Em
1962, foi publicado em Sorocaba/SP este livro de 200 páginas (exemplar no acervo do historiador santista Waldir Rueda), composto e impresso nas
Oficinas Gráficas da Editora Cupolo Ltda., da capital paulista (ortografia atualizada nesta transcrição):
Pequeno histórico da Mayrink-Santos
Meus serviços prestados a essa linha entre Mayrink e Samaritá
Antonio Francisco Gaspar
[...]
3ª PARTE
XXXI - Crônicas da Mayrink-Santos
Ligação da linha telegráfica S. Paulo, Mayrink-Santos
Finalmente, eu, dr. Probo Falcão Lopes, Mário Liguori e Alfredo Santos Silva,
conseguimos, depois de tantas peripécias, ligar a linha telegráfica entre Santos, Mayrink e São Paulo, às 16 horas do dia 25 de fevereiro de 1935.
Para isso, eu e dr. Probo saímos da Capital no dia 20, pela S.P.R., e fomos pernoitar
em Santos, no hotel 2 de Maio. No dia seguinte, cedo, rumamos para Cubatão, a fim de alcançar a jardineira que nos devia transportar ao
trecho S.5, 2ª seção, a cargo do engenheiro dr. Nahúl Benévolo.
O dia amanhecera belíssimo, um tanto caloroso!... Às 8 horas e 20 minutos, estávamos
no ponto de partida da jardineira, em Cubatão.
Acomodados nos assentos e à hora certa, esse regular meio de transporte partiu rumo à
serra, seguindo a sinuosa estrada, compreendendo uma longa reta, até local chamado Ponte Preta. Daí em diante,
a ziguezagueada estrada vai sempre subindo por entre extensa plantação de bananeiras, descortinando-se belos
panoramas da Fabril e condutores inclinados da casa de força da Light and Power,
em Rio das Pedras. Serpenteando também o rio Cubatão, que margeia vertiginosamente em baixo, a estrada de rodagem de acesso ao leito da via férrea
Mayrink-Santos encarapita-se por entre enormes montanhas que formam os contrafortes da Serra, por onde passa o traçado dessa importantíssima estrada
de ferro de simples aderência.
O motor da jardineira ronca, desenvolvendo sua rota, e, depois de seis
quilômetros, a rodagem passa para o lado oposto da subida, de onde se avista ao longe, lá em baixo, a silhueta das cidades de Santos e São Vicente.
Mais ao lado, ficando para trás, à medida que o veículo transpõe a serra, vê-se
Cubatão; ao centro, diversos canais e rios da Baixada Santista. As colossais plantações de bananeiras, "o ouro verde" do litoral, como é chamado
ali, perdem-se de vista nas fraldas das montanhas, entre as quais os enormes morros Mãe Maria, Acaraú e
Estaleiro.
Depois de meia hora decorrida, passa-se por uma porteira e entra-se nos domínios da
Sorocabana. Aí há uma parada. É o Bar do sr. Ceriaco. Bilhares, rádio, luz, conforto etc., na altitude de 180 metros.
Uma pitoresca rua é transposta e chega-se à sede da 2ª seção, que fica à meia encosta
do morro Mãe Maria.
Eu e o dr. Probo descemos da jardineira e nos dirigimos para o escritório do
dr. Nahúl Benévolo. A jardineira prossegue o seu itinerário até o S.16, 5ª seção, a cargo do dr. Humberto Nobre Mendes.
Após o almoço, o dr. Benévolo pôs à nossa disposição um caminhão e rumamos para a 3ª
seção, S.12, a cargo do dr. Quintella. Aí já havia um aparelho telegráfico que instalei em julho de 1934, mas que nunca prestou serviço por não
existir telegrafista ali. Ficou deliberado que esse aparelho seria mudado para o S.16, 5ª seção.
Novamente tomamos o caminhão e fomos até a 5ª seção, a fim de escolher o cômodo para a
instalação do aparelho telegráfico.
Às 14 horas estávamos na 5ª seção. Ficou certo que no dia seguinte eu iria mudar e
instalar o aparelho na sala onde já havia um telefone para o serviço da seção.
Regressamos à 3ª seção: desmontei o aparelho e instalação para, no dia seguinte,
mudá-lo.
