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Publicado em: 19/01/2025 07:46:38
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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ESTRADAS
Um farol no meio da mata

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Quem, descendo à noite da capital paulista para a Baixada Santista pela rodovia Imigrantes, seguir pelo trecho de interligação no Planalto com a Via Anchieta (SP 040/150 - Rodovia Perito Criminal Engenheiro Antonio Carlos Moraes), pode ser surpreendido com um círculo iluminado por forte luz branca, em meio ao arvoredo da floresta do lado direito. Se estiver em veículo de passeio, nem perceberá, é preciso que esteja em um veículo de cabine mais elevada, como um ônibus ou caminhão, para uma visada sobre o topo das árvores.

Em todo o mundo, a primeira lembrança de quem vê essa estrutura costuma ser associada, com suas luzes e seu formato circular, à imagem tradicional e popularizada pelo cinema do que seria um disco voador (UFO ou OVNI, rebatizado em 2022 pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, no Pentágono, como Fenômeno Aéreo Não Identificado - Unidentified Anomalous Phenomena - UAP).

Se passar de dia, nem perceberá que ali existe uma estrutura diferente, acessível apenas por um caminho de terra que parte da estrada de interligação e não tem qualquer placa indicativa de que ali existe, no meio da floresta, uma estranha instalação militar de apoio à aviação: um radiofarol em plena atividade.

Ainda em atividade, melhor dizendo, porque as modernas tecnologias de navegação por satélite geoposicionado GPS, já permitem aposentar aquele equipamento, da mesma forma como, a bordo dos navios, bússola e sextante são apenas parte de um ritual de sobrevivência e aprendizado por que passam os oficiais de náutica. E há de fato planos para o encerramento dessas instalações já em estudo em diversos países.

Advertência - Apesar da falta de placas visíveis da estrada, não é recomendável iir até lá. Primeiro, por ser uma instalação militar, de acesso restrito e não preparada para receber visitantes imprevistos. Segundo, porque um radiofarol pode atuar com fortes diferenças de potencial elétrico, magnetismo e ondas de rádio em frequências que prejudiquem equipamentos eletrônicos dos visitantes, não blindados contra tais interferências. A própria saúde de alguns visitantes pode ser afetada, se em algum momento o equipamento ficar desregulado.

Basta lembrar que o espectro de radiofrequência, além do uso em telecomunicações, inclui desde microondas dos fornos até magnetismo, as da luz (do infravermelho ao ultravioleta) e dos raios X e gama... (Wikipédia - Espectro Eletromagnético).

Se a sua intenção é conhecer o local, como em qualquer casa onde vá, primeiro localize os "proprietários" (Força Aérea Brasileira) e peça sua autorização. Se eles concordarem, agende dia e hora para a visita (acompanhada por eles...) e siga as instruções que eles lhe passarem. A propósito, não por acaso, esse tipo de instalação não consta em nenhum guia turístico.

A instalação, no meio da mata
Imagem: Google Earth, obtida em 15/1/2025 por Luiz Antonio Castro

Uma das pessoas que já observara intrigado as curiosas luzes na mata, várias décadas atrás - além do jornalista editor de Novo Milênio, que muitas vezes as viu, ao passar nas décadas de 1980 e 1990 por aquela interligação Imigrantes-Anchieta no Planalto - foi o internauta Luiz Antonio Castro (que na década de 1980 atuava em Santos fazendo a manutenção de instrumentos de navegação nos navios do Lloyd Brasileiro, tendo como referências para calibração os sinais do farol da Ilha da Moela e do aeroporto paulistano de Congonhas). Ele enviou a Novo Milênio uma imagem do Google Earth do ponto onde se originavam as misteriosas luzes vistas da estrada.

Como explicava na mensagem, "trata-se de uma antena, instalada no Alto da Serra, num topo de morro, localizado à direita de quem toma a interligação Imigrantes-Anchieta, sentido SP-Santos, aproximadamente no meio desse trecho. A antena é visível por quem trafega para Santos e tem uma estrada de acesso, sem sinalização, que sai da Interligação".

