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página 7 do jornal paulistano O Estado de São
Paulo, de 9 de outubro de 1928
A emocionante tragédia da Rua Conceição
Pormenores sobre a descoberta e prisão do homem que pretendeu embarcar, para
Bordéus, uma pesada mala com o cadáver mutilado da esposa - O criminoso, abatido pela insônia e tomado de
excitação nervosa, não pôde ser interrogado ontem - Uma entrevista obtida no local do crime e que fixa novos detalhes da tragédia - várias
apreensões efetuadas pela polícia - As provas coligidas contra o indiciado
Continua
a empolgar o espírito público a horripilante tragédia de que foi teatro um quarto do apartamento n. 5,
3º andar do prédio n. 34 da Rua da Conceição. É e continua sendo o objeto obrigatório de todas as palestras. A ferocidade de que deu mostras o
criminoso, as diligências concatenadas e rápidas da polícia, deram uma feição impressionante ao sangrento drama.
O dia de ontem decorreu calmo para o criminoso, que não está em estado de ser interrogado. Passou
noites sem dormir, numa grande depressão nervosa. Velou durante toda a noite de ontem e, no correr do dia, ao ser interrogado pelo dr. Carvalho
Franco, verificou aquela autoridade ser impossível obter mais informações. Por conselho médico, foi José Pistone removido para o xadrez.
Receitaram-lhe um calmante. Depois que tenha dormido e repousado, será novamente interrogado.
Foram, porém, efetuadas várias diligências pela delegacia de Segurança Pessoal. Numerosas
testemunhas prestaram depoimentos, tendo sido reconhecidas peças de roupas, de uso da vítima.
Vistoria no local do crime – Funcionários do Laboratório de Técnica Policial, o dr. Carvalho
Franco e o delegado regional de Santos, dr. Armando Ferreira da Rosa, ontem, às 14 horas e 10 minutos, dirigiram-se ao local do crime, no prédio da
Rua da Conceição n. 34.
Tudo foi cuidadosamente examinado pelos funcionários do Laboratório e por aquelas autoridades.
Foram observadas apenas ligeiras manchas no chão, não se podendo, porém, precisar a sua causa.
O inquilino do apartamento não estava presente; sua esposa, porém, d. Maria Sitrangulo de Oliveira,
atendeu às autoridades, indicando a posição em que tinham sido colocados os móveis pelo casal Pistone.
O quarto foi medido e examinado em todos os sentidos, paredes e soalho, e arrecadados pela polícia
alguns objetos, que ficaram no quarto e que tinham sido recolhidos pela dona do apartamento.
O quarto em que habitava o casal Pistone tem duas portas e uma janela, que dá para uma área
interna. Uma das portas, que dá para o corredor da entrada, era a de que se serviam os Pistone, e a outra estava sempre fechada, tendo um
guarda-vestidos em frente.
É essa uma circunstância que vem depor contra o assassino. No seu primeiro interrogatório na
polícia, declarou que o amante de sua esposa tinha saído e indicou essa saída – justamente a porta vedada pelo móvel.
Portanto, a alegação de que eliminou a esposa porque do quarto dela saíra um homem, que tomou por
seu amante, torna-se muito suspeita à vista da indicação dada sobre o caminho tomado por ele para se esquivar diante de sua legítima cólera.
Regresso da caravana – Depois de levantado o local, o fotógrafo do Gabinete bateu várias
chapas, do quarto e do prédio em que se desenrolou o crime.
A moradora do apartamento prestou todas as informações de que a polícia necessitava, narrando
novamente tudo o que percebeu, ela e uma sua filhinha de 11 anos de idade, após o crime.
Realizadas essas diligências, a caravana policial regressou para o Gabinete de Investigações,
levando uma lata grande, de biscoitos, dentro da qual estavam alguns prendedores para roupa lavada, uma tesourinha, algumas pérolas fantasia de um
colar e um compêndio de música.
Essas pérolas fantasias, desde logo, despertaram a atenção dos funcionários da Técnica Policial,
porque sobre o cadáver foi visto e arrecadado, no necrotério do Saboó, em Santos, um colar de pérolas idêntico.
Esses objetos foram remetidos pelo dr. Carvalho Franco para o Laboratório de Técnica Policial, a
fim de serem submetidos a exame.