Às 17 horas demandamos novamente a 2ª seção, a fim de pernoitarmos e combinarmos com o
encarregado da turma telegráfica, auxiliar a mudança e, para ser estendido dois fios em cima do túnel nº 16 até a casa onde ia ficar o telégrafo.
É noite...
Da varanda da casa do sr. Iderval, fiscal dos viadutos, avista-se, ao longe, milhares
de luzes, cintilantes... É Santos e São Vicente!...
Enquanto na Serra centenas de trabalhadores procuram dormir, para, no dia seguinte,
cedo encetar o árduo trabalho, lá, ao longe, na cidade, em contraste, centenas de entes povoam os teatros, cinemas, praias, praças, ruas, bares,
casa de jogo etc.
Às 6 horas do dia seguinte, de caminhão, fui ao S.4 buscar o pessoal do telégrafo para
irmos ao S.12, mudar o aparelho telegráfico para o S.16.
Depois de tudo pronto e estendidos os fios, às 17 horas, ficou funcionando o telégrafo
na Serra, S.16 com Mayrink e São Paulo. Faltava agora funcionar com Santos. Regressamos ao S.5, 2ª seção, onde pernoitamos.
No sábado, combinei com Juvenal Vicente, encarregado da turma telegráfica, o que devia
fazer para funcionar o telégrafo e ficou certo que no dia seguinte às 9 horas funcionaria a linha.
Às 12 horas, eu e dr. Probo descemos de jardineira para Cubatão. Uma vez ali,
tomamos o trem da S.P.R. para Santos, a fim de combinar com o sr. Mário Liguori, para nos encontrarmos na estação da Avenida Ana Costa, a ver se se
podia comunicar com S. Paulo nesse dia, outrora feriado, Constituição Brasileira, e que queríamos deixar assinalado com a ligação telegráfica da
linha Mayrink a Santos.
Não foi possível! 12 horas!
Mandamos um recado pelo telefone Seletivo, ao sr. feitor da turma telegráfica, Alfredo
S. Silva, em Estaleiro, a fim de o mesmo correr a linha até o S.5, 2ª seção, com o fim de verificar o que havia e, conforme tinha ficado certo, o
Juvenal não dava notícia de nada.
Passou-se o dia em expectativa e ficamos certos de, no dia imediato, de auto-linha,
gentilmente cedido pelo engenheiro residente, dr. Lima, seguirmos até Estaleiro e ponta dos trilhos da Mayrink-Santos, lado de Santos.
5 e 30 minutos do dia 25, no hotel 2 de Maio, levantamos e seguimos para a estação da
Avenida Ana Costa no bonde nº 10. Às 6,30 horas lá estávamos.
Ajudei o chofer do auto-linha a colocá-lo nos trilhos, pois ali, em Santos, o
automóvel não tinha desvio, ficando fora da linha, e era colocado nela com um girador de trilhos.
Às 7 e 30 minutos, rumamos para a estação da Docas, no Macuco, a fim de ir buscar o
sr. Mário Liguori, guarda-fios, materiais, ferramentas etc.
Às 8 horas, de regresso, o auto-linha teve quebrada a alavanca de manobras, o que
tivemos de empurrá-lo à mão para o pátio da estação Ana Costa.
O sr. Alfredo, feitor do telégrafo, nos transmitiu um recado que a linha telegráfica
ia ser ligada no S.4 entre 7 e 12 horas, pois a Companhia City ia desligar a força elétrica para serem puxados os fios telegráficos nesse trecho.
Mesmo assim, o dr. Probo requisitou uma locomotiva para irmos até a ponta dos trilhos.
Às 9 e 30 minutos partimos na loc. 26, que levou um carro B.C. e às 10 horas estávamos
em Estaleiro.
Ligamos um telefone portátil na linha telefônica e nos comunicamos com a estação da
Avenida [Ana] Costa. Perguntamos se já havia comunicação com São Paulo e a resposta foi
negativa. Resolvemos prosseguir a pé, a fim de ver o que havia na linha telegráfica.
O dr. Probo ficou em Estaleiro, com o dr. Francisco Camargo de Souza, chefe da 1ª
seção.
Então, eu e Mário Liguori, munidos do telefone portátil, nos pusemos a caminho pelo
leito da via férrea. O calor era demasiado!... Suava-se por todos os poros e as nossas camisas, de tão molhadas, estavam coladas à pele. Ambos com
os paletós nos braços, seguíamos de lenço na mão, enxugando de vez em quando o suor que nos escorria pelas faces. Era formidável o mormaço, nessa
ocasião da subida da serra, na altitude de 90 metros.
