Imagem extraída da revista DC de setembro de 1980
PROJETOS E OBRAS
Um túnel escavado
na rocha, a solução de Santos
para armazenar água
Os problemas de saneamento básico na Baixada Santista,
principalmente no eixo Santos-São Vicente-Cubatão, as três cidades com maior número de habitantes, foram-se agravando ao longo dos anos pela
inadequação das redes de abastecimento de água e de esgotos, somados à questão do aumento populacional provocado pelas férias. Santos possui hoje
430 mil habitantes e São Vicente, 160 mil - nas temporadas os números aumentam para 605 mil e 266 mil, respectivamente, segundo dados fornecidos
pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).
Imagem extraída da revista DC de setembro de 1980
Na área específica de abastecimento de água, os números apontam produção de 3 m³/s (no
verão), capacidade máxima da estação elevatória de tratamento de água de Cubatão (ETA), combinada com as características da adutora existente. A
demanda do eixo Santos-São Vicente-Cubatão é da ordem de 4,5 m³ e essa oferta insuficiente é agravada por outros fatores, como o sensível déficit de
reservação - a disponibilidade hoje é de 14% da demanda diária.
Em 1975, um plano diretor de Santos (PDS), realizado por técnicos da Prodesan (empresa de
economia mista, ligada ao poder público municipal), apontava como solução mais provável para resolver o problema a recuperação dos dois maiores
reservatórios existentes e desativados por falta de conservação - Saboó alto (25 mil m³) e Barbosa alto (9 mil m³). Mas, mesmo com os dois em
funcionamento, a questão continuou pendente.
Para a reservação de água, o mesmo plano apresentava como alternativa a construção de
reservatórios convencionais, de concreto armado, a serem implantados nos morros existentes na área a ser abastecida. Na época, duas eram as
contra-indicações a essa solução:
Pequena
disponibilidade de locais com as condições adequadas para tal construção, entre as quais áreas com cotas variando entre 40 e 50 m, próximas aos
centros de consumo e com topografia não muito íngreme.
Áreas sujeitas a
instabilidade, já tendo sido registrados diversos deslizamentos nas encostas dos morros, o que exigiria obras de contenção de alto custo.
A antiga Companhia de Saneamento da Baixada Santista (SBS) fizera um estudo preliminar de
reservação em quatro galerias horizontais escavadas em rocha. A partir daí, chegou-se a uma solução até agora pouco utilizada no Brasil para guardar
água: um túnel escavado na rocha. O projeto entrou em estudos mais detalhados já então pela Sabesp e, segundo o coordenador de obras da companhia na
Baixada Santista, engenheiro Paulo Castello, o processo seria tanto mais econômico quanto maior fosse a seção de escavação. E enumera as vantagens
da solução:
1) O custo. Um reservatório convencional custa em média de 160 a 200 dólares/m³. A solução
em túnel foi orçada em 80 a 100 dólares/m³. O cálculo prevê a construção do reservatório, estrada de acesso, contenções de talude, tubulações de
alimentação, distribuição e descarga, drenagem e iluminação, excluindo os custos de operação e manutenção.
2) A existência de uma cadeia de montanhas entre Santos e São Vicente, próximas dos centros
de consumo e das faixas turísticas das duas cidades (o morro escolhido é o de Santa Terezinha, na divisa entre os municípios, com formação geológica
favorável à escavação).
3) A necessidade de atender à demanda de um terço do dia de maior consumo do ano 2006,
horizonte do plano diretor de Santos, que atinge 120 mil m³.
4) Redução das áreas a desapropriar, diminuição dos serviços de terraplenagem, dos acessos,
das obras de contenção e extensão das tubulações de entrada, saída e descarga. As áreas dos emboques situam-se em lugares desabitados, o que acaba
facilitando sua desapropriação.
5) Pouca interferência com a estabilidade do maciço, evitando-se alterações sensíveis no
equilíbrio do ecossistema existente.
