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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ESTRADAS - BIBLIOTECA
Pequeno histórico da Mayrink-Santos (21)

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Em 1962, foi publicado em Sorocaba/SP este livro de 200 páginas (exemplar no acervo do historiador santista Waldir Rueda), composto e impresso nas Oficinas Gráficas da Editora Cupolo Ltda., da capital paulista (ortografia atualizada nesta transcrição):

Pequeno histórico da Mayrink-Santos

Meus serviços prestados a essa linha entre Mayrink e Samaritá

Antonio Francisco Gaspar

[...]


2ª PARTE - ESTUDOS E CONSTRUÇÃO
XXI - Linha telegráfica de Mayrink a Samaritá

Estando inaugurados os trabalhos de construção da Mayrink-Santos, o telégrafo, companheiro inseparável das estradas de ferro, não foi esquecido pela administração da Sorocabana, e esse indispensável meio de comunicações teve, também logo, sua iniciativa.

Em 12 de março de 1929 o dr. Gaspar Ricardo Júnior, diretor da E.F. Sorocabana, empenhado como estava na construção dos diversos trechos da Mayrink-Santos, enviou ao dr. Acrísio Paes Cruz, chefe da linha, a seguinte ordem:

"Solicito vossas prontas informações e pareceres sobre a possibilidade de se atacar imediatamente a construção da linha telegráfica entre Mayrink e Samaritá, com numerosas turmas, de modo a se poder utilizá-la o mais rapidamente possível, em vista das taxas pesadíssimas que passam a ser cobradas pelo Governo Federal sobre estações radiotelegráficas emissoras. Nessas condições, lembro a conveniência de se criarem, desde já, cinco turmas para o ataque do serviço em diferentes pontos acessíveis a auto-caminhões, que o sr. chefe da 5ª Divisão indicará, empregando-se postes de trilhos usados de que dispomos desde já. Esse serviço poderá ser conduzido pela 3ª Divisão, com turmas especiais que a mesma organizará, constituídas, pelo menos parcialmente, de bons elementos já práticos desses serviços. Nas zonas mais afastadas, poderemos usar postes provisórios de madeira, até que, com a chegada dos lastros, sejam substituídos pelos definitivos, de aço. A 3ª Divisão pode, desde já, organizar o pedido para as cruzetas, isoladores, parafusos etc., indispensáveis a esse serviço, material que se for necessário o sr. almoxarife adquirirá por concorrência administrativa, entregando as encomendas a várias casas, para a sua entrega mais rápida. Quaisquer sugestões que os srs. chefes da divisão e almoxarife achem conveniente, para a mais pronta conclusão dos serviços, podem ser feitas desde já a esta diretoria. (P 16 - APC/BAM - 12-3-1929)".

O sr. chefe da 3ª Divisão, recebendo essa ordem, resolução do sr. diretor, incontinenti comunicou ao sr. Iti, e este, por sua vez, fez o respectivo orçamento de parte do material preciso para o início da feitura da linha telegráfica; nomeou turmas para o ataque a esse indispensável serviço de telégrafo; mormente porque a linha telegráfica ia ser ocupada por telefones, como o foi, por ocasião da construção do leito dessa via férrea, que de Mayrink se dirigia ao porto de Santos.

O primeiro orçamento dos materiais, ferramentas, mão-de-obra e eventuais, ficou em Cr$ 101.241,50. Foram organizadas as primeiras cinco turmas para começar o serviço em diversos pontos: Mayrink, Samaritá, Planalto, Serra e Cubatão.


Feitor das turmas telegráficas, sr. Alfredo Silva, Joaquim de Almeida e auxiliar Catani e outros. Boca do túnel 1 em 29-3-1934
Imagem e legenda reproduzidas do livro

Foram feitores: Antônio de Oliveira, Alfredo Santos Silva, Joaquim de Almeida, Heliodoro Vieira de Queiroz e Francisco Américo de Oliveira. Os trabalhadores que foram componentes nessas turmas já estiveram na categoria de guarda-fios e eletricistas. Alguns já faleceram.

A construção da linha telegráfica foi espinhosa, principalmente no trecho da serra entre Rio dos Campos e Samaritá, onde o transporte de trilhos para postes telegráficos foi feito em lombo de burros e zorras.

Em Santos, o encarregado da 5ª zona telegráfica, sr. Mário Liguori, muito auxiliou com seus guarda-fios, no trecho Samaritá até quase o Alto da Serra. De vez em quando, ele vinha remover defeitos nos telefones instalados ao longo da Mayrink-Santos, antes de funcionar o telégrafo.

