Em
1962, foi publicado em Sorocaba/SP este livro de 200 páginas (exemplar no acervo do historiador santista Waldir Rueda), composto e impresso nas
Oficinas Gráficas da Editora Cupolo Ltda., da capital paulista (ortografia atualizada nesta transcrição):
Pequeno histórico da Mayrink-Santos
Meus serviços prestados a essa linha entre Mayrink e Samaritá
Antonio Francisco Gaspar
[...]
2ª PARTE - ESTUDOS E CONSTRUÇÃO
X - Meus serviços na Mayrink-Santos
Ferroviário na Estrada de Ferro Sorocabana, onde ingressei em 30 de setembro de 1909,
na qualidade de portador na estaçãozinha de Rio Verde, ramal de Itararé, vinha desde 1911 até 1917 exercendo o cargo de guarda-fios na Repartição
dos Telégrafos, entre Conchas e São Paulo. Depois, passei a eletricista na mesma repartição, seção Instalações Elétricas, em princípios de 1928.
Acostumado a executar todo e qualquer serviço a meu cargo com capricho e carinho,
nesse ano organizei, a começar de 22 de agosto, o meu particular Diário de Serviços.
Nesse diário, eu ia registrando diariamente tudo o que era feito por mim nas diversas
zonas telegráficas em que eram divididos o tronco e ramais da Sorocabana.
Possuo um relatório completo sobre a Mayrink-Santos e é dele que eu hoje vou mencionar
os serviços que ali realizei, durante a construção de leito da linha. Se não fosse esse meu relatório diário, não poderia jamais divulgar os meus
préstimos no ramo da eletricidade, mormente no soberbo avanço da Sorocabana para o mar.
Há três décadas de anos que um trem avançava por cima dos trilhos que ele mesmo
conduzia. Rasgados nas montanhas os cortes e com a mesma terra ou pedra feitos os aterros, vinham os dormentes e as paralelas de aço. Os
trabalhadores e feitores nivelavam a via férrea. E o comboio de lastro avançava até findar todo o material que avidamente ele trouxe. Volta, vai
buscar mais e novamente prossegue na sua marcha para o mar.
Era mui sublime e admirável a colocação dos trilhos parafusados aos dormentes: depois
de espalhados pelo chão, dez homens treinados agarravam o trilho e o levavam para cima dos dormentes. Outra turma os colocavam na bitola e os
parafusavam em seguida. De tempos a tempos, chovia e reinava também a cerração. Em todo o traçado há 32 túneis e dezenas de viadutos e pontes. Os
empreiteiros iam com o seu pessoal atacando todos esses formidáveis serviços de terraplanagem e perfuração de túneis. Os operários vão cortando os
barrancos de terra de diversos matizes e pedra dura para o comboio passar.
O dr. Gaspar Ricardo Júnior não se cansa, vai seguidamente com seus hábeis engenheiros
inspecionar os árduos trabalhos no sertão paulista da Serra do Mar.
Vou agora transcrever algo do meu Diário, aquilo que anotei sobre a
Mayrink-Santos:
Setembro - 1928 - Dia 14, sexta-feira, no trem P.4, fui a Mayrink procurar o sr.
engenheiro residente da construção da linha para Santos, com o fim de saber algo a respeito de instalação de telefones no "avançamento do ramal".
Ficando ciente do que havia de fazer, segui a São Paulo no trem N.S.2 para providenciar os materiais necessários para esse serviço. Regressei no
trem N.S.1 trazendo isoladores e parafusos, o que fiz entrega em Mayrink ao apontador da construção, esses materiais. No trem N.5, regressei a
Sorocaba, minha sede. O dr. inspetor dos telégrafos ficou de enviar a Mayrink os telefones, avisando-me o dia para ir instalá-los.
Setembro - 1928 - Dia 21, sexta-feira, no trem P.4 segui a Mayrink com o fim de ir ao
acampamento do empreiteiro sr. José Giorgi (empreiteiro dos trechos P.2, P.3 e P.4). Instalei telefone na casa do residente, em Mayrink. No P.O.2,
fui a São Paulo trocar o telefone Berlin por outro Wester nº 19. Pousei em São Paulo.
Setembro - 1928 - Dia 22, sábado. Saí de São Paulo no trem P.O.1. Em Mayrink, fiz a
colocação do telefone na casa do sr. engenheiro residente e incontinente segui em automóvel para o acampamento do empreiteiro sr. José Giorgi,
distante 14 quilômetros a partir de Mayrink. Instalei um telefone no escritório da empresa. Fui depois no mesmo auto ao escritório do eng. dr.