Os inquilinos do apartamento e os sublocatários – A reportagem d'O Estado de S. Paulo,
para bem informar os nossos leitores, entrevistou, no correr das diligências realizadas pela polícia no apartamento, a senhora Maria Sitrangulo de
Oliveira.
Visivelmente impressionada, ao ser interrogada pelo nosso representante, narrou detalhadamente o
que lhe foi dado ver.
Suas declarações são importantes porque vêm firmar alguns pontos, ignorados ou obscuros até agora.
O quarto – disse-nos aquela senhora – tinha sido alugado por 100$000 mensais e hoje faz
precisamente um mês que para aqui se mudou o casal Pistone.
Eram muito unidos e pareciam adorar-se. Ao regressar ele do serviço, às 17 horas e tanto, Maria Féa
Mercedes ia esperá-lo à porta do prédio.
- Viviam tão agarradinhos que minha filhinha Mimi, menina muito viva, dizia: "que gente mais
enjoada". Ele chegava, abraçava Maria, beijava-a e entravam. Conversavam animadamente, às vezes brigavam, alteravam-se, mas daí a momentos, saíam
para jantar ou para o teatro.
Levavam vida muito retraída. Quando ele saía após o almoço, ela entrava para o quarto e passava o
dia inteiro trancada no aposento. Não recebia visitas. Uma única vez, quando Maria Fea Mercedes se achava doente, aqui esteve uma senhora em visita.
Seu marido estava presente e essa visita, era a esposa de Francisco Pistone, aparentado com eles e
em cuja casa estava trabalhando José Pistone. Nunca homem algum esteve aqui, nunca vi e afirmo isso porque poucas vezes me afasto de casa, e quando
o faço é apenas por alguns minutos.
No dia do crime – Na semana atrasada, não me lembro em que dia – continuou a senhora Maria
Sitrangulo – tiveram forte discussão. Ela chorou e ele falou por muito tempo em tom alterado. Apesar de rodar o quarto, incomodada com aquela cena,
não me foi possível entender coisa alguma.
As brigas entre eles eram frequentes porém, passada a tempestade saíam juntos, mais amigos do que
nunca. Assim decorreu a vida do casal até quinta-feira última.
Nesse dia, logo pela manhã, ele saiu para o serviço em casa de Francisco Pistone, onde, aliás, não
era assíduo, trabalhando alguns dias e falhando outros, como depois vim a saber.
Ao regressar José Pistone para o quarto, às 12 horas mais ou menos, eu estava em casa com a minha
filhinha menor, de quatro anos – que ali está, disse a nossa informante chamando para si uma menina.
Eu lavava a louça suja, do almoço, quando ouvi que o casal estava discutindo novamente, com
desusada violência. Cheguei-me novamente para o corredor para ver do que se tratava. Passei em frente ao quarto deles, mas nada pude entender do que
falavam. A discussão era em tom violento. Ela chorou, que ouvi. Subitamente, em tom baixo, falava o homem. Dois gritos abafados, porém distintos,
arrepiaram-me o cabelo, qualquer coisa rolou no quarto, provavelmente a mesinha de centro que eles tinham.
O início do mistério – O barulho da queda do objeto no quarto dos inquilinos, os gritos
abafados, verdadeiros estertores, e o súbito silêncio que se seguiu à violenta discussão, arrepiaram-me os cabelos. Voltei para a cozinha.
Vergavam-me as pernas. Sentei-me na cadeira e assim estive por muito tempo.
A curiosidade, porém, impeliu-me quando ouvi barulho de José Pistone, que se retirava. Postei-me no
corredor, à sua passagem.
- Como está sua senhora? Indaguei de José Pistone.
- Muito nervosa, porém, nada de grave. À noite levá-la-ei a um teatro e tudo estará passado. Até
logo. E saiu.
O quarto permaneceu trancado e nada turbou, durante o resto do dia, o seu silêncio.
Comuniquei o fato ao meu marido Ramiro Franco, que me sossegou, dizendo que, provavelmente, eles
estavam envergonhados com a cena que tinham promovido no quarto e que por isso evitavam de aparecer.
