Quem não conhece a Biquinha de São
Vicente? A lenda sobre o poder curativo e afrodisíaco de sua água atravessou fronteiras
Imagem: reprodução da página 16 da
publicação (cor acrescentada por Novo Milênio)
Biquinha, santuário de Anchieta
As notícias sobre a água especial que descia de um morro em São
Vicente já eram de conhecimento de Portugal desde 1520, doze anos antes da fundação da cidade.
Na época, quem muito dela se servia era o grupo social formado pelo degredado Cosme Fernandes, localizado atrás da
baía de Paranapuã.
Mestre Cosme Fernandes fora deixado em terras vicentinas durante a expedição de André Gonçalves e Américo
Vespúcio. Após pequena estada na área de São Vicente, que ainda não havia sido fundada, Cosme Fernandes foi para Cananéia, onde deveria permanecer.
Mas, depois de conhecer a beleza daquele primeiro local em que ficara, e de tomar daquela água considerada abençoada, Cosme Fernandes, quatro ou
cinco anos mais tarde, voltou para São Vicente.
Como era um fora-da-lei, construiu seu povoado atrás da baía de Paranapuã, cuja barra não dava acesso para navios
de grande calado. E era daquela água que vertia do morro em frente à praia que Cosme Fernandes se utilizava e, com o passar do tempo, abastecia
navios, aportados nas proximidades, naturalmente os que lhe interessavam.
Saindo do Morro do Tumiaru (antigo Outeiro de São Vicente, depois Morro Santo Antonio, Morro dos Padres e hoje
Morro dos Barbosas), junto à Praia Mahuá, atual Gonzaguinha, existiam três nascentes de água
potável.
Uma das fontes se chamava Fonte do Povoado (Biquinha); a segunda, mais ao centro do morro, era considerada uma
pequena cachoeira e tinha o nome de Fonte dos Padres, que deu origem, inclusive, ao Rio Sapateiro, onde hoje está
localizado o reservatório municipal do Morro dos Barbosas. A terceira fonte, no outro extremo do morro, perto de onde começa a
Ponte Pênsil, era a mais próxima do povoado de Cosme Fernandes, mas ele preferia a primeira delas, por sua beleza.
Naquela época, a água que vertia da Fonte do Povoado desaguava num riozinho, a cem metros da praia, exatamente
onde se encontra a Praça 22 de Janeiro, local depois ocupado pelos jesuítas para suas apresentações artísticas e preleções.
Assim, quando São Vicente foi fundada, uma de suas potencialidades já era conhecida em
Portugal. "O grande problema para os portugueses na santa terrinha era ficar imaginando o gosto dessa água".
Assim brincava o velho Leôncio José de Carvalho, nordestino que faleceu aos 100 anos, em 1984, e que durante muito tempo vinha a São Vicente, pelo
menos uma vez por ano, para visitar os filhos. Um de seus passatempos preferidos era ficar sentado próximo à bica e inventar histórias sobre
portugueses.
Não é fácil fazer uma criança deixar a
Biquinha sem antes alimentar os pombos do local
Imagem: reprodução da página 17 da
publicação (cor acrescentada por Novo Milênio)
Fonte do povoado
Em 1533, com a vinda dos jesuítas, sob a chefia dos padres Manoel da
Nóbrega e Leonardo Nunes, que fundaram o colégio dos Meninos de Jesus de São Vicente, a 80 metros de distância da Biquinha, aquela bica teve uma
nova utilidade.
Padre Leonardo Nunes criava a primeira bica de serventia pública, a atual fonte, quando mandou fazer a captação da
cachoeira do centro do Morro. Todos passaram a frequentar somente a Fonte do Povoado, ou Biquinha.
José de Anchieta começou a frequentar o local somente em 1555, mas foi em
1567, um ano após ter sido ordenado padre na Bahia, que Anchieta veio residir em São Vicente, onde durante dez anos foi o superior do Colégio dos
Meninos de Jesus.
Foi a partir de então que a Fonte da Vila (já não mais se chamava Fonte do Povoado) começou a se tornar célebre.
Isso porque Anchieta dava preferência àquele local para suas práticas religiosas e meditação, além de aulas de catecismo.
Foi ali que se fundamentou sua fama de santidade. Dizem que teria sido ele quem construiu
o primeiro monumento rústico da Biquinha. O mosaico da Biquinha, que retrata cenas de Anchieta ensinando os índios, tem a inscrição do ano de 1553,
mas, desde esse longínquo ano, em que padre Leonardo Nunes oficializou o local como bica, muita história rolou morro abaixo.
