TIC - Teatro Íntimo
de Comédia
Foi fundado em fevereiro de 1966, por dois rapazes,
Paulo Lara e Greghi Filho. Era um teatro com 150 lugares (começou em 80), na Avenida Ana Costa, no prédio do
Parque Balneário Hotel, que na época pertencia ao Santos Futebol Clube. Foi a primeira companhia de
teatro estável de Santos, e única. É o primeiro teatro a funcionar regularmente numa cidade de interior. Paulo Lara, em entrevista ao jornal
A Tribuna, no dia 29/08/83, conta: durante quase dois anos encenamos de peças digestivas até textos clássicos. O objetivo
era formar na Cidade um público estável de teatro.
Foram montados no TIC:
Toda Donzela Tem Um Pai que é uma Fera, de Gláucio Gill (3 meses em cartaz com a
casa lotada de terça a domingo); O Rapto das Cebolinhas, versão musical de Gildinha Vandenbrande com arranjo e direção musical de Roberto
Sion; O Túnel; A Mais Forte, de Strindberg; Canção Dentro do Pão, de Raimundo de Magalhães Jr. e o show As Insatisfeitas,
estrelado por Rubinho Gonçalves.
O teatro terminou por inúmeros problemas, inclusive a falta
de apoio de órgãos oficiais e entidades privadas. O Santos Futebol Clube, dono do prédio, pediu de volta o local e aí decretaram o fim do TIC.
Futuro previsto pelo
médico Celso Aguiar, quando se deu a estréia da casa: "O TIC nasceu do ideal e força de vontade de dois moços de teatro. E é fácil adivinhar quantos
serão os obstáculos que terão que enfrentar para levar de vencida a sua empreitada. Por isso, o público não poderá ficar indiferente, para que esse
teatro, que é o primeiro a organizar-se em Santos, corra o risco de perecer..."
Rosinha Mastrângelo, jornal O Diário, em 6/3/66.
Outra grande incentivadora deste teatro foi a jornalista
Rosinha Mastrângelo, que impulsionou as Artes em geral, com a sua coluna Cadeira da Verdade, no jornal O Diário. O espaço que ela
dedicava ao teatro e às radionovelas, por ela dirigidas na Rádio Clube de Santos, muito contribuíram para o desenvolvimento
de nossa cidade. Com ela, nas novelas de rádio, participavam Greghi Filho e Neyde Veneziano, entre outros
radio-atores.
O teatro de arena, ao lado do Teatro
Municipal de Santos, dentro do Centro de Cultura Patrícia Galvão, localizado na Av. Pinheiro Machado, recebeu o nome da jornalista e novelista
de rádio.
Crônica da Época –
'Toda donzela tem um pai que é uma fera'
Escolheu a direção do Teatro Íntimo de Comédia a peça
Toda Donzela Tem Um Pai Que é Uma Fera, de Gláucio Gill, para inaugurar sua sala de espetáculos e complementar assim uma
fase já iniciada, qual seja, a da implantação do regime de trabalho profissional no teatro santista.
Com efeito, os diretores do TIC (chamemo-lo assim para
simplificar) avaliaram bem a questão, ao concluírem que somente possuindo-se sala própria pode-se pensar no estabelecimento de temporadas regulares
de teatro em Santos. As experiências anteriores, realizadas nesse sentido por outra entidade dedicada ao teatro, sempre esbarraram em óbice
insuperável: a impossibilidade de sustentar por mais de uma semana o espetáculo em cartaz por questões meramente comerciais, ligadas à
indisponibilidade, por um tempo maior, do mesmo local de apresentações, truncando-se assim carreiras de peças que prometiam ser bem sucedidas.
Considerando esse pormenor, os diretores do TIC, Paulo Lara
e Greghi Filho, que haviam participado das experiências levadas a efeito do Grupo dos Independentes em três temporadas sucessivas, resolveram meter
mãos à obra e ergueram seu teatro, em salão privilegiadamente localizado no Parque Balneário Hotel.
Isto posto, passemos ao espetáculo que serviu para dar
início às atividades do TIC. Para começar, podemos auspiciar boa carreira à peça, pois se trata de espetáculo agradável, bem estruturado e com todos
os elementos necessários para prender por muito tempo a atenção do público teatral santista.
