HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
OS IMIGRANTES
A colônia judaica (1)
Beth Capelache de Carvalho (texto), Equipe de A Tribuna (fotos)
Fé e tradição
A força dos judeus no exílio
A história dos judeus no Brasil começa, praticamente, com o Descobrimento. Na Europa, nesse
período, as perseguições aumentavam. Depois das Cruzadas, os cristãos os perseguiam por toda parte e a força da Santa Sé os obrigava a viver em
guetos. Na França e na Alemanha, os judeus eram acusados de
provocar a peste negra - da qual escapavam devido aos rígidos princípios de higiene da Torá. Na Espanha,
os reis católicos Fernando e Isabel criaram o Tribunal da Inquisição, pelo qual eram condenados à execução em praça pública (assim como os
maometanos e os cristãos hereges) ou à expulsão do país.
Os primeiros judeus a chegarem ao Brasil foram justamente os que conseguiram sobreviver às
perseguições da Idade Média, divididos em dois grupos: os achkenazin, originários da Europa Central, principalmente da
Polônia, e os sefaradins, descendentes dos judeus expulsos da
Espanha e de Portugal, que viviam na Holanda, na
Turquia e na Itália. Há diferenças de costumes entre esses dois
grupos, mas os preceitos fundamentais são os mesmos.
Um terceiro grupo, menos antigo, é formado pelos hassidins, da
Polônia. São judeus de origem alemã, que encontraram abrigo na
Ucrânia polonesa, formando uma numerosa colônia. Mais tarde, com a revolta dos camponeses ucranianos, eles também foram expulsos desse
território. Os hassidins pregam a bondade, a fé e o entusiasmo, além da obediência às leis de Deus com alegria.
Em Portugal e na
Espanha, muitos judeus foram obrigados a converter-se ao catolicismo, para sobreviver. E esses
convertidos, ou marranos, formaram um grupo de cristãos novos que acompanhou Vasco da Gama em suas viagens às Índias e Pedro Álvares Cabral
ao Brasil. Havia muitos judeus entre os primeiros colonizadores e deles o mais conhecido é Fernão de Noronha.
Aqui, os judeus se dedicaram à indústria do fumo e do pau-brasil, mas não chegaram a formar
uma comunidade organizada enquanto durou o domínio de Portugal, devido à Inquisição. Uma tentativa de
organização aconteceu durante a invasão holandesa, quando mais de 600 judeus holandeses vieram para o Recife com o rabino Isac Aboab da Fonseca.
Porém, com a expulsão dos holandeses, a comunidade judaica praticamente desapareceu.
Depois, há notícias de imigrações pequenas no início do século 19 e algumas levas no começo
deste século [N.E.: século XX], principalmente de judeus vindos da
Rússia, onde o czar efetuava pogrons para persegui-los. As imigrações maciças tiveram início na
segunda metade do século, durante e depois da Segunda Grande Guerra e só a partir da década de 40 os judeus se espalharam por todo o território
nacional, com maior concentração em São Paulo.
Sexta-feira à tarde, nas comemorações do Shabat, a família judia se reúne, conforme a
tradição
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O que é um judeu?
Achkenazin,
sefaradim, hassidim, poloneses, holandeses, portugueses, espanhóis. Afinal, o que é um judeu? Um povo? Uma nação? Uma religião? A
controvérsia sobre o conceito de judeu é tão antiga, e tão difícil de ser contornada, que chegou a provocar séria crise durante a organização do
Estado de Israel. Para garantir o direito de retorno a todo judeu que se encontrasse na diáspora, era necessária
uma cuidadosa conceituação, e isso foi bastante difícil.
Para os ortodoxos, ser judeu é fazer parte do povo escolhido, o primeiro povo monoteísta, a quem Deus revelou
suas leis. Para eles, a origem, a observação da fé e a consciência comunitária são uma só coisa. Nos raros casos de casamentos de ortodoxos com parte
não judia, antes deverá haver a conversão, com o que se encerra o problema. Mas os não-praticantes, que são muitos hoje em dia, não deixam de ser judeus
só por não serem ortodoxos. Segundo as leis religiosas, um judeu é sempre um judeu, mesmo que se converta a outra fé.
Nos dias da Inquisição, mesmo os filhos e netos de judeus convertidos ao cristianismo eram considerados membros
da nação judia, e ficavam sujeitos a perseguições e vigilância especial. Mais tarde, as leis raciais de Hitler atingiram até os bisnetos de judeus.