Ele já havia (sem sucesso) buscado em outros lugares saber do que se tratava essa instalação. E acrescentava: "daquilo que conheço de antenas, nunca vi algo assim circular e feericamente iluminado que servisse de antena, a qualquer propósito que fosse. Supus, a certa altura, que fosse antena do sistema Congonhas. Mas não conheço dispositivo similar na via da cabeceira da pista oposta, pista 17, o que seria de esperar, por similaridade de instalações de apoio ao voo".

A instalação, no meio da mata, mostrada a partir de imagens por satélite pelo Google Earth
Detalhe de imagem: Google Earth, obtida em 15/1/2025 por Luiz Antonio Castro

Como a imagem mostrava as coordenadas geográficas -23º53'26"S 46º31'40"W - o passo inicial foi examinar melhor o local, e o Google Maps deu a primeira pista: ao se aproximar a imagem em visão tridimensional (3D), apareceu o nome daquela instalação: Rede VOR-DME - Estação de rádio, em "Finco, São Bernardo do Campo - SP".

Imagem do Google Maps/3D revelou o nome da instalação.
Imagem: Google Maps/3D, obtida em 15/1/2025 por Novo Milênio

A imagem mostra a antena e seu círculo de luzes, um pouco afastada das demais instalações de apoio, protegida pela vegetação no topo de um morro ao qual conduz uma estradinha rudimentar que parte da interligação rodoviária. Comparando com imagens mais antigas da região, foi possível comprovar a inexistência, ao longo dos anos, de qualquer placa na rodovia identificando o local.

A bem do rigor na explicação, é preciso esclarecer que não é uma antena, mas um total de 50 antenas brancas equidistantes, dispostas em círculo e fortemente iluminadas à noite, ao redor de uma antena central.

Como um círculo tem 360 graus angulares, cada antena portanto representa um raio de 7,2 graus, transmitindo (de modo independente das demais) um sinal numa certa direção, correspondendo aos ângulos dos 50 raios em que foi dividido esse círculo. Os equipamentos do avião, captando estes sinais, conseguem identificar sua posição em relação ao radiofarol e a distância entre a aeronave e esse equipamento em terra.

O citado 'acesso recente' se refere justamente à pesquisa feita por Novo Milênio.
Detalhe de imagem do Google Maps/3D

Site do Ministério da Aeronáutica brasileiro explica a instalação VOR: um radiofarol
Imagem: reprodução de tela do site Sirius/Decea (acesso: 19/1/2025)

VOR: um radiofarol

Com esses dados, logo foi encontrado na Internet mais detalhamento da estação. No site do programa Sirius, mantido pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) da Força Aérea Brasileira, é explicado:

"VOR – Radiofarol Omnidirecional em Frequência Muito Alta

"Estações de rádio destinadas a apoiar as operações de navegação aérea, que transmitem ondas eletromagnéticas omnidirecionais (radiais), em faixa de frequência muito alta (VHF, entre 112,0 e 117,9 MHz). Embora de alcance limitado à linha de visada, apresenta resultados qualitativos bastante melhores do que o NDB. A sua instalação se dá, normalmente, em conjunto com uma estação DME, assim conformando uma instalação VOR/DME."

Um pequeno glossário para detalhar aos leigos essa explicação:

- VOR (Very High Frequency Omnidirectional Range) é um equipamento eletrônico que começou a ser usado na época da Segunda Guerra Mundial, para auxiliar a navegação aérea em todo o mundo. Mais: Wikipédia: VOR.

- NDB é um radiofarol não direcional (Non-Directional Beacon), um radiotransmissor instalado em posição geográfica fixa e conhecida, que emite sinais de radiofrequência nas bandas de LF, MF e às vezes UHF (frequências ultra-altas).

- DME (Distance Measuring Equipment) é um equipamento de radionavegação que permite determinar a distância de uma aeronave em relação a um ponto localizado com precisão no mapa de um terreno. Mais em Wikipédia: DME.

- LF (onda longa ou onda de baixa frequência do espectro eletromagnético) é a que se situa na gama de 30 a 300 quiloHertz (kHz).

- MF é a onda média, na faixa de 530 a 1700 kHz, geralmente usada pelas emissoras de rádio em Amplitude Modulada (AM)

- UHF (Ultra High Frequency ou Frequência Ultra-Alta) é o nome dado à faixa de radiofrequências entre 300 MHz e 3 gigaHertz - GHz

- VHF é a sigla inglesa para designar ondas de rádio transmitidas em frequências muito altas (Very High Frequency, de 30 a 300 megaHertz - MHz).

