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JUNTOS, DOIS BAIRROS DA ÁREA CONTINENTAL TÊM 178
FAMÍLIAS
Região esparsamente povoada, a Área Continental
de Santos possui dois bairros onde não há registro de moradores: Nossa Senhora das Neves e Barnabé. Já o Vale do Quilombo tem 142 famílias e
o Guarapá, 36. Na região existem muitos sítios e há propriedades ainda não regularizadas, devido a disputas judiciais
Imagem: reprodução parcial da primeira página de
A Tribuna de 6/9/2010 |
Em 2 bairros da Área Continental, 178 famílias
Em outros dois não há registro de moradores
Da Redação
Seu Luiz Confessor Gomes, de 55 anos, e dona
Mauricy Germano Gomes, de 50, moram em Santos há 14 anos. Somente a partir deste ano, contudo, eles farão parte da estatística oficial de
residentes da Cidade. Isso porque, desta vez, os recenseadores do IBGE passaram pela casa da família, onde também vive Beatriz Germano Gomes, de
12 anos, filha do casal.
Eles moram no Vale do Quilombo, um dos nove bairros da Área Continental, trecho do Município
sobre o qual nem a Prefeitura possui dados detalhados.
No Guarapá não é muito diferente. Assim como no Quilombo, a única informação sobre a quantidade
de moradores é o cadastro de regularização fundiária, de acordo com a Secretaria de Planejamento (Seplan). No primeiro,ha 142 famílias, enquanto
no segundo, são mais 36.
Mas, se para integrar à estatística oficial foram necessários tantos anos, no caso da família
Gomes, ter a propriedade regularizada é algo praticamente inimaginável. Isso porque o local é alvo de disputa judicial e, portanto, está longe do
processo de regulamentação da Prefeitura.
Sitiantes que ocupam a área há anos disputam com uma imobiliária de São Paulo, a Savoy, o
direito sobre as terras. No ano passado, a empresa ganhou a posse a a Justiça determinou a reintegração, que só não aconteceu porque a Advocacia
Geral da União solicitou a suspensão da medida, argumentando que parte das terras do Vale do Quilombo pertence ao Governo Federal.
Enquanto o nome do verdadeiro dono da área não é definido, pouco se pode fazer no local. Até
mesmo a recuperação da única via de acesso ao bairro é complicada. Por causa das condições da pista que tem cerca de 8 quilômetros (desde a
rodovia até a cachoeira), Beatriz, filha de Luiz e Mauricy, deixou de ir à escol durante todo o ano passado.
A via estava tão cheia de buracos, que o ônibus contratado pela Secretaria de Educação (Seduc)
para transportar as crianças não conseguia mais passar.
A menina só pôde voltar para a escola em março deste ano, quando a Prefeitura finalmente
resolveu recuperar o acesso. Como Beatriz mora há cerca de quatro quilômetros de distância da rodovia, seu Luiz, vítima de um acidente vascular
cerebral (AVC) e que tem dificuldade para andar, leva a menina em um Fusca muito velho até o ônibus, que, com a pista recuperada, voltou a entrar
no bairro cerca 2,5 quilômetros.
Mesmo com o automóvel, a vida da família não é fácil. Em dias de muita chuva, por exemplo, é
difícil sair de casa. Um córrego muito próximo à moradia transborda e impede a passagem na via de terra.
O aceso ao bairro, aliás, não é o único problema. No local, a coleta de lixo se limita a um
trecho da área, assim como a energia elétrica. Também não há escola e nem posto de saúde. Para utilizar esses serviços, os moradores do Quilombo
vão até Cubatão, cidade que faz divisa com o bairro.
Apesar de tantas dificuldades, os Gomes não reclamam. O único inconformismo da família é com o
fato de Beatriz ter perdido um ano de aula. "Para as pessoas isso aqui é um lugar em que não entra nem carro, que só passa carroça. Mas não é
verdade. Na temporada isso aqui fica cheio de carros, motos e ônibus", explica Mauricy, ao se referir aos turistas que procuram o bairro por causa
da cachoeira, das piscinas naturais e das trilhas.
Situada no Vale do Quilombo, onde vivem 142 famílias,
a cachoeira no meio da mata atrai
muitos turistas
Foto: Nirley Sena, publicada com a
matéria
Turismo insustentável - É justamente a beleza do Vale do Quilombo que acaba atraindo
tantos visitantes, só que de forma totalmente desordenada. Na temporada, é comum encontrar latas, garrafas e sujeira junto à cachoeira.
Embora o local seja considerado um paraíso, cercado de Mata Atlântica e banhado por rios, além
de ser tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Arquitetônico do Estado (Condephaat), a Prefeitura não desenvolve nenhum projeto de turismo
ecológico na área. Além da pendência judicial, o fato de o Vale do Quilombo não ter controle de acesso e fazer divisa com Santo André, são as
principais justificativas da Secretaria de Turismo.