No dizer de Sábato Magaldi, uma das maiores autoridades
contemporâneas do teatro brasileiro, "Toda a donzela... nada fica a
dever às peças do gênero, produzidas regularmente pelos conhecidos fabricantes de êxito, as capitais do teatro". O mesmo crítico preconizava para o
jovem autor Gláucio Gill a necessidade de "tornar-se mais ambicioso, para um dia realizar a obra de fôlego" a que seu talento o obrigava.
Infelizmente, essa esperança de Magaldi não se concretizará, pois Gláucio Gill morreu há pouco tempo, diante das câmaras de uma emissora de
televisão do Rio de Janeiro.
Perdeu assim o Brasil, prematuramente, aquele que poderia
ser um dos maiores comediógrafos da nova geração, dele restando apenas uma peça em um ato (Procura-se uma rosa), já transformada em fita de
cinema, e a comédia que inaugurou o TIC.
Toda Donzela... descreve as vicissitudes de um conquistador
impenitente, definitivamente votado ao celibato, que se vê envolvido numa trama para ele deveras sinistra, qual seja a de salvar a hipotética
responsabilidade de um amigo num caso de sedução. A história evoluiu de tal modo que o conquistador, ao final, se vê sozinho, enquanto todos os
outros, que só alimentavam o desejo de viver dentro dos padrões burgueses de decência e moral, resvalam um pouco em suas convicções éticas e após o
cometimento do chamado "pecado original", partem para uma vida feliz ao mesmo tempo que a ele, solitário e desmoralizado, só restará regressar "à
casa de mamãe", ou seja, às suas origens mais puras, para começar tudo de novo, já que sua posição diante da vida se revelou um fracasso completo.
A comédia, que em determinados momentos adquire tons de
farsa, não pretende, evidentemente, pregar moral, antes explora um dos mais conhecidos tabus que os íntimos cultivam, o da castidade
pré-matrimonial. Esse, como outros mitos, pode transformar-se em fonte de riso ou desespero, conforme a tendência que dele tratar. E Glaucio Gill,
na sua única grande peça, dele riu e deixou um trabalho que ainda fará rir por muito tempo.
A direção do
espetáculo, a cargo de Paulo Lara, procurou e conseguiu sustentar o tom ameno da representação. Os atores mantêm-se em nível homogêneo, com destaque
especial para Vicente Aires que se sobressai dos demais pela bela voz que tem e pela correta intuição da arte de representar.
A Tribuna
– 1966.
Memórias Completas,
Greghi Filho
Falar de teatro é uma tarefa muito árdua, porque a história
do teatro se mescla com a da própria Cidade e a da minha vida. Mesmo antes de fazer, fui fascinado pelo teatro como espectador. Acompanhei todos os
passos da fundação do Teatro do Estudante de Santos, em 1948, quando Newton Telles e Walter Teixeira se reuniram no Centro dos Estudantes na Rua 7
de Setembro e lá resolveram fundar o Teatro do Estudante. Já existia a Associação de Teatro Amador de Santos, criada em 1938 por um senhor Cruz.
A primeira montagem feita pelo Teatro do Estudante foi
Atenéia, de Itacy de Souza Telles, mãe de Newton. Assisti a seleção dos atores e os ensaios até a estréia, que teve a presença de Paschoal Carlos
Magno. Serafim Gonzalez começou sua carreira nessa peça, com 14 anos. Logo depois ele foi chamado para um teste da Companhia de Graça Mello,
disputou o papel com Flávio Rangel e Antunes Filho e ganhou.
Serafim foi o segundo ator de Santos a se profissionalizar.
Cacilda Becker foi a primeira, tendo começado na rádio sob direção de Rosinha Mastrângelo, figura fundamental dentro do teatro e do jornalismo de
Santos. Cacilda saiu daqui para a Rádio América em São Paulo e de lá para o Rio de Janeiro, onde estreou no Teatro do Estudante em 1947, levada por
Miroel Silveira. Eu continuava fazendo operetas com o maestro Sá Porto, outra figura importante. Até que um dia o destino me colocou frente à frente
a uma das figuras mais impressionantes que conheci: Patrícia Galvão.
