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Publicado em 26 de outubro de 1992 no jornal santista A Tribuna
Publicado digitalmente em 23/02/2003 13:59:18
Última modificação em 05/11/2024 23:56:37
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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CIDADE FESTIVA
A vida noturna de Santos (3)

Bandeira Jr. (*)
Colaborador

O quente da Boca foi a boate Flamingo, do espanhol Jesus de Castro Duran, com a grande atração de Elvira e Suas Golden Girls e apresentação de cartazes como: Ângela Maria, Cauby Peixoto, Orlando Silva, Carlos Galhardo, Altemar Dutra, Dalva de Oliveira, Roberto Luna, Francisco Egídio, Lana Bittencourt, Agostinho dos Santos, Noite Ilustrada, Luciene Franco, Dóris Monteiro, Carlos Alberto, Leila Silva, Nelson Ned, o humorista Raul Gil, Demônios da Garoa (que se notabilizaram com Trem das Onze, de Adoniran Barbosa) e El Rey Del Bolero Gregório Barrios. Nos prólogos desses shows exibiam-se, na pista do Flamingo, os balês de Tia Ju (Jussara Lins) e de Guacy Mahu, além de emocionantes strippers.

Cléia Maria foi considerada a melhor cantora de 1967 a 1977

Estranhamente, em 1971, o Flamingo fechou por dificuldades financeiras... A partir daí, com a decadência da falada Boca, outras boates ganharam prestígio em pontos diferentes da cidade. Hodiernamente, animam as noites santenses os seguintes endereços: a bacanérrima Number One, do Parque Balneário Hotel, Le Coq D'Or, do Mendes Plaza; The Pink Panther e a recém-inaugurada Granfinalle, no Universo Palace; as discotecas Lofty, dinamizada pelo Tony Martins, e a Zoom, na Cinelândia; o Bar da Praia, com seus shows artísticos e culturais; o Baile do Abílio, às segundas-feiras, no Centro Espanhol, dedicado aos "menos jovens"; a danceteria Madagascar, sob a direção do Julinho da Boca; o Bar Cachaça Brasil, o Mingo Show Danças, os três na Vila Matias; e o bar-musicado Tempero's, no Marapé.

Para os aficionados do nosso ritmo, o popular Alemão (Alberto F. Oliveira Júnior) oferece, no salão de mármore do Santos Futebol Clube, Samba Por Inteiro, de sexta a domingo e, às segundas-feiras, o Vem Ke Tem churrasco, cerveja e muito samba no pé, com os mais animados conjuntos de pagode da Baixada.

Da ex-zona boêmia de Santos, quatro nomes merecem menção especial: o dirigente de shows Carlan, a lady-crooner Cléia Maria, o maestro Tobias Troisi e o boss Custódio Gomes Martins.

Carlan, gaúcho de Bagé, escolheu Santos para fixar residência desde 1947 até falecer em 1975. Ninguém de mais bom gosto que Carlan para vestir, ou melhor, despir coloriais coristas nos espetáculos de rebolado, graças à sua experiência teatral como cantor lírico, lançado pelo grande Vicente Celestino em 1932, na capital riograndense.

Carlan, cantor e coreógrafo
Nos cassinos e boates, Carlan montava pequenas revistas em que demonstrava todo savoir fair [N.E.: saber fazer] nos cenários, no guarda-roupa e nos motivos - "Você já foi à Bahia?", chegou a ser aplaudido na própria...; quer dizer, gaúcho dando lições de vatapá aos baianos!

Carlan, cantor, cenógrafo, coreógrafo e métteur-en-scène dos mais competentes, dizia que aprendeu contracenando, no Cassino da Urca, com festejados artistas como Carmen Miranda, Francisco Alves, Carolina Cardoso de Menezes, Éros Volúsia, Siwa, Luz Del Fuego e as irmãs Baptista, Pagãs e Marinho e renomados cartazes estrangeiros como Pedro Vargas, Hugo Del Carril, Francisco Canaro, Margarita Lecuona, Libertad Lamarque e muitos outros.