Com a aprovação do projeto básico teve início a parte econômica. Os financiamentos foram
firmados entre Sabesp e BNH/Banespa, com assinatura de contrato no valor de 8.199.210 UPCs, para cobrir as despesas com reforma e ampliação da
produção e adução do sistema Cubatão-Santos-São Vicente; e reforma das infra-estruturas de reservação e distribuição, onde ficou incluída a
construção do reservatório-túnel, com capacidade para 110 mil m³ de água. Na fase de execução foram feitas algumas alterações no projeto quanto ao
problema dos emboques que seriam construídos em seção plena; reduziu-se a dimensão das galerias (seções variando de 54,31 m² a 71,46 m², a uma média
de 62 m²) com ampliação da seção ao se atingir a rocha sã, de modo que nas zonas de transição há seções de até 281,61 m², enquanto que no
reservatório a seção da ordem de 177 m² é praticamente constante.
Imagem extraída da revista DC de setembro de 1980
Etapas da construção - A construção do reservatório-túnel obedeceu à seguinte
seqüência:
1) Construção de duas galerias de acesso, num total de 262 m de comprimento e uma seção
média de 62 m².
2) Ligação dos emboques com o reservatório, feita através de galerias de transição
tronco-cônicas, escavadas em rochas de pequena espessura acima da abóbada, exigindo contenção por meio de concreto projetado e tirantes (ver
desenho). As zonas de transição têm 41 m de extensão e seção máxima de 281 m² com 18 m de altura (equivale a um prédio de seis andares). Nesses
locais serão instaladas câmaras de válvulas para operação do sistema.
3) Perfuração de poço vertical em concreto armado, com diâmetro interno de 1,50 m e 30 m de
extensão, instalado na zona de transição do lado Santos para permitir a ventilação e exaurir gases de cloro que provenham da operação do
reservatório.
4) Construção do segmento principal, central, que é o reservatório propriamente dito, com
cerca de 800 m de extensão, dividido em duas câmaras, com uma seção de 177 m².
O reservatório-túnel foi aberto a partir de escavações realizadas simultaneamente nos dois
emboques. O de Santos, caracterizado por uma parede vertical de rocha sã, a partir das escavações de uma pedreira desativada, exigiu cuidados
especiais no desmonte a fogo, por se tratar de obra em zona urbana densamente povoada.
As escavações do emboque de São Vicente atravessaram uma extensão de solo constituída por
tálus, além de rocha muito alterada com a presença de água. A escavação desses materiais inconsistentes foi executada com escoramento utilizando
cambotas metálicas. Como a escavação mostrou-se ainda muito deformável nestas condições, o revestimento na segunda fase constituiu-se em estrutura
de concreto armado.
Ainda no emboque São Vicente, a encosta é muito íngreme, formada por solo com grandes blocos
de matacão, tornando necessária a contenção de rochas críticas, potencialmente instáveis. Foram utilizados tirantes de cordoalha.
No trecho em solo, a escavação dos pés-direitos exigiu a sustentação do escoramento metálico
referente à abóbada por meio de tirantes. Não foram observados quaisquer deslocamentos do escoramento.
A escavação do reservatório-túnel propriamente dita fez-se toda em rocha sã, de excelente
qualidade, entremeada por intrusões de diabásio com espessura de ordem de dezenas de centímetros, além de fraturas aproximadamente verticais, quase
paralelas ao eixo e de pequena extensão, que não trouxeram dificuldades para execução.
Imagem extraída da revista DC de setembro de 1980
A perfuração do túnel foi feita de maneira integral, em calota e a seguir em rebaixo. Devido
às condições geológicas encontradas ao longo do eixo recolhido, poucas obras de contenção foram necessárias, a maioria delas constituindo-se de
tirantes esporádicos e concreto projetado.
A primeira fase de construção está concluída e exigiu recursos de 119 milhões de cruzeiros.
Para sua construção, foi adotado, por motivos de segurança (a densidade populacional da área exigia baixa razão de carga), o método das seções
parcializadas, isto é, primeiramente se abriu uma calota superior e, depois de sua conclusão, procedeu-se ao rompimento da parte inferior do túnel.
