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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CIDADE VERMELHA
Recordando a Nova Moscou (2)
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Cidade portuária e cosmopolita, antenada com as tendências mundiais e bastante politizada, Santos vivia intensamente, às vésperas da Revolução de 1964, toda a agitação política e social que caracterizava esse período no Brasil.

A ampla organização sindical, a quantidade expressiva de greves dos trabalhadores, com inúmeras bandeiras vermelhas e o símbolo da foice e do martelo nas manifestações dos grevistas, ademais, contribuíram muito para que a cidade ganhasse, nessa década, o epíteto de Nova Moscou, significando com isso a afirmação de que seria um dos pontos de grande efervescência do comunismo fora da então União Soviética - grupo de países sob regime comunista que girava em torno da capital russa, Moscou, ainda por trinta anos mais.

A cidade pagou caro por esse apelido, na forma de forte repressão política, declaração de zona de segurança nacional e conseqüente cassação da autonomia para escolha de seu prefeito por quase duas décadas. Porém, a partir do final do século XX, a cidade mudou seu perfil político, fato que foi registrado em matéria de 30 de novembro de 2008 pelo jornal santista A Tribuna (página A-5):

HISTÓRIA
O ocaso da cidade vermelha

A partir de meados dos anos 90, Santos iniciou uma gradual migração para forças consideradas de centro-direita

Luiz Fernando Yamashiro

Da Redação

"Santos sempre foi cidade difícil. Ao contrário de cidade do Interior, onde as pessoas se apascentam na modorra daquele cotidiano sem grandeza, Santos sempre pareceu aos meus olhos se debater no fogo de suas contradições. Foi a cidade mais vermelhamente comunista do Brasil".

No limiar do século 21, a Santos retratada pelo escritor Nelson Salasar Marques parece uma peça de ficção. Não é. De fato, a cidade que neste ano praticamente sepultou a esquerda nas eleições municipais já foi chamada, um dia, de Porto Vermelho - em alusão à efervescência sindical e à resistência a regimes ditatoriais, como o Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945).

No entanto, se a vitória de Barack Obama (N.E.: presidente dos Estados Unidos, que assumiria o cargo em 20 de janeiro de 2009) é considerada por analistas uma guinada à esquerda na terra do Tio Sam, Santos vem percorrendo o caminho inverso há mais de uma década. Após cometer o pecado de eleger um prefeito negro e de oposição aos militares em 1968, plena ditadura, os santistas ainda conduziram por duas vezes o PT ao Paço Municipal antes de iniciar, em meados dos anos 90, uma gradual migração para forças consideradas de centro-direita.

No pleito de 2008, o vermelho desbota de vez: juntas, as três candidaturas de esquerda - PT, PSB e PSOL - não atingem um terço dos mais de 190 mil votos que reelegem João Paulo Tavares Papa, do PMDB, à Prefeitura. A Cidade, definitivamente, mudara de cor.

Mudou a esquerda? - Para explicar a mudança, aplica-se a teoria do Caos: um muro que cai na Alemanha pode desviar o curso da história no litoral brasileiro.

Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Instituto de Pesquisas A Tribuna (IPAT), Alcindo Gonçalves relaciona o fim da cidade vermelha à crise que atinge os partidos de esquerda desde a queda do muro de Berlim, em 1989. Cita também a volta da democracia ao Brasil, que teria "esfriado" a polarização direita-esquerda no Município.

Mas é na política local que, segundo ele, está o fator decisivo para a mudança de rumo: o racha no PT, dividido em trincheiras lideradas por Telma de Souza e David Capistrano Filho. "A briga, durante o mandato do David, desgasta a imagem do governo e do partido e influi na eleição do Beto Mansur, em 1996, que era oposição frontal a eles", avalia.

A partir dali, continua Alcindo, o PT municipal "se perde, não se renova, não tem um discurso claro" e sofre novas derrotas. O quadro é agravado a partir de 2005, quando escândalos como o mensalão - suposta compra de votos de congressistas para aprovar projetos do Governo Lula - desgastam a legenda em nível nacional. "O efeito disso em Santos, onde predomina uma classe média, foi devastador. Tanto é que, em 2006, deputados petistas como Telma, Mariângela Duarte (federais) e Fausto Figueira (estadual) não se reelegem".