Os judeus do Velho Testamento eram reconhecidos pela circuncisão e pelo monoteísmo, pois as leis só foram
reveladas após a fuga do Egito. Depois da Segunda Dispersão, com a expulsão de Canaã, para impedir que o povo
judeu se diluísse no exílio, as leis e tradições orais foram reunidas no Talmud, formando um sistema de hábitos e costumes ético-religiosos que rege o
judaísmo até hoje, e é responsável pela sobrevivência da identidade judaica durante dois mil anos de diáspora.
Para Ben Gurion, fundador do Estado Judaico, "judeu é todo aquele que se
sente judeu", e adota como sua a religião, a forma de vida, a comunidade. Nas leis de Israel, judeu é todo aquele cuja mãe seja judia, ou se tenha
convertido ao judaísmo.
De qualquer forma, essa unidade do povo judeu em torno de suas tradições foi responsável pela preservação de sua
identidade no exílio, e a pedra fundamental dessa união é, sem dúvida, a Sinagoga.
Na sinagoga, a prática da religião
Na sinagoga, o povo se reúne
Depois da Destruição do Primeiro Templo, os sábios
judeus reuniram as leis e tradições orais no Talmud e criaram a sinagoga. Chamada, em hebraico, de beit knesset (casa de reuniões), beit ham
(casa do povo) e beit midrash (casa de estudos), ela hoje é considerada uma casa de orações. Em torno da sinagoga se reuniria o povo judeu, onde
quer que estivesse, para impedir que a nação se dissolvesse no exílio.
Em todos os lugares onde chegavam, os judeus construíam primeiro uma sinagoga e, depois, uma escola. A vida da
comunidade judaica gira em torno da sinagoga, que precisa guardar a Arca Santa, deve estar voltada para o Leste (direção de
Jerusalém) e ter doze janelas, para lembrar as 12 tribos. Seus funcionários são o rabino, que é o líder
espiritual da comunidade; o rrazam, dirigente do culto; o chamash, pessoa que cuida do bem-estar do serviço; e o gabai, encarregado
da administração e organização do serviço religioso.
Não há uma autoridade religiosa central no judaísmo. Os rabinos-chefes, em
Israel, cuidam apenas das questões religiosas do país e os rabinos de outros países não precisam obedecê-los, pois têm autonomia para resolver os
assuntos de sua comunidade. Quando não há um rabino, como é o caso de Santos, uma pessoa mais velha ou mais instruída nas coisas da religião fica
encarregada de dirigir o culto.
A primeira sinagoga fundada em Santos pertencia ao grupo dos sefaradins e chamou-se Beit Sion. Hoje em
dia, essa sinagoga, situada na Rua Borges, funciona apenas uma vez por ano, nas festas de Rosh Hashana e Yon Kipur.
É em torno da Beit Jacob, na Rua Campos Sales, que se reúne a maior parte da comunidade judaica de Santos. Ela
funcionou primeiramente na Campos Melo, 258; depois, mudou-se para o nº 156, junto à Escola Hebraica, onde estudavam os filhos dos imigrantes. Nessa
escola ensinava-se simultaneamente o português, o hebraico e o iídiche e a história dos dois povos.
Em 1946, a Beit Jacob mudou-se para a Rua Campos Sales, 143. A casa foi comprada, reformada e depois de um ano
demolida, para que fosse construída a sinagoga que existe até hoje. A primeira diretoria era presidida por Samuel Ciocler, e tinha, como
vice-presidente, Jaime Cymryng; secretário, Isaac Alperovitch; e tesoureiro, Samuei Gandelman.
O culto normal começa na sexta-feira ao anoitecer, quando os judeus começam a guardar o shabat.
Festa da família - Deus criou o mundo em seis dias e no sétimo descansou. Os judeus guardam o shabat
no templo e em casa, pois o dia é sagrado e dedicado à família. A dona-de-casa prepara a comida do shabat com antecedência; a mesa é forrada com
uma toalha branca e sobre ela, no centro, são colocados castiçais com duas velas.
Na frente do chefe da família, duas halot (pães trançados) são cobertas com uma toalha especial; uma taça
de vinho e pequenos cálices para os presentes são arrumados sobre a mesa. Antes de começar o shabat, a mulher acende as velas e pronuncia uma
oração própria.
Depois, todos seguem para a sinagoga, onde é realizada uma cerimônia especial, o Kabalat Shabat. O shabat
é comparado a uma noiva e todos os presentes voltam-se para a porta, para recebê-la. Ao chegar em casa, antes de a família sentar-se à mesa, o dono da
casa reza o Kidush (oração do vinho), com todos os presentes em pé, respeitosamente.
Veja as partes [2] e [3] desta matéria
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