MÚSICA DE QUALIDADE QUE FICOU NO PASSADO - Com o fim do Conservatório Musical de
Santos, em 2000, uma grande lacuna ficou no ensino da música instrumental. Da antiga escola fizeram parte figuras ilustres, como o maestro
Villa-Lobos, falecido em 1959, e o atual compositor Gilberto Mendes. O conservatório foi comprado pelo Colégio do Carmo em 79, que além de uma
batuta do próprio Villa-Lobos ainda hoje conserva diversos pianos daquele acervo, partituras e diplomas de ex-alunos. Hoje, poucas são as escolas
desse gênero em Santos
Foto: Rogério Soares, publicada com a matéria
CONSERVATÓRIO MUSICAL
Passado para ser lembrado e revivido
Batuta do mestre Heitor Villa-Lobos remete a tempos duros da música na Cidade
Fernanda Mello
Da Reportagem
Guardada em uma caixa forrada com papel inglês florido,
em poder do Colégio do Carmo, uma batuta do maestro brasileiro Villa-Lobos (1887-1959), um dos maiores nomes da música
erudita nacional de todos os tempos, é um exemplo do que Santos representou no cenário artístico do País.
A batuta foi um presente do maestro ao colega de profissão e amigo pessoal
Italo Tabarin (falecido em 1992), que dirigiu o Conservatório Musical de Santos entre 1932 e 1979. "Em outubro
de 1957, Villa-Lobos fez sua última visita à Cidade, quando esteve no conservatório. Lembro que foi um dia muito importante", conta Daisy de
Oliveira Valencia, que foi diretora do conservatório por 20 anos e também secretária de Tabarin. Na época do visitante ilustre, ela era aluna de
música.
Com a morte do diretor, o objeto foi guardado por Daisy, que o repassou à direção do
Colégio do Carmo, que adquiriu o Conservatório Musical em 1979. Neste ano, a unidade foi transferida da Rua Sete de Setembro, no
Centro, para a Ponta da Praia, onde permaneceu até o seu encerramento em 2000.
Hoje a batuta do compositor das Bachianas Brasileiras está sob os cuidados de
Luiz Smolka, diretor de patrimônio do Carmo. "Quando compramos o Conservatório Musical de Santos, recebemos a batuta, os pianos, as partituras,
diplomas e outros documentos", explica.
Guardada em uma caixa, batuta do mestre está no Colégio do Carmo
Foto: Rogério Soares, publicada com a matéria
Para uma loira - Em madeira e assinada pelo próprio Villa-Lobos, na data de 31
de setembro de 1930 (setembro tem 30 dias), a batuta traz uma homenagem do maestro a uma certa aluna loira que o teria inspirado durante um
concerto. "Dirigi o concerto Synphonico de S. Paulo Illuminado pelos 'louros' dos cabellos da aluna, da intelligencia e do coração de
Antonieta Rudge", escreveu Villa-Lobos na batuta.
Além de ter assinado com seu nome, ele ainda completou: "Pertence ao 'Véio'.
31/9/930". Segundo Daisy, Véio era o apelido de Villa. Antonieta Rudge foi uma das grandes pianistas brasileiras e também diretora do
Conservatório Musical de Santos, ao lado do maestro Tabarin. 930 seria o ano de 1930.
Na parte interna da tampa da caixa que guarda o instrumento, o maestro Daniel Misiuk,
da Orquestra Acorde para as Cordas, expressou a emoção de ter regido com a batuta de Villa durante sua participação em um espetáculo no Colégio do
Carmo. "Este foi um dos dias mais especiais da minha carreira como regente, tendo a grande honra de empunhar a batuta do grande Mestre Villla-Lobos.
Este momento ficará marcado para sempre em minha vida".
Luiz Smolka lembra que Misiuk quase chorou quando lhe foi oferecida a batuta. Smolka
não sabe precisar o valor histórico do objeto que pertenceu a Villa-Lobos. Diz, no entanto, que nunca se mencionou sua venda.
No detalhe, a última visita de Villa-Lobos à sede do conservatório
Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria
Santos tem urgência de uma faculdade
O compositor Gilberto Mendes, um dos ex-alunos
ilustres do Conservatório Musical de Santos, acredita ser uma "vergonha" uma cidade como Santos não possuir uma faculdade de música. "São duas
vergonhas, não termos faculdade de música e um piano de cauda".
Promovendo há mais de 40 anos o Festival Música Nova em Santos, Mendes, que também foi
professor da Faculdade de Música derivada do Conservatório Musical de Santos, lembra que a faculdade da Cidade foi, não só uma das primeiras
privadas do País, como também uma das mais organizadas. "Santos é uma cidade ligada à história da música e não tem, como Cubatão, uma escola pública
para ensinar essa arte".
Tendo iniciado sua formação no Conservatório Musical de Santos, Gilberto Mendes estava
lá em outubro de 1957, quando Villa-Lobos fez sua última visita à escola. "Ele regeria à noite no Teatro Coliseu, e passou o
dia no conservatório à disposição dos alunos e dos professores".
Outra personalidade que Mendes lembra ter passado pelo antigo local foi o poeta
modernista Mário de Andrade, o idealizador da Semana de Arte Moderna de 1922. "Ele deu aula de História da Música, sua especialidade".
Considerada uma das maiores pianistas do Brasil, Antonieta Rudge, que dividiu a
direção do Conservatório de Santos com o maestro Tabarin, não dava aula para iniciantes, mas, para sorte do aluno Gilberto Mendes, o aceitou em suas
palestras. "Acho que ela foi com a minha cara. A escola tinha vários professores de renome, o maestro Jovino de Benedicts, Ângelo Camin, um dos
grandes organistas brasileiros, entre outros".