Passamos o viaduto 1 e ao longe divisava-se o mar e as cidades de Santos e São
Vicente.
Logo em seguida, transpusemos o escuro e úmido túnel 2 e nos achamos no vale onde está
localizado o viaduto do Itú. Às 12 horas estávamos na ponta dos trilhos, junto ao vagão da turma telegráfica do sr. Alfredo Silva. Aí procurávamos,
por meio do telefone, comunicação com o Juvenal Vicente, no S.4.
Ele disse-nos que ia sair de caminhão até a 3ª seção, a fim de emendar os fios no
trecho S.7, onde existem os separadores de linha dos fios de ferro com os fios de cobre, e retirar os fios que estavam dando "terra" na linha
telegráfica, no poste da estrada, na 3ª seção.
Esperamos... esperamos... Chegou a loc. trazendo o dr. Souza e dr. Probo. De vez em
quando, pelo telefone portátil, ansiosos como estávamos, perguntamos à Avenida Ana Costa se chegavam os sinais de São Paulo. A resposta, sempre
negativa!
Mas, como diz o ditado: "quem espera, desespera", eu, mais o Mário, resolvemos
continuar a pé até o S.5, 2ª seção. O dr. Souza, então, gentilmente, mandou um camarada selar dois animais. Agradecemos muito pela boa oferta que
nos foi feita. Despedimo-nos dos srs. drs. Souza e Probo e feitor Alfredo Silva. Transpusemos o viaduto 2, o túnel 2A e, a pé, chegamos no túnel 3.
Aí o camarada já nos esperava com os animais.
Montamos e, ansiosos, cavalgamos a serra, apeando em alguns lugares perigosos, como o
viaduto 3, esplanada da futura estação de Acaraú, pontilhões encachoeirados, viaduto 4, que transpusemos a pé por cima do tabuleiro, puxando os
burros pelas rédeas. Esse viaduto ficou concluído na véspera dessa nossa passagem por ele, tendo sido fiscal dessa linda e sólida obra de arte o sr.
Daniel Neiva Ferro.
Assim, a cavalo ou puxando os animais, fomos seguindo sempre, sem parar.
Passamos por dentro do túnel 4, túnel esse em rocha viva e sem revestimento, e logo
adiante passamos também ao lado dos viadutos 6 e 7, até que, às 16 horas e 30 minutos, chegávamos esbofados no S.5, 2ª seção.
A linha telefônica aí estava isolada num separador, o que era o motivo de não se ter
comunicação telefônica de Santos para a 2ª seção. Arranjamos uma tosca escada e o sr. Mário subiu no poste e ligou a linha com um pedaço de fio.
Comuniquei-me logo com o feitor Alfredo Silva, que disse que, às 16 horas, Santos
comunicou-se muito bem pelo telégrafo com Mayrink e São Paulo. O dr. Probo já não estava mais em Estaleiro, tinha seguido para Santos na loc. nº 26.
Tendo obtido essa notícia satisfatória, entregamos os animais na 2ª seção, para um
camarada que, no dia seguinte, devia levá-los ao dr. Souza em Estaleiro.
Às 17 e 20 minutos eu e o sr. Mário, num caminhão, cedido pelo sr. Omar, escriturário
do dr. Naur, partimos do S.5 para Cubatão, onde chegamos às 17 e 40 minutos.
Às 18 horas, num outro caminhão particular, de Cubatão a Santos, onde descemos às 18
horas e 20 minutos na Praça Mauá. No bonde nº 5, eu e o sr. Mário rumamos à sua residência no Macuco, onde, juntos, àquela hora, almoçamos e
jantamos. Eram 19 e 30 minutos.
Às 21 horas estive na estação da Avenida Ana Costa, estava o telégrafo trabalhando
muito bem com São Paulo, via Mayrink. O dr. Probo já ali estivera e tinha seguido para São Paulo pela S.P.R., no trem das 19 horas.
Eu segui para repousar no hotel 2 de Maio, fechando assim o circuito, depois de tantas
peripécias, para se levar o cabo e ligar a linha telegráfica entre Santos, Mayrink, São Paulo, às 16 horas do dia 25 de fevereiro de 1935.
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