Por diversas vezes esteve paralisada a construção da linha telegráfica na Serra, devido à seguinte ordem: "Em virtude de nos ser facultada a instalação dos aparelhos radiotelegráficos sem pesados impostos, resolvemos sustar as linhas telegráficas comuns até 2ª ordem".

O sr. Iti ficou ciente, mas pediu autorização para o seguinte: "Em todo caso, quando estiverem trabalhando os lastros é de vantagem a não paralisação da linha telegráfica, pois assim a locomoção dos mesmos fica mais fácil. Poderemos fazer um serviço perfeito e bem acabado. Não haverá depois atropelo para finalizar o serviço com urgência".

Havia aparelho de radiotelegrafia, em Santos, S.16, 4ª seção de construção, dr. Nobre Mendes, e São Paulo, escritório central da E.F. Sorocabana.

Em 20 de abril de 1934, como a linha telegráfica já havia chegado ao túnel 16 no S.16, 4ª seção, a cargo do dr. Nobre Mendes, o aparelho radiotelegráfico foi suprimido e então eu instalei um aparelho telefônico e um telegráfico Spagnolletti em um dos cômodos da residência do dr. Mendes, que era localizada em cima desse túnel.

O telegrafista era o sr. Aparecido de Freitas.

De São Paulo, pela S.P.R., desci em Cubatão e de jardineira segui até o S. 16. Feitas as instalações dos aparelhos, com auxílio do trabalhador da turma, sr. Juvenal Vicente, regressei a Cubatão e às 19 horas embarquei na S.P.R., para São Paulo, pernoitando em São Caetano.


Turma telegráfica do feitor Alfredo Silva entre Acaraú e Estaleiro, trecho S.3, em 25-2-1935
Imagem e legenda reproduzidas do livro

Enquanto a turma telegráfica do feitor sr. Joaquim de Almeida estava avançando para Santos, o feitor sr. Alfredo Santos Silva vinha de Estaleiro encontrar com a turma do sr. Joaquim de Almeida.

Para serem empregados nesse trecho de Samaritá a Acarahú, o sr. chefe da linha forneceu 100 trilhos tipo 20 e esses trilhos estavam em Estaleiro, conforme a carta:

"Os trilhos estão à disposição. É necessário que o feitor procure os engenheiros com o fim de recebê-los e empregá-los na linha telegráfica, a partir de Estaleiro. De conformidade com o programa da diretoria a esse respeito, desejamos, quanto antes, ter os fios telegráficos assentados ao longo da Mayrink-Santos, a fim de alcançar o extremo da linha que vem de Mayrink. Outrossim, seria de toda a conveniência que fosse aproveitada a linha para servir a 2 aparelhos telefônicos: um a ser colocado na sede da Residência, junto ao túnel 3".

As turmas colocavam os postes e fios por cima dos túneis, porém, como o mato crescia e alcançava os fios, foi dada nova ordem para passá-los por dentro dos túneis já concluídos ou colocar suportes de ferro, cimentados nas paredes, a fim de serem parafusados isoladores para sustentar os fios.

"Com a construção das linhas Seletivas por dentro dos túneis, iremos com esse sistema muito ganhar quando as comunicações Seletivas forem necessárias e os fios também estiverem presos aos viadutos".

Essa ordem foi restritamente cumprida e esse serviço foi feito com aptidão.

Em certa ocasião, achava-me no acampamento do feitor sr. Alfredo Silva. Depois do jantar, ele me disse que ia desfazer uma desavença que havia entre dois trabalhadores de sua turma. Os dois homens não se podiam ver. Estavam brigados a ponto de se matarem.

Eu só ia apreciar o que o sr. Alfredo delineava, pois ele não gostava e nem consentia divergências na sua turma e queria paz no seu acampamento.

- Ó Rangel, vem cá - chamou, sério.

- O que há, sr. Alfredo?

- Amanhã, o sr. vai trabalhar dentro do túnel 7, junto com o sr. Bispo.

- Pelo amor de Deus, não me escale com o Bispo, sr. Alfredo - disse meio choroso.

- Não quero saber isso. Estou dando ordem, a qual tem que ser cumprida. O sr. com o Bispo fazem um andaime com os dois cavaletes que temos e com os ponteiros de aço devem fazer quantos buracos forem precisos na parede do túnel, lado esquerdo para quem vem de Mayrink. O sr. pega o ponteiro de aço e o sr. Bispo vai batendo nele com a marreta, até cada buraco ficar com 15 centímetros de fundo, que é para nós depois cimentarmos o esquadro de ferro, com o fim de colocarmos isoladores e esticar os fios neles, conforme ordem de passarmos as linhas por dentro dos túneis.

