesa encarregada da instalação do setor de coqueria da Cosipa.
O consulado de carreira foi fechado há anos, quando houve uma simplificação na burocracia da
navegação, e hoje o cônsul honorário, João Bento de Carvalho, é responsável pelo que restou desses serviços, enquanto o controle e o registro das
imigrações ficam restritos ao consulado geral, em São Paulo.
No passado, chegaram a existir firmas importantes no comércio. Em 1871, quando moravam em
Santos apenas 75 franceses, funcionava na praça santista uma filial da Chargeurs Réunis (agenciamento de navios), a Auguste Leuba & Cia. (comércio,
navegação, importação e exportação, e exploração de ponte para atracação de navios, com escritórios na Rua Direita, hoje
15 de Novembro), a Beaver & Lumière (exportações, comissões e consignações, na Travessa Santo Antônio), a Camilo Barrier & Cia. (fazendas), e a
tradicional Padaria Lafon.
Um número bastante expressivo, se levarmos em conta a má impressão que os franceses tinham
de Santos, depois dos relatos feitos pelo viajante Augusto de Saint Hilaire. Ele esteve na região por volta de 1838, e descreveu sua viagem - com
péssimas referências à insalubridade de Santos - no livro "Voyage dans les Provinces de Saint Paul e Saint Catherine", publicado em Paris em
1851.
Antes disso, o pirata Du Clerc, corsário de Luís XIV, já havia
sido repelido de Santos, onde pretendia encontrar pau-brasil, e se dirigiu ao Rio de Janeiro. Ainda sobre piratas franceses, há uma lenda segundo a
qual a Ilha Porchat tem cavernas que escondem tesouros da pirataria francesa, que ali teria encontrado um refúgio
seguro, longe da resistência das fortalezas e do povoado.
Mas o tempo dos piratas e dos tesouros já passou. Hoje, os franceses que aportam em Santos
são pessoas mais saudáveis, como a pintora Suzanne Guerin, que chegou com 70 anos, e agora está com 73. Ativíssima, ela pratica natação e ioga, e é
adepta da acupuntura. Seu trabalho já foi mostrado em individuais e coletivas, e mereceu prêmios e medalhas.
Ou com Antoin Algieri, que veio para o Brasil em férias e acabou ficando. Em Santos há 12
anos, ele foi dono da Cantina Serena, na Bernardino de Campos, onde servia comida genuinamente francesa. Instalada numa das mais lindas casas de
Santos, a cantina durou até que os proprietários da bela casa resolveram vendê-la a uma imobiliária, para a construção de um prédio de apartamentos.
Nem por isso Antoin deixou de cultivar a cozinha francesa. Atualmente, ele tem uma fiel
freguesia, formada por apreciadores de croissants, brioches, massas folheadas, doces como a bomba de chocolate ou clair (creme
branco), mousse de chocolate e jenouse (pão-de-ló). Também é famoso o seu filé ancrôute (filé-minhom com massa folheada), que
como os outros pratos pode ser encomendado por telefone.
Casado com uma brasileira, Antoin também serve de intérprete na Cosipa, eventualmente. Mas
sua especialidade é a culinária, aperfeiçoada em Nice, onde fez um curso de confeiteiro. Na Rua Goitacazes,
ele tem uma casa de queijos, a Picadilli, freqüentada pelos apreciadores da comida francesa.
Na Aliança Francesa, muita gente já passou horas tentando imitar o sotaque de Ginette. Mas o
francês é uma língua difícil - como o português. Ginette Granger Carpentière está no Brasil há oito anos, e é professora da Aliança, além de dar
aulas particulares.
Veio para o Brasil há oito anos, acompanhando o marido santista. Os dois se conheceram na
universidade, na Itália, onde ela estudava História e ele, Psicologia. Como toda professora, Ginette
encontrou muitos amigos entre os alunos, e por isso é um dos membros da colônia com mais prestígio entre o pessoal mais jovem.
Na Aliança Francesa, além de cursos da língua, os santistas encontram outras promoções
culturais
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Uma casa de cultura, a Aliança Francesa
Dizem que toda pessoa realmente culta fala, lê ou
entende o francês. Essa é a língua da cultura universal, dos altos estudos, da ciência, das artes, da literatura - mas também dos negócios, dos vinhos,
do charme e do refinamento. E esse status mundialmente conquistado pela França acompanha a
Aliança Francesa pelo mundo desde 1883, quando a instituição foi criada, em Paris.
Um século depois, a Aliança procura ampliar o seu campo de ação. O objetivo inicial, de difundir a língua e a
literatura francesas, continua o mesmo, mas houve uma abertura para que pudesse ser realizada uma espécie de intercâmbio entre as culturas do mundo.
Para isso, vai ser inaugurado este ano, em Paris, o Teatro das Nações, que receberá artistas do mundo inteiro, com o apoio do Ministério da Cultura.
Como a França, a Aliança está se abrindo a todas as influências, e procurando evitar o colonialismo cultural.
A explicação é de Roger Benvenuti, diretor da Associação Cultural Franco-Brasileira, na Rua Rio Grande do Norte,
98. Fundada a 30 de abril de 1945, a Aliança Francesa transformou-se em um dos pontos de difusão cultural da Cidade. Benvenuti procura aplicar
criteriosamente a nova filosofia da Aliança, que na verdade é dirigida por um comitê formado por santistas e presidida pelo dr. João Bento de Carvalho,
cônsul honorário da França em Santos. Do governo francês, a entidade recebe apenas ajuda financeira (pequenas
subvenções, material didático, livros, revistas).
O curso de língua francesa dura cinco anos, e a Aliança procura abrir outros, de acordo com as necessidades da
comunidade. Faz acordos com entidades como o Sesi e o Senac, e as faculdades Santa Cecília, para a organização de cursos especiais para engenheiros, por
exemplo. Mas há material para aulas de Francês especiais para médicos, bancários, secretárias e, eventualmente, para pequenos grupos interessados em
conversação.
Além disso, as instalações da associação, como o Le Caveau - sala própria para apresentações teatrais, projeção
de filmes e conferências - estão sempre abertas à população, para promoções culturais. Em promoção da Aliança, o conjunto de jazz de Didier
Lockeewood virá a Santos, para participar do 18º Festival Música Nova; em setembro, a Aliança trará um quarteto francês de música clássica, e em junho
passado patrocinou as apresentações da cantora Frida Boccara.
Mas isso não é tudo. Este mês, no dia 20, será lançado na Aliança um livro de receitas colhidas entre mulheres
santistas. O livro, chamado Cozinha de Cá e de Lá, traz 280 receitas do mundo inteiro, e a renda será totalmente destinada à Casa da Esperança.
Veja a parte [2] desta matéria
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