Luís Gustavo Petri, regente titular da Orquestra Sinfônica Santos, faz coro com
Gilberto Mendes a respeito da falta de uma escola de música. "Minha idéia é criar uma escola municipal para a formação de novos instrumentistas para
integrarem a nossa orquestra no futuro. Este seria um trabalho com um resultado a longo prazo".
Transição - Em 1930, o então Conservatório Musical de Santos passou a ser
considerado pelo Departamento Nacional de Estatística um estabelecimento de ensino especializado superior. Em 1965, os cursos de instrumento e
composição e regência foram reconhecidos e, em 1971, foi a vez do curso de canto ser reconhecido pelo Governo Federal. Em 1976, pela qualidade do
conteúdo, o curso de música do Conservatório foi transformado em Educação Artística, com Licenciatura em 1º Grau e Licenciatura Plena em Música.
Em 1979, com a transição do Conservatório para o Carmo, a Faculdade de Música ganhou
dois novos cursos: Licenciatura Plena em Instrumento e Licenciatura em Artes Cênicas.
Gilberto Mendes faz críticas e Petri quer criar
uma escola
Fotos: arquivo, publicadas com a matéria
Hoje é difícil manter uma escola do gênero
Mudanças na sociedade e a falta de interesse dos jovens para estudar música são
apontados pelo diretor de Patrimônio do Colégio do Carmo, Luiz Smolka, como os motivos para o fechamento do Conservatório Musical de Santos, em
2000. No mesmo ano, a então Fundação Lusíada fechou a Faculdade de Música, que estava sob sua direção desde 1991.
"Hoje é difícil. Para o aluno estudar piano, ele precisa treinar em casa. Os
apartamentos não têm espaço para o instrumento que, além do mais, custa caro", argumenta.
Meire Berti Gomiero Fonseca, pianista e professora de Educação Artística e de Regência
de Coral, da Escola Henrique Oswald, confirma a dificuldade de se manter uma escola do gênero nos dias de hoje. "Os alunos são muito imediatistas,
querem aprender os instrumentos mais rápidos, como o teclado".
Ela também lamenta a redução no número de conservatórios na Cidade e de corais nas
escolas. "A música faz falta, porque o ser humano precisa dela para desenvolver sua sensibilidade, e a voz é um instrumento pelo qual não precisamos
pagar".
Diretor da Escola Simonian de Música, José Simonian conta que é difícil trabalhar até
mesmo com os jovens interessados em estudar música. "Entramos na deles, desde que eles estudem nosso material. Somos uma escola livre e
popular, mas temos conteúdo. Matérias como História da Música e Músicas Folclóricas os afugentam".
Segundo Simonian, o violão e a guitarra são os instrumentos mais procurados pelos
alunos, que visam o aprendizado pela satisfação pessoal ou para tocar em alguma banda.
Para Daisy de Oliveira Valencia, ex-diretora do Conservatório Musical de Santos, e que
hoje atua como professora de música voluntária em uma creche, a música tem o poder de fortalecer a personalidade das crianças. "É uma pena que se
use CD com eles. A educação musical na infância traz tantos benefícios, entre eles, a melhoria do comportamento".
Professor de Composição, Camargo Guarnieri deu aula para Almeida Prado e Gilberto
Mendes
Foto: reprodução, publicada com a matéria
Piano e história de um patrimônio da música
Um piano francês Pleyel, de 1928, que fazia parte do acervo do Conservatório Musical
de Santos, foi vendido pelo Colégio do Carmo há cerca de seis meses.
Segundo a professora e coordenadora de música da escola, Denise Smolka, o instrumento
não está mais em Santos. "Não sei dizer quem comprou, porque foi uma iniciativa da administração do colégio".
Ela, no entanto, desconfia de que o piano usado para a preparação de grandes músicos
formados no Conservatório, entre eles Gilberto Mendes, pode ter feito duas participações especiais nas novelas Belíssima e Páginas da Vida,
da Rede Globo. "Em uma das últimas cenas da novela Belíssima, a Bia Falcão (Fernanda Montenegro) aparece em Paris perto de um piano como o
que foi vendido".
Em Páginas da Vida, na cena em que o piano de Luciano (Rafael Almeida) é puxado
da rua para dentro do apartamento pela janela, também se trata de um Pleyel.
O diretor de patrimônio do Carmo, Luiz Smolka, diz que na escola há cerca de 10
pianos, alguns remanescentes do antigo Conservatório Musical de Santos, além de partituras e diplomas de ex-alunos. Os pianos são usados durante as
aulas de música, de balé e em cerimônias de formatura.
Formação - Fundado em 1927, por Luiz Wetterlé, e M. Nascimento Jr., fundador de
A Tribuna, entre outros, o Conservatório Musical de Santos foi a escola que preparou o compositor Gilberto Mendes e o pianista Almeida Prado,
entre outros, que passaram pelas mãos de mestres da música, como Camargo Guarnieri, maestro e professor de Composição, e Angelo Camin, que, além de
vice-diretor do Conservatório, era organista oficial do Teatro Municipal de Santos. "O Conservatório não era apenas
freqüentado por santistas, vinham alunos de São Paulo para estudar aqui", recorda Daisy de Oliveira Valencia.
Para relembrar os tempos do Conservatório Musical de Santos, haverá uma reunião, no
próximo dia 11, com participação de ex-alunos e professores, em uma casa no Gonzaga.
Daisy dirigiu o conservatório
Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria
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