- Mas, eu e o Bispo não nos damos, sr. Alfredo. Inda mais segurar o pino de aço e ele bater... Por Deus. Peço não ir trabalhar com o Bispo. Estamos de mal -, disse quase chorando o Rangel.

- Não quero divergências na minha turma. Faça o que eu mando e... está acabado. Amanhã, a postos com o Bispo. E, agora mesmo vou também falar com ele, também deve cumprir minha ordem. Não quero divergências, já disse. Até logo. Vamos, sr. Gaspar.

Fomos ao barraco do Bispo.

- Ó sr. Bispo, venha cá.

- Pronto, sr. Alfredo. Aqui estou.

E o feitor Alfredo Silva deu-lhe a mesma ordem que havia dado ao Rangel. Houve protestos, mas não adiantou nada.

Depois fomos nos acomodar, pois na Mayrink-Santos não havia onde ir. Era só: trabalhar, comer e dormir.

Deitados já, eu mudo, a todas aquelas cenas, abri a fala. Perguntei ao amigo Alfredo:

- Será que os dois amanhã irão cumprir sua ordem?

- Ora se vão. Ora se cumprem. Não é a primeira vez que se dão estas coisas. O sr. vai ver como ficam amigos.

E... no dia seguinte, lá pelas 10 horas, fomos encontrar os dois trabalhando amigavelmente como nada tivesse havido entre esses dois inimigos.

Mas, com a advertência do sr. Iti:

"A linha telegráfica Mayrink-Santos tem que ser construída e portanto não via razões de deixá-la para mais tarde, desde que já as turmas tinham iniciado o assentamento dos trilhos e até estava prestes a ser inaugurada a primeira estação. A linha telegráfica definitiva - como naturalmente ia ser a Mayrink-Santos - logo de começo era composta de uma linha intermediária (linha ônibus), uma linha direta e duas linhas Seletivas. Pelo que expus, não vejo razão para construí-la mais tarde, desde que já iniciamos o assentamento dos postes".

Então, nova ordem de continuar a posteação e puxamento dos fios, veio da chefia da 3ª Divisão. E, entre Mayrink e Cangüera, a linha ficou pronta e os aparelhos instalados em vagões que iam servir de estações: Guaianã e Cangüera.

Essas estações foram inauguradas no sábado, 25 de janeiro de 1930, pelo governador dr. Júlio Prestes, como já citei noutro capítulo deste livrinho.


Acampamento da turma telegráfica do feitor Joaquim de Almeida,
trecho entre os túneis nº 13 e nº 14 em 1934
Imagem e legenda reproduzidas do livro

Houve obstáculos e delongas na marcha da construção da linha telegráfica desse ramal, depois da oficial inauguração desse trecho. Ora por falta de material e pessoal, ora por falta de condução nesse embaralhado traçado de vias de acesso às diversas seções em que eram divididos os setores da Mayrink-Santos. Porém, a linha telegráfica avançava conforme iam avançando as paralelas de aço.

Depois de tantas peripécias e urgência de ser ligada a linha telegráfica diretamente com o escritório central do telégrafo da Sorocabana, a 21 de fevereiro de 1935, junto com o dr. Probo Falcão Lopes, inspetor dos telégrafos e iluminação, descemos pela S.P.R. a Cubatão e dali ao S. I, 2ª seção, chefe dr. Nahúl Benévolo, onde pernoitamos.

Nos dias seguintes, 22, 23, 24, como os fios telegráficos ainda estavam ocupados com aparelhos telefônicos, eu, com o feitor Juvenal Vicente e 3 trabalhadores, viajando de caminhão pela Serra, andei com eles, desligando do fio direto que ia se comunicar com São Paulo, os telefones que nele estavam funcionando e ligava-os nos outros fios intermediários. Depois desse serviço feito, fomos pernoitar no domingo, em Santos, no hotel 2 de Maio.

Na segunda-feira, levantamos às 6 horas e na Praça Mauá tomamos o bonde nº 10, e estávamos na Avenida Ana Costa às 6,30 horas.

Ajudei o chofer Pedro Scarpin a colocar o auto nos trilhos. Às 7 horas, fomos para as Docas no Macuco, buscar o sr. Mário Liguori, guarda-fios, materiais e ferramentas.

Às 8 horas, de regresso, quebrou-se o auto-linha na chegada da Avenida Ana Costa e precisamos empurrá-lo à mão, para o páteo da estação, naquele tempo um barracão de tábuas.

Às 9,30 horas, o dr. Probo requisitou a locomotiva nº 26, que nos levou até o túnel 1, Estaleiro.