Pelas características da radiotransmissão, pode-se simplificar bastante e dizer que quanto mais curtas as ondas, mais longe essa transmissão tende a alcançar. Antes das facilidades criadas pela Internet, as emissoras de rádio internacionais, por exemplo, usavam a faixa de SW (Ondas Curtas - OC) para suas transmissões, enquanto emissoras de alcance nacional empregavam MW (Ondas Médias - OM) e as emissoras locais as LW (Ondas Longas - OL). O público as conhece pelo tipo de modulação, AM ou FM (ou se modula a amplitude ou a frequência).

Existem outros detalhes e tipos de ondas, como as tropicais (OT em português ou TW em inglês), de 2.300 a 5.060 kHz, usadas por algumas emissoras para alcançar áreas mais difíceis como na Amazônia, onde outras ondas não têm boa performance para comunicação radiofônica. Quem quiser ampliar conhecimentos neste assunto pode consultar na Wikipédia a página Rádio e seus vínculos.

Vale recordar que as emissoras de televisão, que operavam de modo analógico na faixa VHF com 12 "canais" identificados em cada região, de 6 MHz cada um), migraram para UHF ao se digitalizarem em anos recentes, com 69 canais (reduzidos para 55), e para as redes por assinatura. Em 2025, preparando a chegada da TV 3.0 (acessada por aplicativos e não mais por números de canais, interativa e integrada à Internet), o Ministério das Comunicações está criando uma nova faixa de sinal composta por VHF alto (174-216 MHz) e UHF (470-608 MHz e 614-698 MHz).

Explicações necessárias - Antes de continuar, é necessário lembrar algumas noções de trigonometria e goniometria. Basicamente, se a pessoa consegue ver dois pontos distantes já conhecidos e traçar uma linha reta de cada um deles até onde ela se encontra, poderá saber exatamente onde está: no cruzamento dessas duas retas, sendo a distância desde aqueles pontos até a pessoa registrada por meio de cálculos trigonométricos - que consideram o ângulo em graus formado por aquele cruzamento das duas retas.

Foi com estudos assim que o matemático Erathostenes e outros sábios gregos calcularam com admirável precisão a circunferência do planeta Terra, apenas observando a posição da sombra do Sol ao meio dia do solstício de Verão em dois lugares (Syena (atual Aswan ou Assuã) e Alexandria, ambas no Egito), mais de 2.250 anos atrás. Aliás, hoje se sabe ainda que, antes dos gregos, os babilônios já faziam estudos semelhantes, 3.700 anos atrás, como os constantes na placa de argila denominada "Plimpton 322", encontrada no século XX no sul do Iraque.

O primeiro oficial de náutica Francisco Lopes manipula o sextante. O equipamento à sua direita é uma bússola, usada para orientar manobras do navio cargueiro Bianca
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 17 de agosto de 1990

Para alguém se localizar em algum ponto do planeta, usa um sistema de coordenadas geográficas (latitude e longitude, como citado no alto desta página para a localização do radiofarol na Serra do Mar, ou nos telefones celulares, para encontrar um endereço no mapa). Nos navios, além do sextante (usado há séculos para se calcular a posição das caravelas, a partir da observação do Sol ou de uma estrela), usava-se ainda em fins do século XX um aparelho receptor de rádio, o radiogoniômetro ("gonio", no linguajar dos tripulantes), como o desta foto:

gonioSintonizava-se uma estação conhecida, na melhor recepção possível, e anotava-se a posição da reta entre o navio e essa emissora, em graus, informada pela escala de referência do aparelho. Fazia-se o mesmo com outra estação conhecida, e no mapa de navegação traçava-se duas retas nos ângulos fornecidos desde essas duas (ou mais) estações: o navio estaria localizado no mapa no ponto representado pelo cruzamento dessas retas, anotando-se então as suas coordenadas geográficas.

gonioNota: enquanto nas estações de rádio os locutores informam seus prefixos de identificação, há uma classe de estações costeiras, as Racon, citadas naquela matéria de 1990, que transmitem sinais em código Morse (quem lembra do SOS, o sinal internacional de socorro, formado por três pontos para a letra 'S', três traços para a letra 'O' e novamente os três pontos para 'S', assim ... --- ... ?).