O romântico coreto mais parece um
pequeno caminho em direção ao morro. No alto, a grande cruz de pedra bruta, inaugurada em 1974
Imagem: reprodução da página 18 da
publicação (cor acrescentada por Novo Milênio)
A tradição da feira do doce
Além da bica, a Biquinha de São Vicente oferece área de lazer que
compreende uma "Feira de Doces", um coreto, um pombal e um viveiro de peixes.
Funcionando diariamente, a tradicional "Feira de Doces" da Biquinha é muito procurada, principalmente em fins de
semana e temporadas. Formada por quatorze barracas de doces, duas de salgados e três de souvenirs (N.
E.: lembranças turísticas), a feira é uma tradição.
Inácio Euzébio da Silva, com sua barraca de souvenirs, diz que está no local desde 1954, ano em que seu
pai, já falecido, plantou a imensa jaqueira localizada junto ao coreto. Inácio, assim como Odete Fernandes, Sineide Pacífico de Sá e José Pereira,
das barracas de doces, não sabem quando começou o funcionamento daquela atividade.
José Pereira, no entanto, lembra que muito antes de 1954 a feira já funcionava com carrinhos de ambulantes. "Eram
carros de madeira que no final do expediente tinham que ser levados para estacionamentos, um na Rua Padre Anchieta e outro na praça, próximo ao
cruzamento com a Rua Martim Afonso".
De acordo com Sineide Pacífico de Sá, cada barraca oferece doces caseiros que variam de maria-mole a massa
folheada, mas tem também maçã-do-amor, milho verde e pipoca.
Monumento na Praça 22 de Janeiro lembra
a unidade do povo brasileiro
Imagem: reprodução da página 20 da
publicação (cor acrescentada por Novo Milênio)
Herança histórica
Em meio ao verde da Praça 22 de Janeiro - que muitas pessoas também
chamam de Praça da Biquinha - está o monumento comemorativo do IV Centenário da descoberta do Brasil. No monumento,
inaugurado em 22 de abril de 1900, a inscrição em latim: "À sombra da cruz foi feita a aliança das armas, a união das gentes e, sob tais auspícios,
cresceu unido o povo brasileiro".
Toda a praça era conhecida até o século passado (N. E.: século XIX)
como o Campo ou Largo da Fonte. Com a abolição dos escravos, em 1888, passou a se chamar Largo Treze de Maio, até 1918, quando a Câmara Municipal de
São Vicente, através de lei, alterou a nomenclatura de alguns locais, entre eles o da praça.
Nela, além do marco do IV Centenário encontra-se a herma do Padre Manoel da Nóbrega, o marco comemorativo da
fundação da primeira escola vicentina, o Colégio dos Meninos de Jesus de São Vicente, que foi a segunda escola do Brasil, e o relógio de sol.
O relógio de sol é considerado marco primordial do cadastro da cidade, construído durante
a gestão do então prefeito Polydoro de Oliveira Bittencourt, que inclusive morava num dos poucos casarões ainda
existentes na praça.
Inaugurado em 22 de janeiro de 1943, através desse relógio tem-se a referência do nivelamento: altitude desse
marco em relação à aresta do cais de Santos e do preamar médio. Através do quadrante solar é possível obter, inclusive, índices de longitude e
latitude com base na escala W de Greenwich.
A praça é uma extensa área verde destinada ao lazer, reunindo vários monumentos e sintetizando grande parte da
história de São Vicente.
Os bancos sob as imensas árvores e a tranquilidade do local parecem conspirar para que o romantismo floresça. Um
sentimento de carinho, liberdade e tranquilidade parecem tomar conta das pessoas que passeiam pela praça, onde aos domingos é realizada, desde 1974,
a tradicional "Feira Hippie", criada por iniciativa do jornalista Sérgio Salles Galvão.
De repente, principalmente aos domingos e feriados, em meio às barracas e aos monumentos, um apito de trem. Para
os desavisados, primeiro um susto, depois o riso. Para as crianças, a alegria de "viajar" pelas alamedas da praça no trenzinho que tem de tudo,
desde locomotiva, uma réplica da "Maria Fumaça", aos vagões de passageiros, fechados e abertos.
Ir à Praça 22 de Janeiro e não ver as crianças no trenzinho é a mesma coisa que ir à Biquinha e não tomar de sua
água, nem brincar com os pombinhos. |