Ou mudou a cidade? - Para a também cientista política e professora universitária Clara Versiani dos Anjos, junto com a derrocada mundial da esquerda, Santos passa a vivenciar uma desarticulação dos movimentos sindicais, sufocados pela ditadura militar a partir dos anos 60.

Já na década de 90, transformações econômicas - como a privatização do Porto - provocam a migração de parte da população a municípios vizinhos e consolidam Santos como uma cidade majoritariamente de classe média.

Clara acredita que a esquerda local foi incapaz de adequar seu discurso a essas mudanças. "Em 2004, por exemplo, já não tinha tanto sentido você falar em policlínicas quando boa parte do eleitorado tinha planos privados de saúde".

No início de agosto de 1983, santistas lotaram a Praça Mauá e ocuparam as escadarias do Paço para comemorar o restabelecimento da autonomia
Foto: arquivo, publicada com a matéria
 

Ex-vereador responsabiliza ditadura

Vereador de 1977 a 1982, Luiz Norton Nunes registrou em ata o momento em que, segundo ele, as cores da cidade começaram a mudar: o vácuo entre 1969 e 1984, quando, declarado área de segurança nacional, o Município perdeu a autonomia política (a população ficou privada do direito de eleger seu prefeito e o interventor era escolhido pelo regime militar).

Ao final de um simpósio sobre a autonomia dos municípios realizado na Câmara Municipal em 1980, o então líder do PMDB relata em sua carta de princípios: "As cidades ingressam em acelerado processo de empobrecimento assim que seus moradores não podem mais escolher livremente seus dirigentes, e a população deixa de se interessar e de participar do processo político, preferindo manter-se alienada".

Norton, que militou na advocacia sindical por quase 30 anos, lembra que as entidades eram o principal foco de mobilização política na era pré-militar. "Depois, além da repressão, as leis ficaram mais abrangentes e os sindicatos ficaram com um campo de ação muito restrito".

FRUSTRAÇÃO

"Ficou claro que o capitalismo não trouxe a felicidade prometida. Temos que encontrar outro caminho"

Luiz Norton Nunes, vereador à Câmara durante seis anos

Oportunidade - Hoje, apesar de filiado ao PSB, o ex-vereador vê a esquerda dividida e cada vez com menos espaço, em um período marcado pela individualidade. "As questões coletivas perderam força. Agora, infelizmente, é cada um por si".

No entanto, vislumbra na atual crise do capital especulativo uma oportunidade de a humanidade repensar suas escolhas. "Ficou claro que o capitalismo não trouxe a felicidade prometida. Temos que encontrar um outro caminho, e a esquerda terá um papel decisivo nisto".

Prefeitos de Santos
Eleito Partido Mandato
Oswaldo Justo (PMDB) 1984-1988
Telma de Souza (PT) 1989-1992
David Capistrano (PT) 1993-1996
Beto Mansur (PP) 1997-2000
Beto Mansur (PP) 2001-2004
João Paulo Tavares Papa (PMDB) 2005-2008
João Paulo Tavares Papa (PMDB) 2009-2012

 

COMENTÁRIO

De Moscou Brasileira á repressão do regime militar sobre sindicatos

 

De Alessandro Atanes [*]

A cidade de Santos já foi conhecida por Barcelona Brasileira, Moscou Brasileira, Cidade de Prestes, Cidade Vermelha e, traduzindo o latim da bandeira, cidade da Liberdade e da Caridade. São epítetos que simbolizam cores políticas da cidade de esquerda ou, no mínimo, progressista.

Dois trabalhos históricos recentes analisaram esse aspecto do imaginário da cidade: as obras Operários sem Patrões: Os trabalhadores de Santos no entreguerras (Unicamp, 2003), de Fernando Teixeira Silva, e Porto vermelho: A maré revolucionária (1930-1951) (Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, 2001), de Rodrigo Rodrigues Tavares. É Tavares quem avisa que esses epítetos tiveram diferentes usos, tanto pelo movimento sindical como por intelectuais ou pelo aparato repressor. O Partido Comunista Brasileiro, por exemplo, como estratégia de crescimento em todo o Brasil, evitava relacionar Santos com Moscou em seus documentos. Já a polícia não hesitava em usar termos como "cidade vermelha" ou "Moscou brasileira" para insuflar resistências contra a expansão do ideário comunista no resto do país.

