III
A classe tipográfica foi profundamente
golpeada pelo assassinato praticado na pessoa do estimado tipógrafo Francisco Camargo, quando jantava, à tarde, na Adega do Minho.
Motivou este lutuoso fato uma discussão que Camargo entretinha com Tancredo de Oliveira, àquela
hora, no momento da refeição. O contendor de Camargo, valha a verdade, em preparo intelectual era fraco, e, como todo aquele que não pode vencer
pela palavra, recorreu a uma faca, sangrou a carótida de Camargo e assim pôs termo, infamemente, a uma vida, e, brutalmente, à discussão que não
estava ao seu alcance. O autor do delito tentou foragir-se buscando uma casa da Rua Frei Gaspar, mas ali mesmo foi preso.
Camargo, no dia seguinte, era autopsiado no necrotério do Saboó, pelo dr.
Álvaro Ribeiro, médico legista. O autor do crime entrou em júri, sendo absolvido, e Camargo... entrou para a morada eterna.
Não parou aqui a consternação que invadiu a classe tipográfica de Santos. Antes, porém, do
inditoso Camargo, em madrugada, após o árduo trabalho de imprensa, o ex-colega Diogens Chaves foi, como era próprio de sua idade, buscar em uma casa
de tolerância à Rua do Rosário o divertimento de acordo com sua índole folgazã e um tanto boêmia.
Lá esteve, em companhia de raparigas e rapazes, no calor da mocidade, brindando, com cerveja,
alguma Vênus bordeleira.
Originou-se, não sei por quê, uma desavença qualquer entre Chaves e um outro rapaz que lá estava.
O resultado final da questão foi funesto: o rapaz, em legítima ou ilegítima defesa, vazou com a
ponta da bengala uma das vistas de Chaves, cujo ferimento, segundo o médico, atingiu o cérebro, motivando a morte do ofendido numa enfermaria da
Santa Casa de Misericórdia.
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Meses depois, em manhã belíssima, a população foi alarmada pelo brutal assassinato na pessoa de
Arthur Venancio, também do Diário, em um açougue da Praça José Bonifácio, esquina da Rua
Amador Bueno.
Desconhece-se até agora o móvel do crime. O criminoso, que era um empregado do aludido açougue,
até hoje acha-se foragido.
Segundo as versões, Arthur Venancio recebera profundo golpe de faca na região do ventre. Pôde
ainda caminhar até a esquina da Rua S. Francisco, onde caiu banhado em sangue, sendo momentos depois transportado o seu
corpo, já cadáver, para o cemitério do Saboó.
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Não levou muito tempo, outro colega de arte que então trabalhava na
Cidade de Santos - o Carlos Eugenio - foi morto na linha do Saboó por um elétrico da
City, quando ele se dirigia para sua residência situada no arrabalde Alemoa. Ficou o pobre rapaz
horrivelmente mutilado, sepultando-se em frações, num amontoado de membros colocados no ataúde, medonhamente informe.
Em menos de um ano, pois, a classe tipográfica perdeu 4 de seus membros e cada qual mais
desgraçadamente morto.
Outros fatos de somenos importância ocorreram nessa época e que não merecem atenção.
"Edifício do Diário de Santos"
Foto publicada na edição especial da Revista da Semana/Jornal
do Brasil de janeiro de 1902
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