Todavia, sentia-me mal, apesar das observações do meu marido. Minhas filhinhas, a Mimi e esta
pequena, também permaneciam desassossegadas. Pairava qualquer coisa em nossa casa…
À noite, às 19 horas mais ou menos, José Pistone entrou como de costume. Cumprimentou-me com
afabilidade e, abrindo o quarto, entrou, fechando-se.
Daí a minutos, saiu e tornei a perguntar-lhe pela esposa.
Ele disse-me que ela continuava doente, nervosa e que por isso a levaria para uma casa, na Barra
Funda, para onde se mudariam.
A sua sogra, mãe de Maria Féa Mercedes, devia chegar pelo Massilia e iriam morar todos
juntos.
Tirou então uma cédula de 200$000 para pagar o aluguel do quarto. Eu fui buscar o troco e, ao
devolver-lhe 150$000, ele admirou-se. Foi-me preciso explicar que sua esposa, dias antes, me dera, por conta do aluguel, 50$000.
Os passos do criminoso – Ele saiu e fiquei remoendo as minhas desconfianças – continuava
dizendo a nossa interlocutora. Era, pois, possível que ele ignorasse que sua mulher me tinha entregue 50$000?
José Pistone passou a noite fora de casa.
Esses fatos todos se deram na quinta-feira.
Na sexta-feira, logo pela manhã, José Pistone voltou para o quarto. Era acompanhado por uma mala,
cuja cor não fixei, tendo, todavia, a certeza de que não é a que se encontra no Gabinete de Investigações e que serviu de esquife para Maria Féa
Mercedes. A mala do crime veio depois.
José Pistone pouco se demorou no quarto, e daí a uma meia hora, quando saiu, levou consigo duas
malas, uma que eles tinham quando para aqui se mudaram e a outra que ele tinha comprado nesse dia.
Logo que ele chegou, perguntei-lhe:
- Vai viajar?
- Não, é para arrumar roupa. Como a senhora sabe, vamos nos mudar para a Barra Funda, para onde
levei minha mulher, que já está arranjando a casa. Assim que minha sogra chegue, levá-la-ei para lá e vamos viver todos juntos.
O pressentimento continuava a perseguir-me tenazmente. Eu ia saindo no momento para comprar gêneros
de que precisava em casa. Não sei o que me deu. Não queria sequer esperar o troco, queria voltar imediatamente para casa, onde ficara a minha
filhinha Mimi. Demorei-me 10 minutos, se tanto. Quando voltei, José Pistone já tinha ido embora e Mimi me disse que ele levara as duas malas. O
homem do elevador e porteiro da casa, Francisco José Pereira, viu quando ele se retirou com as malas.
Nesse dia entrou aqui, durante a tarde, a mala bege que ia servir de caixão mortuário. Eu não vi
chegar; porém, o porteiro viu.
Espelho indiscreto – José Pistone esteve à tarde no quarto e foi ele quem recebeu a mala
sinistra.
Escute: a Mimi, minha filhinha que tem 11 anos, estava constantemente rondando o quarto e viu a
mala. O quarto dele estava, não sei como, com a porta entreaberta. Pistone, talvez num estado de excitação nervosa terrível, não notou esse
pormenor. O espelho do porta-chapéus, como o senhor vê, fica em frente à porta do quarto e reflete, portanto, o que ali se passa, se o aposento
estiver com a porta aberta. Pois bem, a Mimi, chegando-se para o espelho, viu o seguinte: Pistone estava curvado para a mala bege e com as mãos
forçava, empurrava qualquer coisa para acomodá-la. A tampa da mala não deixava ver o que era que ele tanto empurrava na mala.
Saiu novamente o criminoso e voltou no dia seguinte. Retirou a mala bege sem que eu visse e foi
para a estação. Daí a minutos voltava, porém, acompanhado de um russo, baixo, gordo e com um defeito na vista. O homem vinha ver os móveis. Achei
estranho que um homem, que acabava de montar casa e que se dizia rico, vendesse seus móveis.
O quarto vazio e abandonado – A mala bege já não estava no quarto. O russo entrou e começou
a avaliar os móveis. A dúvida continuava a atormentar meu espírito.
- O senhor que acaba de montar casa, vai vender seus móveis? Indaguei dele, ansiosa.