Há duas etapas de construção do túnel, nesta fase:
1 - Escavação da calota superior - O maciço rochoso onde foi inserido o túnel é constituído
por rochas granito gnaisse de boa qualidade, embora na escavação dos emboques tenha sido encontrado material alterado com presença de água, o que
exigiu o consumo de cerca de 21 mil kg de perfilados, 800 m³ de concreto estrutural, 5.500 m³ de concreto projetado e 4.200 tirantes resinados. No
trecho do reservatório, encontraram-se duas regiões de falhamento, onde o granito foi totalmente substituído por diabásio. Os diques, que na frente
de serviço de São Vicente apresentaram falha superior a 10 m, receberam costuramento sistemático de tirantes e camadas de concreto projetado com 15
cm de espessura. O restante do reservatório recebeu apenas tirantes esporádicos em regiões de juntas ou diáclases (falhas da rocha).
Para a escavação da calota com 84 m² de seção, utilizou-se um plano de fogo com cem minas em
furos de 1 3/4", exigindo cerca de 420 kg de explosivos por fogo, para um volume de desmonte da ordem de 280 m³ e com 420 m³ de material empolado
para ser retirado.
O emprego do sistema smooth-blasting, com carga explosiva abaixo de 220 gramas/m
linear/furo nos extremos da calota e o paralelismo da furação (para um avanço de 1 m/min), trouxe como resultado uma superfície acabada com menos de
3% de over-breaking, a não ser em zonas de rocha muito fraturada.
Durante a escavação da calota, verificou-se a retirada de cerca de 19 mil m³ de rocha por
mês. O equipamento responsável por essa produção foi um Boomer (Hidraboom) 132 da Atlas Copco, com três braços hidráulicos, além de oito caminhões
basculantes de 16 t e dois CAT 966-3, utilizados para limpeza. Incluindo-se as zonas de transição, a calota foi executada em quatro meses, o que
significa um avanço de 9 m/dia.
2 - A segunda etapa - execução do rebaixo do reservatório - significou a retirada de 80 mil
m³ de rocha, executada em lances ou bancos de aproximadamente 7 m de altura e seção média de 93 m². O desmonte foi realizado com duas perfuratrizes
de esteira tipo Rock-6011, da Atlas Copco, além do aproveitamento do Hidraboom, utilizando-se duas carregadeiras CAT-966 e dez caminhões basculantes
de 16 t para o carregamento e remoção do material desmontado.
O rendimento mensal, nessa etapa, apresentado por duas frentes de trabalho, foi da ordem de
27 mil m³. o que significa três meses para a execução do serviço. Trabalhou-se em turnos corridos de 24 h, com duas pás-carregadeiras de reserva na
obra.
Imagem extraída da revista DC de setembro de 1980
Segunda fase - A segunda fase da obra, que deverá ser concluída em março de 1981,
consiste na concretagem do piso do reservatório, na instalação de três tubulações com diâmetro de 40" e 48" (para adução e distribuição, descarga e
uma terceira, que funcionará como ladrão para expelir o eventual excesso de água) e nas chamadas obras complementares, como a execução dos três
tímpanos (paredes de contenção). Esse conjunto de obras exigirá investimentos de cerca de 110 milhões de cruzeiros.
A água que alimentará o túnel será captada por meio de uma barragem construída no rio
Cubatão, de onde será conduzida através de uma adutora de aço com diâmetros de 1.800 mm até a estação de tratamento de Cubatão. Daí, já tratada,
será recalcada até o reservatório-túnel através de 20 km de adutoras que estão sendo construídas pela Sabesp.
Ainda segundo o engenheiro Paulo Castello, estão sendo assentados 52,7 km de anéis-tronco em
Santos e São Vicente, para fortalecer a adução do abastecimento para o reservatório. Diz ele que, com relação à rede de distribuição domiciliar de
água, estão sendo assentados cerca de 213 km de redes nos dois municípios, além da instalação de 18.100 ligações residenciais. "Esse conjunto de
obras, cuja conclusão está prevista para agosto do próximo ano, permitirá garantir o fornecimento de água para Santos e São Vicente até o horizonte
do plano diretor, no ano 2006", conclui o engenheiro.
FICHA TÉCNICA Projeto - Engevix S.A. Estudos e Projetos
de Engenharia.
Construção - Serveng Civilsan S.A. - Empresas Associadas de Engenharia.
Consultor em escavação de rocha subterrânea - Professor Leonardo Redaelli. |
Entrada santista do túnel-reservatório, em foto de 2002 divulgada pela Sabesp |