As estações VOR também transmitem seu prefixo de identificação por meio desse código de pontos e traços, captado nas telas de radar e em áudio, e que os equipamentos modernos já traduzem automaticamente em suas telas. Na imagem acima, de 1990, é vista a letra 'Q' ( --.- ) chegando numa tela de radar. As cartas náuticas marítimas e aéreas relacionam as estações e seus prefixos, com as respectivas coordenadas.

O editor de Novo Milênio teve ocasião de experimentar esse processo durante viagem de Recife a Manaus a bordo do navio cargueiro Bianca, da armadora nacional Aliança, em agosto de 1990, antes que tais equipamentos fossem definitivamente aposentados. No caso do radiofarol, existem a bordo das aeronaves equipamentos que captam os sinais por ele emitidos, permitndo fazer um cálculo de posição semelhante.

Radiofarol assemelhado ao da Serra do Mar, também do tipo VOR-DME
Foto publicada no site espanhol One Air (acesso: 19/1/2025)

Um detalhe importante é que o equipamento na Serra do Mar transmite dois tipos de sinais: um reto e um omnidirecional (identificando cada uma das 50 direções daquele círculo). Na cabina dos aviões, eles são captados por dois instrumentos: o Course Deviation Indicator (CDI - indicador de desvio de curso/rumo) e o Horizontal Situation Indicator (HSI - Indicador de Situação Horizontal). Isso elimina a necessidade de se localizar dois transmissores distantes entre si, já que é possível fazer automaticamente um cálculo comparando a forma de recepção daqueles dois sinais da mesma origem.

É por isso que não há na região outro equipamento desse tipo, como o que o internauta Luiz Carlos esperava encontrar junto ao aeroporto de Congonhas, na capital paulista. Em espanhol, o site One Air explica em detalhes o sistema (acesso: 19/1/2025) e também aponta os motivos pelos quais esses equipamentos estão se tornando obsoletos, com a bem difundida navegação por satélite e também pelo uso do sistema de aterrissagem por instrumentos ou Instrumental Landing System (ILS).

Estação VOR-DME em Warburg, na Alemanha
Foto: Tsungam, em Wikimedia Commons, 19/4/2018

A estação VOR-DME da Serra do Mar, identificada em Ourairports.com
Imagem: captura de tela em 19/1/2025

Completando a identificação das instalações às margens da via de interligação Imigrantes/Anchieta, na Serra do Mar: são do tipo Rede VOR-DME, transmitindo em frequência pareada DME de 116,70 MHz, com o identificador de prefixo RDE ( .-.  -..  . ), localizando-se em elevação de 2.215 pés/675 metros MSL (isto é, sobre o nível médio do mar).

Carta Aeronáutica em SkyVector com a estação VOR-DME na Serra do Mar
Imagem: captura de tela em 19/1/2025

Veja mais:

 Um documento para os nerds: em 2/2011, a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) preparou uma licitação para substiuir ou instalar 24 novos radiofaróis DVOR/DME. O documento detalha a terminologia e características dessas instalações (veja o arquivo PDF de 34 páginas >>em Novo Milênio<< ou no endereço original >>aqui<<).

 Aviões dependem disso! Como funciona a Antena de VOR? - Aero por Trás da Aviação (Youtube, português)

 VOR na aviação: o que é e como funciona? (2024)

 Funcionamento do VOR

 Como funciona um VOR e como ele é utilizado? Parte 1 / Parte 2

 VOR | Radioayudas IFR | Mundo Aeronáutico (Youtube, em espanhol)

 VOR Explained Simply | How VOR Works | IFR Training (Youtube, em inglês)

 What is a VOR? Explained by Captain Joe (Youtube, em inglês)

 NSS e outras estações de rádio usadas para acertar os relógios santistas

Omni Bearing Selector (OBS), exemplo de indicador VOR a bordo das aeronaves
Imagem publicada em Aviões & Músicas.com, acesso em 19/1/2025

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