O Santos Cine Foto Clube alugara uma casa vizinha à minha e
num de seus almoços conheci Patrícia, que depois me apresentou Paulo Lara, Renato Ruffo, Hélio Rubens e Tereza de Almeida, que depois casou com
Jairo Arco e Flexa. Foi meu primeiro encontro real com o teatro e resultou em meu primeiro trabalho.
Fando e Liz de Arrabal, direção de Pagu e Paulo Lara. Estreamos dia
01/11/59, às 10 horas da manhã.
Antes disso,
A Tribuna promoveu vários cursos de teatro incentivados por Pagu e Geraldo
Ferraz. Foi neste momento que começaram a se aglutinar os vários grupos de teatro da Cidade, apresentando seus trabalhos.
O Real Centro Português, o Clube de Arte, o Sírio Libanês, a
Sociedade Italiana, já haviam feito muita coisa, mas o espírito de corporação reunindo todos os amadores surge no I Festival de Teatro
universitário, incentivado por Pagu, A Tribuna e Paschoal
Carlos Magno.
O grupo Oficina ganhou muitos prêmios com a peça
A Incubadeira, de José Celso Martinez Correia, e Etty Frazer ganha o prêmio de melhor atriz nacional. Era o ano de 1959.
Havia uma rivalidade sadia com o grupo Os Independentes, que
era intocável, o TBC daqui. Mas Fando e Liz vai representar a
vanguarda com o texto ousado e os cenários pelo artista Lúcio Menezes. Mais tarde, o Teatro Estudantil de Vanguarda (TEV) representa o Estado de São
Paulo no Festival de Brasília e ganha várias citações: melhor diretor, Paulo Lara; melhor atriz, Inês Fornos; melhor coadjuvante, Greghi Filho;
melhor cenário e figurino, Newton Telles. Depois, em 61, em Porto Alegre, Câmara Escura e O Túnel, dirigido por Paulo Lara, novamente
colocam bem o teatro da cidade. Em 62, em Campinas, no Festival Estadual, novamente nosso teatro brilha: melhor ator, Paulo Jordão; melhor atriz,
Dina Sfat.
A Faculdade de Filosofia tinha formado o TEFFI, Teatro
Escola Faculdade de Filosofia, em 62, e me convidam no ano seguinte para dirigir o grupo. Montamos Nossa Cidade, de Thornton Wilder. Foi uma
aventura que deu certo. Segui o caminho que aprendi com Patrícia Galvão, Paulo Lara e Wilson Geraldo, que tinham me dirigido. Levantamos todos os
prêmios do Festival Santista do 7 Festival Paulistano de Teatro e do Festival Estadual, que deu o prêmio Governador do Estado de Melhor Atriz para
Ieda Ferreira (1963).
A UNE funda o Centro Popular de Cultura (CPC), com uma
finalidade dirigida: conscientizar principalmente a classe operária e estudantil dos problemas políticos, econômicos e sociais que atravessávamos na
época. Essa participação me causou sérios problemas e tive que sair do País até que as coisas acalmassem e eu pudesse voltar. Íamos a sindicatos,
colégios, com textos feitos por nós.
Depois de minha briga, consegui fundar a Federação de Teatro
Amador, em janeiro de 1964, e com muito custo fazer Oscar von Pfuhl aceitar a presidência.
Em 64 dirigi
Os Troncos Podres, de Evêncio da Quinta, com Os Independentes. No dia seguinte à
estréia, fugi para Buenos Aires porque ia ser preso.
Em 1966, já de volta, fundei com Paulo Lara o Teatro Íntimo
de Comédia (TIC). O TIC era uma aspiração e uma necessidade para os amadores de Santos, que não tinham espaço para se apresentar. Chegamos a
organizar na realidade o primeiro grupo profissional de Santos, com atores registrados que recebiam salários. Além de mostrar nossos trabalhos, era
um espaço alternativo para outros grupos.
O último caminho que trilhei dentro do teatro foi como
autor. Tenho 17 peças, com cinco ou seis encenadas, porque durante muito tempo escrevia e guardava os textos. Há pouco comecei a divulgar este
trabalho e sinto que agora as coisas começam a acontecer. Uma Rosa para Hitler foi o mais recente, encenado profissionalmente, em São Paulo e Rio de Janeiro. |