Estivemos no escritório da 1ª Seção de Construção, onde almoçamos. Foi ali que conheci os drs. Orozimbo Soares Nogueira, Synésio Oliveira Barbosa, Francisco Camargo de Souza, Armando Zenezi e outros tão distintos auxiliares.

Eu e Mário Liguori, a pé, até o túnel II, onde estava acampada a turma do sr. Alfredo Silva. O dr. Souza nos tinha oferecido dois burros, fomos encontrá-los perto do túnel III e dali, com Mágio Liguori, segui a cavalo até o S. 5. Eram 15,10 horas. Num dos postes telegráficos, justamente, hoje, onde está a estação Sales da Cruz, eu subindo nele fiz a ligação do lado de Santos com o lado de São Paulo. às 17 horas, entregamos os burros ao sr. Omar Bernardes da Silva, auxiliar do dr. Nahúl Benévolo, para no dia seguinte mandar um camarada levá-los para o dr. Souza.

E, às 18 horas, tomamos um caminhão para Cubatão e dali fomos até a Praça Mauá. No bonde nº 5, a Macuco.

Jantei com Mário Liguori e às 21 horas fomos à Avenida Ana Costa, onde soubemos que desde 16 horas o telegrafista de Santos estava trabalhando otimamente bem com São Paulo. O sr. Agenor de Campos, sr. Armindo Ramos, Alarico da Silveira, enfim todos os funcionários de Santos estavam contentes e satisfeitos, por esse grande empreendimento - a ligação da linha telegráfica Santos com São Paulo, via Sorocabana, há muito desejada pelos seus funcionários.


Dr. Probo Falcão Lopes, inspetor dos telégrafos; sr. Daniel Neiva Ferro, fiscal de viadutos e túneis, junto ao viaduto nº 4, em 23-2-1935
Imagem e legenda reproduzidas do livro

Dr. Probo Falcão Lopes, srs. Mário Liguori, Alfredo Santos Silva, Juvenal Vicente, Joaquim de Almeida, Antônio de Oliveira e o que escreve estas linhas, estávamos também satisfeitos, por conseguirmos ligar o telégrafo nesse 25 de fevereiro de 1935, após tantas aventuras, e serem levados a Santos (via Mayrink e Samaritá) os sinais almejados dos aparelhos telegráficos Spagnolletti.

Foi mais uma vitória para a Sorocabana!

Em maio de 1935, motivo a linha telegráfica estar funcionando otimamente bem, entre São Paulo e Santos (via Sorocabana), compus os seguintes versos de "pé quebrado":

Linha Telegráfica Mayrink-Santos

Ao longo do traçado
da linha em questão,
trecho Mayrink-Santos,
     seções da Serra,
os fios telegráficos,
foram desenrolados,
com as dificuldades
     que a zona encerra.

Os feitores das turmas
ao receberem ordens
p'ra ligarem os fios
     que diz respeito,
puseram-se ativos
procurando atender
o mais breve possível
     de qualquer jeito.

Lá de Samaritá,
saíram ao encontro
dos que desciam a Serra
     pausadamente,
uns homens dirigidos
por um feitor capaz,
de executar a ordem
     incontinenti.

E, foram seguindo assim,
por essa Serra acima,
aos ombros carregando
     pesados trilhos,
e a linha telegráfica,
surgia majestosa,
vencendo entre montanhas
     os empecilhos!...

Foi "duro" em certo trecho
o transportar dos postes,
os fios e acessórios
     por dois muares.
Pois foram arrastados
em cima de uma Zorra. [1]
Veículo sem rodas
     que ali deu "ares".

Cravados nas paredes
de seus diversos túneis,
ferros e isoladores
     para suster
as linhas transmissoras,
da fala e dos sinais...
lá na Mairink-Santos,
     assim iam ser.

E, essa construção,
ativa prosseguia...
Ao cabo de alguns meses
     a ligação,
sem esperar foi feita
lá em Acaraú
havendo entre as turmas,
     satisfação!...

No dia vinte cinco
do mês de fevereiro
de mil novecentos e
     trinta e cinco,
então, a almejada
linha telegráfica
entre São Paulo e Santos,
     foi inaugurada!...

E, assim terminada
a linha telegráfica
da novel via férrea,
     rumo ao mar,
breve esperava-se
trens da Sorocabana,
em simples aderência,
     Santos Saudar!...

Sorocaba, maio de 1935.


Feitor Alfredo Silva e trabalhadores levantando o último poste do telégrafo,
junto ao Viaduto 3, S.3, em 2-2-1935 - Linha Mayrink a Santos
Imagem e legenda reproduzidas do livro


[1] Zorra - carro forte, de pavimento baixo e sem rodas.


[...]
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