Os chalés resistem, apesar de boa parte do bairro ter sido ocupada por edifícios
Os contrastes de um lugar que não pára de crescer
Já chegaram até a dizer que o bairro não tem personalidade,
mas nisso vai muito do exagero de gente maldosa. Está certo que a confusão é grande e que os próprios moradores não sabem exatamente quais os
limites do lugar onde moram. Mas eles não têm muita culpa, porque o desacerto resulta da mexida que deram em 1968, quando se estruturou o novo
abairramento de Santos. Na época, Macuco, Embaré e Ponta da Praia cederam parte de suas terras para formar Aparecida e muitos até hoje não se
adaptaram às mudanças.
Aparecida é um desses bairros privilegiados, que pode se orgulhar de ter uma praia. Só que ninguém fala em Praia
de Aparecida, como seria normal, já que todas as demais praias de Santos levam o nome do bairro do qual fazem parte. Pois a Praia de Aparecida não
passa de Embaré ou Ponta da Praia, dependendo do que pensa (ou prefere?) quem se refere a ela.
Como se não bastasse, há quem confunda Aparecida com Macuco. Em outros tempos, boa parte daquela imensidão de
terra se chamava Macuco e, para se localizar melhor, os moradores atribuíam nomes a diferentes trechos. Foi assim que nasceram Vila Sapo, Pau
Grande, Sovaco da Mula, Lugar Onde a Mula deu Outro Berro e coisas do tipo. Dizem que boa parte de Aparecida está sobre a antiga Vila Jockey.
Quem tem dúvidas quanto a limites, é bom que saiba de uma vez por todas que Aparecida está circunscrita entre
quatro grandes avenidas: Bartolomeu de Gusmão, Almirante Cócrane, Afonso Pena e Joaquim Montenegro. E que ninguém se espante ao deparar, em plena
Aparecida, com alguma loja comercial chamada Macuco, Novo Macuco ou Vila Jockey. São reminiscências de outras épocas.
E se o bairro já é peculiar por toda essa confusão que se faz em torno de limites e nomes, a particularidade se
acentua quando se constata que ele abriga três mundos bem distintos: na orla da praia o tipo de vida é um, bem diferente daquele que se constata
nos conjuntos habitacionais e, ainda, no chamado fundão (imediações da Praça Senador Correia), que se mantém com características de reduto
operário.
Um dia-a-dia típico de pequenas cidades, onde a igreja domina soberana - No tal fundão predominam
moradias baixas, instaladas em quintais quase sempre cheios de árvores. Árvores grandes, que quebram a monotonia dada pelos telhados escurecidos e
pelos muros.
Chalés ainda existem muitos e servem para proporcionar uma idéia do que foi Santos em outras décadas, quando
esse tipo de moradia de madeira dominava a paisagem.
A movimentação é bem típica daqueles lugarejos que se convencionou chamar de bairros. Os vizinhos se conhecem,
as crianças maiores saem juntas para irem à escola, enquanto as menores correm pelas ruas com pipas na mão. No meio da tarde sempre passa um
vendedor de quebra-queixo, amendoim ou tapioca, e nessa hora os moleques se agarram na barra da saia da mãe e não desgrudam até que ela compre a
guloseima. A atitude do pequeno basta para render alguns minutos de prosa com alguém que passa: "Essas crianças de hoje, fazem o que querem,
ninguém consegue dar jeito nelas...".
Como em cidades do Interior, ao término da missa quase ninguém vai embora. O pessoal prefere aceitar um convite
de padre Ciro para tomar um café. Este, de sua parte, muito prevenido, tratou de comprar uma máquina de café com capacidade para sete litros e
meio. Depois de provarem o gole amigo, as pessoas se dividem em rodinhas e ficam trocando um dedo de prosa nas imediações. A comunidade como uma
grande família, coisa bonita e rara de se ver.
Aos sábados, os fiéis superlotam a igreja para acompanhar a missa
Os prédios se multiplicam, o trânsito é intenso e a praia conserva a beleza - Num oposto bem oposto mesmo
está a orla da praia, tomada por enormes blocos de concreto. Até mesmo a famosa casa de pedra, na esquina da Bartolomeu de Gusmão com Rua General
Rondon, vai desaparecer para dar lugar a um edifício.
Com o fim dessa casa, perde-se um pouco da história de Aparecida. Afinal, ela está ali desde 1940 e sempre
chamou a atenção, não só por ser toda construída com pedras (um caprichoso trabalho de espanhóis), mas por ter um enorme quintal sempre invadido
por pássaros todo fim de tarde. Isso, é claro, num tempo em que os pássaros de Santos não tinham sucumbido, vítimas do progresso.
A venda da casa é irreversível, segundo um dos filhos do casal Varella. E, logicamente, ninguém comprará um
casarão enorme como aquele para morar. Não há como duvidar de sua demolição e, diante disso, o Bairro de Aparecida perde aos poucos a
característica de ser um dos que conserva um bom número de imóveis baixos de frente para o mar. Pode-se dizer que há um branco entre as
fileiras de prédios, dado pelos casarões de número 100, 105 e 106, escolas Ablas Filho e Escolástica Rosa, mansão da família Caldeira e Igreja do
Sagrado Coração de Jesus.
A praia lembra lazer, descontração e, portanto, se distingue muito da outra parte do bairro, onde circulam
operários suados e cansados. As crianças ficam guardadas a sete chaves nos apartamentos e só saem em companhia da mãe, porque é preciso muita
astúcia para enfrentar o trânsito louco de veículos das imediações.
O movimento de pessoas só se iguala ao de veículos em dias de muito sol, quando a praia fica lotada. Lotada e
com um colorido especial, devido à mistura das cores dos biquínis, guarda-sóis, camisas, shorts e o próprio bronzeado da pele. Nas manhãs e
tardes ensolaradas, o mar tão escuro e poluído ganha uma beleza especial ao refletir a luz.
No mundo dos conjuntos, muito concreto e falta de lazer orientado - E o que se dizer dos conjuntos
habitacionais, que nada têm a ver com uma parte ou outra do bairro? Situados numa faixa intermediária, os quatro conjuntos (do antigo IAPI, Brasil
III, Castelo Branco e Martins Fontes) praticamente separam a parte chique da parte operária de Aparecida.
Os blocos de pedra se aglomeram em poucas ruas e dão uma idéia clara do que se convencionou chamar de selva de
pedras. O pior é que com o tempo esses prédios ficaram encardidos (com exceção do Martins Fontes, recentemente inaugurado), e proporcionam uma
visão nada bonita.
Crianças não faltam e, como nas ruas internas quase não há circulação de carros, elas fazem delas o quintal que
não têm. E, assim, tentam suprir a falta de áreas de lazer e de um centro comunitário devidamente equipado para atender a tão grande número de
pessoas.
No Conjunto Castelo Branco (objeto de ampla matéria no dia 1º de julho
(SIC: data correta é 8/7/1982), como parte da série Conheça o seu Bairro),
a luta por um centro comunitário se estende há 11 longos anos. O pessoal do Martins Fontes busca outro tipo de alternativa e vem programando jogos
e brincadeiras entre os diferentes condomínios, ocupando dependências da Escola Olga Coury. A luta maior deles é outra: pelo asfaltamento da
Vergueiro Steidel, entre a Alexandre Martins e Almirante Cócrane, e da Antenor Bué, entre Avenida Pedro Lessa e Rua Frei Francisco Sampaio. |