Com quase 30 mil moradores, o Campo Grande é um dos bairros mais populosos de Santos
Um espaço para choros e serestas
As pessoas só acreditam vendo e ouvindo. Mas é ele mesmo,
Carlos Poyares, considerado o único músico do mundo que toca flauta de lata com uma perfeição inacreditável, que passa muitas manhãs e tardes de
domingo no Bar 1º de Maio, o bar do Chico, na Bernardino de Campos com Duque de Caxias. Mostra sua arte junto com outros seresteiros e chorões que
se reúnem todos os domingos para fazer um bom som brasileiro. Sem maiores compromissos, pelo simples prazer de tocar e cantar.
Quem já viu e ouviu garante, ninguém pode botar defeito nas rodas de choro e serestas. Os músicos começam a
chegar entre 10 e 11 horas, depois do meio-dia estão incontroláveis e só param quando bate o cansaço.
Hugo e Braga (violões), Floriano e Miltinho (cavaquinho), Carlos Poyares e Moacir (flautas), Caiçara e Luna
(pandeiros), Walter (bandolim) e Dorival Paiva e Albino (cantores) já receberam músicos de todas as partes, que vêm mostrar um pouco do que sabem.
Até integrantes de famosos regionais de São Paulo e do Rio de Janeiro já estiveram na Sala dos Chorões do Bar do Chico, em seus 10 anos de
existência.
Ninguém se controla quando Poyares faz sair de sua flauta, que mais parece mágica, os primeiros acordes de
Apanhei-te Cavaquinho. Ou quando Walter sola os choros que ficaram famosos pelas mãos de Jacob do Bandolim. Os ouvintes assíduos - juízes,
advogados, engenheiros e funcionários públicos e operários - não se fazem de rogados e não vão embora enquanto o grupo não toca e canta as músicas
prediletas, que podem ser Chão de Estrelas, Valsa nº 1 ou Lábios que Beijei. O repertório é variado e ninguém deixa de ser
atendido.
Mas o Bar 1º de Maio não é famoso apenas devido ao encontro de chorões e seresteiros. Lá se juntam aposentados e
homens da ativa, que organizam campeonatos de dominó de fazer inveja a muita gente. Mário Saba, tido como um dos fundadores desse quase clube,
sabe o porquê do sucesso: o ambiente é agradável, o respeito mútuo prevalece e não há lugar para preconceitos e rivalidades.
No Bar 1º de Maio, chorões e seresteiros se reúnem para fazer um autêntico som brasileiro
O reduto do rei dos reis momos
É ali no Campo Grande, mais exatamente na Rua Teixeira de
Freitas, que há mais de 50 anos vive o rei dos reis momos do Brasil, Waldemar Esteves da Cunha. Nasceu alegre porque alegre era o ambiente de casa
e, graças a ele, o bairro ficou conhecido como o reduto da folia.
De profissão, é protético. Aprendeu a lidar com as ceras e os modeladores com o pai, o velho Narciso. Mas nem
ele sabe quando e como começou a ser folião. Algo assim, bem natural: desinibido, simpático e brincalhão, não podia ficar de fora de todo aquele
ambiente festivo que caracterizava os dias de carnaval.
Ajudou a formar muitos blocos, participou de outros tantos e sempre marcou presença no Filarmônica Santista é
Jeito Nosso, grupo que com instrumentos improvisados, feitos de lata ou à base de pente e papel de seda, infernizava o bairro. Dizem que o mais
sapeca era justamente o filho de "seu" Narciso, o garoto Waldemar.
Não havia quem não o notasse quando saía vestido de baliza, no desfile de Dona Dorotéia. Vai daí que surgiu o
convite para ser nada menos que a própria matrona. Durante 14 anos seguidos alegrou a parada e tomou o tradicional banho em frente à sede do Clube
Saldanha da Gama.
Começou a reinar em 1950 e é, de fato e de direito, o mais velho soberano da folia no mundo. Ao menos, pelo que
se sabe, não houve Momo que durante 32 anos conservasse em seu poder o bastão da patuscada. Parece até uma sina: no Natal, transforma-se em Papai
Noel oficial, enverga o pesado casaco vermelho, usa barbas brancas e cria um mundo mágico para as crianças. No carnaval, ostenta cores e brilho,
canta, dança e alimenta a fantasia dos adultos.
Apesar do rei Momo, o Campo Grande já não tem tanto samba. Não há mais um bloco em cada rua, como antigamente, e
mesmo os mais tradicionais, como a Filarmônica é Jeito Nosso, o Romanos do Campo Grande e o Bloco dos Aborrecidos desapareceram com o crescimento
do bairro. Restou apenas o Favoritas do Sultão que, pressionado pela falta de local para ensaiar e as reclamações contra o barulho dos surdos e
cuícas, abandonou definitivamente a antiga sede da Visconde de Cairu. Foi embora para a Rua Silva Jardim e levou consigo um pouco da história do
bairro. |