- Não, senhora. Não estou vendendo os móveis. Estou avaliando porque necessito comprar outros para
a casa.
Dei-me por satisfeita e retirei-me. Isto, no sábado pela manhã. Vieram carroças ou caminhões – não
sei ao certo – e fez-se a mudança. Ele tinha quatro latas de sardinha no quarto. Chamou-me e disse-me que estava de mudança e que por isso, se eu
apreciava sardinhas, teria imenso prazer em dar-me aquelas latas.
Aceitei e as latas estão ali.
Retirado tudo, ficou no quarto alguma lã do travesseiro, uma lata de biscoitos vazia, alguns
pregadores de roupa lavada, papéis rasgados e miudezas. Varri o quarto e arrecadei os objetos que pareciam aproveitáveis para entregá-los a Pistone,
mais tarde, porque antes dele sair me disse que, dentro de alguns dias, assim que sua sogra chegasse e tivesse terminado a sua instalação, viria
visitá-la acompanhado de sua esposa e sogra.
Pedindo desculpas por alguma falta involuntariamente cometida, retirou-se.
Ao ver as fotografias nos jornais, tive imediatamente quase certeza do que se desenrolara nesta
casa e procurei a polícia, acompanhada do meu marido.
A polícia veio até aqui e o resto o senhor já sabe – terminou a senhora Sitrangulo.
Algumas notas – Essas declarações da moradora daquele apartamento são, como se pode ver
claramente, de grande valor. Um ponto é muito bem fixado, o qual está em desacordo com as declarações de José Pistone. É quanto ao tempo em que ali
residia o casal. Aquela senhora diz claramente que hoje faz um mês que eles tomaram o aposento, em desacordo com o que afirma Pistone, dizendo estar
em São Paulo há 36 dias, tendo residido quase um mês no Hotel do Oeste. Porém, esse ponto é de fácil elucidação. Basta, para isso, uma consulta ao
registro de hóspedes daquele hotel.
É necessário frisar que José Pistone despachou a mala para Santos logo pela manhã, no trem das 8
horas e 10 minutos. Somente à tarde é que seguiu para aquele porto, às 18 horas e 50.
Durante a primeira noite em que teve o cadáver no quarto, Pistone vagou sem destino pelas ruas. Na
segunda noite, pernoitou na chamada pensão Grasso, à Rua Ipiranga, 30. Seguiu para Santos. Naquela cidade, hospedou-se no hotel Roma. Descoberto o
crime, coisa de que estava inteirado, passou a noite de domingo para segunda-feira vagando pelo cais e praias, vindo para São Paulo, onde foi preso
à tarde.
Uma navalha quebrada – A polícia, logo que estabeleceu a identidade do criminoso José
Pistone, e assim que apurou ter ele vendido os seus móveis ao russo Max Tablow, à Rua Santa Ifigência, 90-A, arrecadou-os para exame.
Numa das gavetas do guarda-vestidos foi encontrada uma navalha, quebrada, sem vestígios de sangue.
Levada para o Gabinete de Investigações e apresentada ao criminoso, ele reconheceu a arma, dizendo que foi com esse instrumento que seccionou as
articulações da coxa. Depois de acondicionado o cadáver na mala, lavou-a cuidadosamente, motivo pelo qual não apresenta vestígios de sangue.
Soube também a polícia que, dentro dos móveis comprados a Pistone, tinham sido encontrados trapos,
papéis velhos, rasgados, e outras coisas. Os empregados da casa de móveis de Max Tablow limparam os móveis e lançaram ao lixo esses objetos
imprestáveis.
Foi aí que a polícia encontrou a prova decisiva, esmagadora, que revela perfeitamente a calma com
que agiu o criminoso.
A lata de lixo foi levada para o Laboratório de Técnica Policial e examinado seu conteúdo.
Antes, porém, tinha sido examinado o colchão da cama do casal, não sendo encontrado o menor
vestígio de sangue, assim como nos móveis comprados pelo negociante russo.
A prova decisiva estava na lata de lixo.
Provas esmagadoras – Esvaziada a lata de lixo no Laboratório de Técnica Policial, foi o
conteúdo examinado cuidadosamente.