Foi Jorge Amado um dos responsáveis pela entrada de parte dessas expressões no imaginário da cidade em Agonia na Noite (1954), segundo volume da trilogia Subterrâneos da Liberdade, em que o mundo do trabalho em Santos, Salvador e Rio de Janeiro é transformado em palco da luta entre comunismo e capitalismo. No episódio em Santos, baseado em fatos reais, estivadores comunistas se recusam a embarcar café em um navio nazista cujo destino era a Espanha fascista governada por Franco.

Na década seguinte, Pablo Neruda, comunista como Jorge Amado, escreveria Santos Revisitado, poema de A barcarola (1967) em que registra suas impressões sobre o trabalho dos estivadores: "Terra maldita, espero/que arrebentes um dia, de alimentos, de sacos mastigados/e de eterno suor de homens que já morreram/e forma substituídos para continuar suando". Em Sombras sobre Santos. O longo caminho de volta (Prefeitura de Santos, 1988), que tem como epígrafe o poema de Neruda, os jornalistas Ricardo Marques da Silva e Mauri Alexandrino registram a repressão da ditadura militar a trabalhadores, sindicatos e intelectuais da cidade.

Ao fim do "longo caminho", durante a redemocratização, são escritos os romances Ensina-me a ler, de Juarez Bahia, e Barcelona Brasileira, de Adelto Gonçalves. O primeiro, publicado em 1989, traça as memórias de um intelectual progressista de Santos entre as ditaduras do Estado Novo e a que se iniciou em 1964; o segundo, embora só publicado no Brasil em 2002, apresenta uma trama de assassinato em meio às greves anarquistas de 1917, escrita no início dos anos 80, cujo protagonista é um poeta, médico e anarquista, baseado em Martins Fontes. Em comum entre as duas obras, o conteúdo extremamente político desse momento posterior à censura oficial.

Na década de 90, durante os governos petistas, a Prefeitura de Santos publica, entre outros, uma série de livros sobre a história dos trabalhadores portuários, o que reacende o simbolismo da "cidade vermelha". Na década seguinte, já no século 21, pesquisas como as de Tavares e Silva ampliam esses estudos.

Em tempos neoliberais, enquanto os historiadores ampliam os estudos sobre a cultura do trabalho, a ficção se volta para as relações entre porto e cidade. É o caso de Alberto Martins, autor dos poemas de Cais (2003) e da novela História dos ossos (2005), do livro de mesmo nome, em que o Cemitério do Paquetá, privatizado, é derrubado para dar espaço a um pátio de contêineres, cena improvável na vida real, mas emblemática da pressão das operações portuárias sobre o tecido urbano de Santos.

[*] Alessandro Atanes, jornalista, é mestre em História Social pela USP com dissertação sobre as obras de ficção que tratam do porto de Santos.

Rebeldia
1930 - Muito antes do golpe militar de 1964, Santos já havia perdido sua autonomia política, na Revolução de 30, que levou Getúlio Vargas à Presidência da República. A situação só se normalizou em agosto de 1936.

1946 - Estivadores se recusam a carregar um navio espanhol com café brasileiro. O ato foi um protesto ao ditador Francisco Franco, que governava a Espanha. O episódio foi parar no romance Agonia da Noite, de Jorge Amado.

1960 - Para forçar diretores da empresa Moinho Paulista a comparecer a uma audiência na Justiça do Trabalho, o Fórum Sindical coordenou uma greve de trabalhadores de várias categorias. Foi a primeira paralisação de uma cidade na história do Brasil. (Raul Soares, um navio tatuado em nós - Lídia Maria de Melo, Pioneira, 1995).

1964 - Após o golpe, Santos ainda se recusava a declarar apoio ao governo militar, o que cidades vizinhas como São Vicente já haviam feito. Assim, o então prefeito José Gomes foi cassado no dia 14 de junho, junto com o presidente da Câmara, João Inácio de Souza. (Sombras sobre Santos - O longo caminho de volta - Ricardo Marques da Silva e Carlos Mauri Alexandrino, Secult, 1988).

1968 - Em plena ditadura, Esmeraldo Tarquínio, negro, candidato de oposição ao regime militar, é eleito prefeito. Foi cassado em março do ano seguinte. Oswaldo Justo, seu vice, se recusa a assumir a Prefeitura, em solidariedade a Tarquínio.

1984 - Com a autonomia recuperada, Oswaldo Justo, do PMDB, é eleito com 35% dos votos. Fernando Oliva (PDS), o candidato dos militares melhor colocado, obteve 2%.

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