A cantora Cléia Maria é paulista de Porto Feliz. Sua carreira começou em Curitiba para consolidar-se em Porto Alegre, onde o inspirado compositor Lupiscínio Rodrigues, em artigo repassado de ternura, comparou-a à carioca Horacina Correa, rival de Carmem Miranda na fase de ouro da M.P.M. Como vocalista do famoso Marimbas de Cuzcaclan, Cléia percorreu os países do Cone Sul-Americano, com muitos aplausos à sua bela voz de timbre metálico. Voltando a Porto Alegre, Cléia juntou-se a outro conjunto musical que percorreu o Nordeste e, no retorno, Cléia teve a felicidade de passar por Santos, onde está até hoje, atraída pelas belezas de nossas praias debruadas por sete quilômetros de floridos jardins.

Atuando na Boca e em quase todos os clubes sociais, Cléia Maria ganhou uma multidão de fãs e foi, por consenso geral, a nossa melhor cantora de 1967 a 1977, quando encontrou seu príncipe encantado e a felicidade de um casamento duradouro!

Tobias Troisi - considerado o melhor violino do País - nasceu na Paulicéia em 1918, com acentuada inclinação para a música; formou-se, com distinção e louvor, em 1938, no Curso de Concertista do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Com bolsa de estudos do governo brasileiro, Tobias percorreu toda Europa, fazendo cursos de aperfeiçoamento. Mesmo dedicando-se à música erudita, Tobias nunca desprezou a popular. Veio para a orla com a Orquestra de Luiz Argento, atuar no Cassino de São Vicente. Aqui casou com uma santista e ganhou duas filhas, nascidas à sombra do Monte Serrat.


Tobias Troisi fez muito sucesso

Com o fechamento do jogo, Tobias foi, a convite do maestro Vicente Paiva, atuar no Cassino da Urca. No Rio, nosso grande violinista integrou, também, a fabulosa Orquestra de Simon Boutman, na Boate Meia Noite, do Copacabana Palace. Comparado com o internacional Georges Boulanger, Tobias regravou aqui todos os sucessos desse extraordinário violonista gaulês. Exibindo-se na Boca, Tobias, segundo a opinião dos donos de casas noturnas, mudou até o comportamento dos habituês, com o mavioso som do seu violino.

Juntando-se ao grande bandoneonista argentino Ramon Torreyra, formou a melhor típica, talvez, do Brasil. Num concurso de tango, nos salões da Humanitária em 1969, com a presença do cônsul da Argentina, Don Raul Ares de Pargas, sra. Hilda Romanez de Bolo, adida cultural da Embaixada Argentina e outros nomes do top-set santense, a Típica Ramon Torreyra & Tobias Troisi foi intensamente elogiada.

Certa feita, acompanhamos o falecido Norberto Pereira, relações-públicas do Santos F.C., que, nessa função, ciceroneava o casal otomano Gunduz Kiliç - médico da seleção turca de futebol - que veio ao Brasil para conhecer Pelé (estava ausente de Santos) e o nosso ritmo. Antes de entrar no Samba Danças, passamos pelo vizinho Lanterna Vermelha, em cujo tablado atuava o Violinos Mágicos de Tobias Troisi. Conversando em francês, o maestro soube da nacionalidade do ilustre casal (ela, irmã do embaixador da Turquia, na Suíça) e, para homenageá-lo, solou a Marcha Turca de Mozart, comovendo o casal até as lágrimas.

Tobias faleceu e foi sepultado nesta cidade em 1986.

(*) Bandeira Jr. é historiador e escritor em Santos. Este artigo foi publicado em cinco partes, nas edições de 12, 19, 26 de outubro, 2 e 9 de novembro de 1992, no jornal santista A Tribuna. As imagens são reproduções do arquivo do autor.

Veja as partes [1], [2], [4] e [5] desta série


Música de fundo: Trem das Onze, de Adoniran Barbosa, convertida de arquivo tipo MID