Foram encontrados então alguns pedaços de uma corda fina, igual à que amarrava a mala sinistra.
Esses pedaços apresentavam vestígios de sangue.
A prova completa, porém, da ferocidade de José Pistone, não tardou a aparecer.
Conforme estão lembrados os nossos leitores, quando se procedeu à autópsia do cadáver da vítima, no
necrotério do Saboó, a camisa que estava sobre o corpo tinha cortado um lugar – onde possivelmente havia um monograma. Pois bem, esse pedaço
arrancado da camisa achava-se no lixo. Tinha claras, muito bem bordadas, as iniciais da vítima "M. F.". Essa descoberta alvoroçou o pessoal do
Laboratório. Correram à busca da camisa, ali depositada para o exame, e verificavam que se adaptava perfeitamente ao buraco ali deixado, assim como
que o pano era idêntico. A prova estava pois completa, dispensando por assim dizer as outras, colhidas tão laboriosamente pela polícia, em
sucessivas diligências.
A prisão do criminoso – Mais alguns pormenores adiantamos, hoje, aos nossos leitores, sobre
a prisão de José Pistone.
Conforme noticiamos, Pistone desceu, no Largo da Sé, do automóvel que o trouxe de Santos, guiado
pelo chofer Gil Gloria.
Seus passos então não são conhecidos por enquanto, por não poder o criminoso, devido ao estado dos
seus nervos, prestar esclarecimentos à polícia. Todavia, sabe-se que, pouco antes de ser preso, Pistone esteve no bar "Milanez", à Avenida São João,
153-A. Ali abandonou um pacote com impressos, os quais foram entregues à polícia. Esses impressos, que são faturas, têm os seguintes dizeres:
"Pistone Carlo – negoziante – Canelli – Solfato di Rame – Oli – Salumi – Solfi – Granagile – Commestibili – Foraggi".
Como se sabe, Carlos Pistone é o nome do pai do criminoso, que, nesta capital, se dizia
representante daqueles produtos com que seu progenitor negociava na Itália.
Daí, dirigiu-se, provavelmente, para a casa de Grasso, à Rua Ipiranga, 30, onde se encontrou com
João Iéco, morador à Rua Conselheiro Nébias, 66, com Grasso, o proprietário da casa e com o filho deste, Eugenio Grasso.
Esses homens comentavam justamente o "caso da mala". Momentos antes, por Francisco Pistone, parente
do criminoso, souberam que ele tinha sido intimado a comparecer à polícia, que estava na pista de José Pistone, acusado de ser o autor do crime.
Confissão do crime – Esses homens contaram a Pistone que ele estava sendo acusado de ser o
autor do crime.
- Isso não tem importância, porque a minha mulher está sossegadamente em casa, na Barra Funda.
- Vá então à polícia contar isso, porque senão eles te prendem na rua, quando menos o esperares.
Ele então saiu em companhia de João Iéco, para ir buscar sua mulher e ir à polícia. Tomaram um
bonde da linha Barra Funda, e depois de inúmeras voltas, Iéco, cansado já de não ver a casa de José Pistone, interpelou-o novamente. Pistone então
confessou que de fato era o autor do crime. O bonde passava então pela Rua José Roberto.
Voltaram os dois para a casa de Grasso, onde Iéco os pôs ao par da confissão. Aconselharam então a
Pistone que se apresentasse à polícia, obtendo a resposta de que ele não faria isso e que ia suicidar-se.
Tentaram demovê-lo, aconselhando que procurasse um advogado, e com esse pretexto meteram-no num
automóvel, com a intenção de o levarem para o Gabinete de Investigações.
Quando o motor se punha em movimento, outro automóvel se encostou ao dele e um homem disse a
Pistone que tinha chegado uma carta para ele. Era Aldo Penone, residente à Rua Barra Funda n. 88, o qual estava acompanhado de inspetores de
polícia, que detiveram o criminoso.
Aldo Penone, que é filho de Pio Penone, fabricante de vinhos, residente em Canelli, província de
Alessandria, na Itália, conheceu Pistone, que é natural da mesma cidade, há poucos dias, quando ele
ainda estava procurando casa para mudar-se.
