HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
OS IMIGRANTES
A colônia espanhola (2)
Beth Capelache de Carvalho (texto), Rafael Dias Herrera (fotos)
Na Ana Costa, o Centro Espanhol reúne a colônia e serve à Cidade
Um sonho a realizar
Foi o ano de 1930 que praticamente marcou o fim da
grande emigração dos espanhóis para o Brasil. A lei dos dois terços, instituída pelo presidente Getúlio Vargas, estabelecia a obrigatoriedade de que os
empregadores tivessem no mínimo dois terços de funcionários brasileiros. Isso limitou bastante as possibilidades dos estrangeiros, principalmente dos
analfabetos, em grande número. Havia também a preferência de utilizar o trabalho dos imigrantes na lavoura, o que não agradava a maioria dos espanhóis.
Mas, no começo, valia tudo. Os espanhóis trabalhavam no que aparecesse, como empregados de bares, restaurantes,
padarias; como pedreiros, funcionários das estradas de ferro e estivadores, na Companhia Docas. E foi justamente na
Docas que eles começaram a espalhar sua tradicional fama de agitadores: o alto grau de politização dos empregados
espanhóis e sua participação ativa nos movimentos reivindicatórios se tornaram famosos na Cidade e custaram-lhes, durante algum tempo, o impedimento de
trabalhar no porto.
Não foram certamente os imigrantes que perderam mais com isso. Sua capacidade de trabalho era tão conhecida
quanto sua politização, ou até mais. Eram capazes de trabalhar até 20 horas seguidas e ganhavam muito mais com tempo e esforço do que com tino
comercial.
Sem dúvida, foram tempos duros. Mas nada é capaz de segurar aqueles que querem realmente realizar um sonho. Foi
graças a esse trabalho simples e esforçado dos primeiros anos, que surgiu a estabilidade que hoje se encontra entre as famílias da colônia e as grandes
fortunas que se formaram entre os imigrantes que vieram fazer a América.
A coisa funcionava mais ou menos assim: com suas primeiras economias, o imigrante saudoso comprava passagem para
a família e um bom lugar para instalá-la. O trabalho duro continuava e o próximo capital economizado servia para a aquisição de um pequeno negócio,
sempre no ramo de secos e molhados, vendas, padarias, bares e restaurantes.
Era essa a especialidade dos espanhóis. Até pouco tempo ainda havia em Santos alguns dos famosos restaurantes
dirigidos por famílias espanholas, onde se comia muito, mas muito bem. No começo, foram as casas de pasto - restaurantes domésticos, nos quais a própria
dona da casa cozinhava, enquanto o resto da família se encarregava de servir os fregueses. A comida caseira, típica ou não, era de qualidade
irrepreensível.
Mais tarde surgiram as casas especializadas. Muita gente ainda se lembra do Restaurante Quatro Nações, da Casa
Espéria, do Marreiro. A famosa Leoneza, fábrica de doces, foi fundada pela família Flores, de origem espanhola, e hoje é uma das
tradições da Cidade. Atualmente, os restaurantes especializados em comida tipicamente espanhola não existem mais; entretanto, é possível comer um polvo
caprichado, um cozido ou um bacalhau em qualquer bom restaurante da Cidade. Sem falar nos pratos típicos do litoral espanhol, como a paella, a
sopa e peixe e os crustáceos em geral, que são servidos nos restaurantes da orla, principalmente o São Paulo e o Vista ao Mar.
A comida típica do espanhol pode ser encontrada na orla da praia
Calceteiros galegos - Outras especialidades também foram trazidas pelos espanhóis de sua terra. Os
galegos se transformaram nos mais procurados calceteiros da região, e sua habilidade no trabalho com as pedras tem origem na própria tradição de seu
país: na Galícia, as grandes propriedades iam sendo divididas entre os filhos dos proprietários que por sua vez as repartiam com seus filhos e assim por
diante.
As fronteiras dessas inúmeras propriedades resultantes das divisões eram feitas pela própria família, com muros
de pedras cortadas e justapostas, e assim os galegos aprenderam o ofício que mais tarde seus filhos exerceriam no estrangeiro.
Comércio - No setor de secos e molhados, surgiram inúmeras vendas cujos proprietários eram espanhóis.
Muitas delas se transformaram em estabelecimentos tradicionais na Cidade, hoje administrados pelos filhos dos primeiros imigrantes. Algumas, com o
tempo, perderam as características iniciais.
É o caso da F. Vallejo e Cia., sem dúvida a mais antiga importadora do Estado de São Paulo e uma das primeiras
do Brasil. Otávio Vallejo conta que o pai, Felisindo Vallejo, começou com uma pequena casa de secos e molhados no varejo, em sociedade com um parente,
Odon Vallejo. Mais tarde, teve outro sócio, também espanhol, Ricardo Fernandez Santiago, que acabou ficando com o ramo do varejo, enquanto Felisindo se
dedicava ao atacado e às importações, que eram seu maior objetivo. Naquele tempo, os estabelecimentos mistos, que trabalhavam com produtos importados e
nacionais, eram chamados "submarinos". Hoje, a F. Vallejo é uma das firmas mais conceituadas da comunidade.
No ramo dos transportes, a colônia espanhola também está representada por José Villarino Cortês, espanhol
naturalizado brasileiro, que chegou ao Brasil há 31 anos. Hoje, dono da maior transportadora da região, Cortês começou, em Santos, como funcionário da
Brahma, onde trabalhou durante oito anos. Depois, como bom espanhol, esteve no ramo de bar e restaurante, até que comprou um caminhão e foi trabalhar
como carreteiro. A transportadora foi adquirida em sociedade e o sucesso do negócio se deveu à sua capacidade de trabalhar 18 horas por dia, durante
toda a semana, nos primeiros tempos.
Como os Vallejo e os Cortês, várias outras famílias de origem espanhola hoje têm lugar definitivamente
importante em vários setores econômicos da Cidade. Pertencem a espanhóis, por exemplo, os maiores sítios de banana do Litoral,
que se transformou em grande centro exportador. Há também inúmeras carpintarias, serralherias, sacarias e, mais recentemente, empresas do setor de
construção, pertencentes a membros da colônia.
Veja a parte [1] desta matéria
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