Herbert Von Brewer, mais 2 quilômetros além dos 14. Fiz instalação de um outro telefone ali. Ficaram funcionando todos às 17 horas. Em todos esses
locais estive de automóvel fornecido pelo sr. José Giorgi. Na residência do eng. dr. Brewer, almocei com esse engenheiro, o qual, em palestra
amistosa, contou-me que estava mui satisfeito de ser lembrado pelo sr. José Giorgi, em nomeá-lo chefe de seção. Disse-me mais que, em 1893, já tinha
andado por aquelas paragens, fazendo levantamentos dos antigos traçados da Mayrink-Santos. À tarde regressei para a agradável vila de Mayrink no
Ford da Empresa José Giorgi, contente por ter instalado os telefones, os quais ficaram funcionando bem. No trem N.S.1 embarquei para Sorocaba,
minha sede. Este foi o primeiro serviço que prestei na Mayrink-Santos.
(a construção prosseguia sem desânimo em todos os demais trechos dessa importante obra).
Janeiro - 1930 - Dia 7, terça-feira, fui no trem P.4 a Mayrink instalar um aparelho
telegráfico no fio que ia ser ocupado para licenças de trens e outros telegramas na linha de MK-Santos. Esse fio estava funcionando com os telefones
que eu havia instalado para serviços da construção. O telégrafo ficou instalado, mas ainda não funcionando. À tarde regressei a Sorocaba no trem
P.5.
Janeiro - 1930 - Dia 18, sábado. De Sorocaba, segui no trem p.4 a Mayrink instalar
aparelho telegráfico em Cangüera. Às 10 horas e 15 m, no vagão nº 131 com os materiais, prosseguimos no trem de lastro, locomotiva nº 104, e
chegamos a Cangüera às 11 horas e 20 m. O sr. mestre de linha da Sorocabana não gostou que eu levasse esse vagão, porém ordem é ordem e jamais
deixei de cumpri-la. Em Cangüera, já fora da linha, estava o vagão VM nº 75, o qual ia servir provisoriamente de estação. Fiz nele, em cima de uma
mesa, o serviço de instalação do telégrafo, que ficou funcionando às 16 horas e 30 m. Apesar de eu não conhecer bem o alfabeto telegráfico, assim
mesmo consegui trabalhar com o telegrafista de Mayrink, algumas palavras. Funcionava muito bem. Regressei no trem de lastro a Mayrink e ficou
combinado que segunda-feira eu instalava o aparelho em Guaianã no vagão nº 131, com o fim desse vagão ir servir de estação provisória. Segui a
Sorocaba no trem N.S.1.
Janeiro - 1930 - Segunda-feira, dia 20, segui de Sorocaba para Mayrink providenciar a
instalação do aparelho telegráfico em Guaianã. Fiz todo o serviço, o qual ficou funcionando às 16 horas. A pé, eu e um trabalhador, guarda-fios José
Paulino, viemos até Mayrink e embarcamos no trem P.5, nossa sede.
(estava esse trecho pronto para a inauguração).
Janeiro - 1930 - Sábado, 25, Inauguração oficial. Foi inaugurado com grandes pompas
pelo exmo. dr. Júlio Prestes de Albuquerque, presidente do Estado de São Paulo, esse primeiro trecho dessa grandiosa obra: a Mayrink-Santos!...
Fevereiro - 1930 - segunda-feira, 24, com o guarda-fios Mário Fernandes, de São Paulo,
fui instalar um telefone na casa do dr. Ferreira, engenheiro residente entre Guaianã e Cangüera. Foi feito o serviço, o qual ficou funcionando bem.
Regressamos a pé até Mayrink e no trem N.1 a Sorocaba.
Foram esses os primeiros aparelhos telegráficos instalados por mim nesse ramal da
Sorocabana, que depois os entendidos diziam ser a Mayrink-Santos, um "sorvedouro dos dinheiros públicos e coisa inútil".
Em 1933, até constou que a São Paulo Railway Company quis comprar esse ramal, pagando
o dobro do que o governo já havia gasto: 193.571:455$464 réis. Porém, o diretor da Sorocabana, dr. Gaspar Ricardo Júnior, que estava de atalaia,
dirigiu-se ao sr. interventor federal, general Waldomiro de Lima, e o pôs ao par do que se estava prevendo. Esse patriota e ilustre brasileiro,
então, desmentiu esse boato e mandou que a Mayrink-Santos prosseguisse no seu avanço para o mar.
Nessa ocasião foi também reconhecido esse ramal da Sorocabana, de utilidade pública.
Com estas alvíssaras estavam todos os dirigentes, empreiteiros e trabalhadores da
Sorocabana, de parabéns por essa deliberação do Governo!...
Antônio Francisco Gaspar - guarda-fios e eletricista
Imagem e legenda reproduzidas do livro
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