Curiosidades |
A entrada do Vale do Quilombo fica no Km 67 da
Rodovia Cônego Domênico Rangoni, no lado direito, a dois quilômetros da Usiminas (a indústria capta sua água do Rio QUilombo) e a 27
quilômetros do Centro de Santos |
A cachoeira do local está há cerca de 8 quilômetros da rodovia e
recebe visitantes de outras cidades da Baixada e também de São Paulo e do Grande ABC |
Uma das paisagens mais bonitas é o Poço das Moças, um
piscina natural formada na encosta da Serra do Mar. Seguindo em frente, observa-se a Cachoeira da Pedra Lisa e, depois, o mirante da antiga
torre de transmissão. Continuando, chega-se à Vila de Paranapiacaba, em Santo André, local que recebe muitos turistas. |
O nome do bairro faz referência a um quilombo que existiu no local. O acampamento de
escravos fugidos foi destruído pela guarda imperial entre 1830 e 1840, segundo atas da Câmara de Santos. |
Silvia deixou a cidade para viver no Quilombo com o rapaz que amava
Foto: Nirley Sena, publicada com a
matéria
No sossego do vale, levada pelo amor
Sílvia da Purificação Silva, de 47 anos, nasceu em Cubatão e foi criada nessa cidade, acostumada
com carros e muito movimento. Agora, vivendo há quase 20 anos em uma comunidade com um estilo de vida rural (no Quilombo é absolutamente comum
encontrar criações de animais e agricultura de subsistência), ela não tem nenhuma saudade do passado.
Mudou para o Quilombo por amor. Permanece lá pelo mesmo motivo. "Eu vim atrás de um rapaz de
quem eu gostava e até hoje estou com ele. Abandonei tudo".
Segundo Sílvia, quando ela chegou, o número de moradores era bem menor e não existiam tantos
sítios. "Era só mato", recorda. Hoje, ela diz que o bairro, apesar das dificuldades, está mais organizado.
A sensação de segurança e tranqüilidade também já não é mais a mesma. Desde que ela chegou ao
Quilombo, já viu três homicídios. O último deles em abril deste ano. Waldemar Romig, conhecido como Alemão, e vice-presidente da Sociedade
de Melhoramentos e Amigos do bairro, foi assassinado a 300 metros de sua residência.
Mesmo com tantas mudanças, Sílvia não tem dúvidas que ali é seu lugar. "Se eu tivesse criado
meus filhos na cidade, não teria nada que prestasse. Hoje até quando é para ir ao médico eu fico relutando. Me dá até dor de cabeça. Se me tirarem
daqui eu vou para o topo da serra".
Guarapá
Assim como o Vale do
Quilombo, o Guarapá só passou a ser considerado bairro a partir de novembro de 1999, com o sancionamento da Lei de Uso e Ocupação do Solo da Área
Continental. O texto dividiu essa parte de Santos em áreas de proteção ambiental (Parque Estadual da Serra do Mar), zonas urbanas (ZU), de suporte
urbano (ZSU) e portuárias e retroportuárias (ZPR).
Uma das principais
atrações do Guarapá é a criação de búfalos da Estância Diana, que substituiu as plantações de banana na fazenda, com o
declínio da cultura a partir da década de 70.
O bairro fica a
aproximadamente 33 quilômetros do Centro de Santos, na altura do Km 73 da Rodovia Cônego Domênico Rangoni.
Sem morador
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
No
bairro Nossa Senhora das Neves não há, segundo a Secretaria de Planejamento, registro de moradores. O local abriga o aterro sanitário que recebe
lixo de Santos desde a desativação do Lixão da Alemoa e os de quatro outras cidades: Bertioga,
Cubatão, Guarujá e Mongaguá.
A
região é referência nos livros de história: lá se encontra o primeiro sítio do País, fundado em 1532. Na obra História de Santos, de
Francisco Martins dos Santos, o autor cita a instalação do sítio Madre de Deus, logo após a chegada da esquadra de Martim
Afonso, que marca o início da colonização.
O
bairro, também conhecido como Sítio das Neves, fica na margem esquerda da Rodovia Cônego Domênico Rangoni, entre os Km 72 e 73.
A
Ilha Barnabé abriga os principais terminais de produtos químicos e combustíveis do Porto de Santos. O acesso ao local é
feito por mar ou pela estrada de ligação construída pela Codesp na década de 60, a partir da Rodovia Cônego Domênico Rangoni.
Em
1998, o local foi palco de um acidente que assustou a Cidade: um incêndio de grandes proporções provocado pelo vazamento
de líquido inflamável.
A
Prefeitura também não tem registro de moradores no Bairro do Barnabé.
A intenção da Prefeitura é ampliar as atividades retroportuárias
Foto: Nirley Sena, publicada com a
matéria
Áreas estão reservadas para a expansão do porto
Isolados pela Rodovia Cônego Domênico Rangoni, que liga Cubatão a Guarujá, os bairros Quilombo,
Barnabé e Nossa Senhora das Neves estão na mira da Prefeitura para a expansão da atividade retroportuária.
Na revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo, eles poderão ter limites alterados para permitir a
expansão do Porto. A proposta já foi aprovada pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU) e também já passou por audiências públicas.
Segundo o secretário de Planejamento, Bechara Abdalla Pestana Neves, a escolha desses bairros se
deu justamente em razão da possibilidade de confinar a atividade econômica na parte urbana, além de eles terem infra-estrutura (rodovia e
ferrovia) próxima.
Estímulo - "Nós não queremos repetir na área continental da cidade os problemas que
acontecem há anos na parte insular. Queremos estimular o porto, que é o maior pilar de nossa economia", disse Pestana Neves.
Ele explicou ainda que o trecho do Quilombo onde há moradores não é considerado bairro (os
sitiantes ocupam uma área de proteção ambiental) e não está inserido na proposta. |