Pistone, que se apresentara em sua casa, acompanhado da esposa, pediu permissão para determinar que
sua correspondência fosse endereçada para a casa de Aldo, por estar ele em vésperas de mudar-se. Aldo acedeu e, segunda-feira última, ao meio dia,
recebeu uma carta da Argentina, endereçada a Maria e José Pistone.
Quando os inspetores foram procurá-lo, por indicação de Francisco Pistone, que sabia que a
correspondência de José devia ir para sua casa, Aldo disse que o homem que a polícia seguia estava em casa de Grasso, para onde se transportou em
sua companhia.
As declarações tomadas ontem – No correr do dia de ontem a polícia tomou declarações de
várias pessoas, sendo também lavrados autos de reconhecimento de roupas, do criminoso etc.
João Iéco, Eugenio Grasso e Pedro Grasso prestaram depoimento. O proprietário da fábrica de malas,
Domingos Mascigrande, estabelecido à Avenida São João, 111, também foi ouvido. O balanceiro da estação da Luz e o despachante fizeram suas
declarações, que foram tomadas por termo.
O negociante Max Tablow, que adquiriu os móveis de José Pistone pela quantia de 370$000 e que lhe
custaram 850$000, também foi chamado para prestar esclarecimentos, e as suas declarações constam do inquérito.
Francisco José Pereira, porteiro do prédio da Rua da conceição, 34, onde se deu o crime, Ramiro
Franco e sua esposa d. Maria Sitrangulo de Oliveira, locatários do apartamento, foram ouvidos pelo dr. Carvalho Franco. Aquela senhora reconheceu
algumas peças de roupas de uso da vítima, entre elas um quimono de uso caseiro, camisas que cobriam o cadáver etc.
Francisco Pistone, estabelecido à Rua da Conceição, 58, prestou declarações de que damos resumo.
Disse que há 15 dias se apresentou em sua casa, declarando-lhe ser seu parente. Recebeu-o bem e arranjou-lhe o quarto do apartamento n. 5 do 3º
andar a Rua Conceição, 34, e deu-lhe ainda um emprego em sua casa.
Pistone declarou-lhe que possuía 18.000 liras, pedindo-lhe que as guardasse. Dias depois, disse que
eram apenas 16.000 liras e finalmente trouxe apenas 12.000 liras, que ficaram depositadas em nome de sua mulher.
Declarou mais outros pormenores, que já consignamos. Apenas destacamos essa parte, quanto ao
dinheiro, para referir-nos à suposição corrente nos meios policiais de que Maria Féa Mercedes foi assassinada por causa de 3.000 liras que
desapareceram, das 15.000 que possuía o casal. Não se sabe, porém, se esse dinheiro pertencia a Maria ou a José Pistone.
O criminoso deve pertencer a família abastada, porque, segundo declarou, mandou pedir à sua
progenitora, na Itália, 160.000 liras, de que precisava para tornar-se sócio de Francisco Pistone. Esse pedido foi recusado.
Outra coisa corrente nos meios policiais, quanto ao crime, é que acreditam as autoridades ter-se
verificado o esganamento quando Maria Féa estava deitada. Ela foi estrangulada sobre a cama, é o que pensam a locatária do apartamento, segundo
declarou à nossa reportagem, e o dr. Carvalho Franco.
Prosseguem as diligências sobre o caso, e hoje deverão ser ouvidas novas testemunhas.
Repercussão no Rio de Janeiro
Rio, 9 (A.B.) - O caso do assassínio de Maria Féa Mercedes continua impressionando vivamente
a população. Os jornais publicam pormenorizadas notícias sobre essa tragédia, bem como farta documentação fotográfica.
Rio, 9 (H.) – Os jornais continuam ocupando-se do crime da mala. Alguns deles enviaram a
essa capital fotógrafos e repórteres, que estão mandando minuciosas informações sobre o trágico sucesso. O público se interessa extraordinariamente
pelo acontecimento, seguindo, com avidez, a marcha dos trabalhos da polícia paulista. Esta é geralmente elogiada pela rapidez com que agiu no caso,
descobrindo o criminoso e prendendo-o logo em seguida.
A figura de Maria Féa desperta uma comovida piedade e há, em torno do conhecimento de sua
fotografia, grande curiosidade. |