A embarcação da CR começou a navegar em 1883
Em 12 de janeiro de 1872, compareceram perante Jean Dufour, tabelião em Paris, Henri Fould, Jules Masurier, Adolphe Binoche, Louis Auguste Leuba, Max Kann, Robert Quesnel, William
Henri Heydecker, Paul Mirabeau e Jules Vignal, todos residentes na capital francesa e que eram, ou banqueiros, ou negociantes, ou armadores, para a assinatura do ato de constituição de uma empresa que seria denominada Chargeurs
Reunis (Societé Anonyme) Compagnie Française de Navigation à Vapeur.
A iniciativa da criação de uma nova sociedade armadora havia partido de Jules Vignal. Este banqueiro parisiense havia decidido que era necessário fazer algo para o bem da França, país que havia, apenas alguns anos
antes, saído derrotado da Guerra Franco-Prussiana de 1870.
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Jules Vignal decidiu que era preciso fazer algo pelo bem da França
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Já proprietário direto de interesses financeiros e comerciais na Argentina, Jules Vignal visualizou que a criação de uma nova ligação marítima regular entre o Hexágono francês e a América do Sul redouraria o brasão
e o prestígio de seu país através do mundo.
Além disto, Vignal sabia que a América Latina estava destinada a crescer, seja em termos de população e econômicos, seja como mercado fornecedor de um grande número de produtos agrícolas que eram procurados na
Europa de então: trigo, peles, lã, madeiras, frutas e outros.
Além desses pontos, havia outro argumento de incentivo para os novos armadores: a emigração européia em direção às terras da América do Sul.
Já em 1875 a Chargeurs Reunis (CR) fora autorizada pelo governo francês a entrar no transporte de emigrantes e um primeiro contrato foi assinado no mesmo ano, com o consulado brasileiro de Marselha, para o embarque
de 4 mil emigrantes, a maioria provindos da Itália.
No ano seguinte, outro acordo, desta vez com autoridades argentinas, dava à CR o direito exclusivo de embarque de emigrantes a partir do Porto de Le Havre (França).
Subseqüentemente, quando espanhóis e portugueses começaram a emigrar em grande número, novos acordos com Portugal e Espanha permitiam à CR escalar em La Coruña (Espanha), Lisboa (Portugal) e Las Palmas (Ilhas
Canárias, no Oceano Atlântico) para o embarque desses emigrantes.
No ano da fundação da CR, a marinha mercante francesa era constituída por tão somente 177 mil toneladas de navios a vapor, contra 900 mil toneladas de navios a vela, o que demonstrava o enorme potencial que o vapor
ainda possuía, em termos de crescimento numérico.
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O navio a vapor tinha um enorme potencial de crescimento
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Em artigos precedentes, já analisamos a expansão da frota da CR nos 15 anos transcorridos da data de sua fundação até o aparecimento do
seu transatlântico Paraguay em 1888.
O desenho final do Paraguay havia sido baseado nos protótipos construídos em 1882/1883 e que levaram os nomes de Uruguay e Rio Negro. Todos os três mencionados navios foram construídos nos
estaleiros do Ateliers & Chantiers de La Loire, no Porto de Saint Nazaire, França.
O Uruguay foi lançado ao mar em setembro de 1882, mas só ficou pronto em junho do ano seguinte, enquanto o Rio Negro teve construção mais rápida, sendo lançado e aprestado no decorrer de 1883.
O Uruguay zarpou de Le Havre para o Brasil e o Prata em sua viagem inaugural no dia 4 de julho de 1883. Era um navio de capacidade mista, transportando, porém, somente passageiros de terceira classe, ou
steerage. Possuía máquina do tipo compound, com quatro caldeiras cilíndricas, que lhe davam uma potência de 1.650 hp, dois mastros e uma chaminé.
O Uruguay, atracado no trapiche do Consulado no porto de Santos, por volta de 1888/1889
Foto: reprodução, publicada com a matéria
A carreira deste vapor foi constelada por um número significativo de acidentes e incidentes, a tal ponto que levava, entre os próprios marinheiros da CR, o pouco louvável apelido de le malchancheux, ou seja,
"o azarado".
Da longa lista dos problemas acontecidos com o vapor, só destacaremos alguns. Logo no início de suas atividades, perde, uma após outra, as quatro pás de seu único hélice, quando se encontrava em travessia no
Atlântico Sul.
Com o auxílio das velas (que ainda eram de uso comum naqueles idos como meio auxiliar de propulsão), é levado até Pernambuco e depois, a reboque do Belgrano, para o Rio de Janeiro, onde novo hélice é
instalado no mês de maio de 1884.
Dois anos mais tarde, sempre no mês de maio, colide com o cruzador Hugon, quando saía do porto asiático de Haiphong. O navio de guerra sofre avarias importantes.
Em novembro de 1890, quando navegava entre o Rio da Prata e Santos, sofre a ruptura do eixo porta-hélice. Por muita sorte, o hélice, apesar de solto, não é perdido e o Uruguay, de novo à vela, alcança
diretamente a altura de Santos, quando é apanhado em reboque pelo vapor Dryden, da Lamport & Holt, que o leva até o Rio de Janeiro, onde os reparos são realizados.
Quatro anos mais tarde, em julho de 1894, encalha, nas proximidades do Porto de Montevidéu (Uruguai), sobre a carcaça afundada do vapor alemão Corrientes, que havia feito naufrágio no local em 1890. O
Uruguay é posto a flutuar novamente seis dias depois, com um pequeno alagamento em seu casco e com o arco de popa (ré) quebrado.
Dois anos exatos decorridos desse incidente, nova colisão, desta vez no Porto de Buenos Aires, Argentina, com o vapor chileno Cordilleras, que tem seu porão nº 2 totalmente alagado.
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A América Latina estava destinada a crescer
economicamente e em população
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Augusto de Azevedo Militão nasceu no Rio de Janeiro, em 1837, e tornou-se conhecido artista-fotógrafo naquela cidade. Em 1860, visitando a então denominada Vila de São Paulo, realizou uma série de vistas urbanas,
que hoje despertam enorme atenção por parte dos historiadores.
O fotógrafo Militão esteve várias vezes em Santos no decorrer do segundo quartel do século passado (N.E.: século XIX) e, a pedido de Fonseca Hayden, realizou várias chapas da Cidade e
do porto.
Uma destas chapas retratou o Uruguay atracado no trapiche da Praia do Consulado, por volta de fins da década de 80 do século passado (N.E.: XIX), onde se pode ver, em ângulo de
três quartos de ré, o vapor da CR praticamente de porões vazios (com linha d'água elevada, provavelmente aguardando um carregamento de café).
Interessante notar que esta mesma angulação foi utilizada por outro fotógrafo santista, M. Pontes, num clichê de 1889, no qual Benedito Calixto se baseou para pintar (indicando
data retroativa) o famoso quadro intitulado: "Praia do Consulado, Porto de Santos, 1882".
O fim do Uruguay decorreu de mais um acidentes, este o último de sua atribulada carreira. Realizando sua 63ª viagem entre Le Havre e Luanda (Angola), com escalas em diversos portos da costa Oeste africana,
foi encalhar em um recife ao largo de Cotonou (Daomé) no dia 4 de março de 1901.
Seu casco foi então destroçado, nos dias que se seguiram, pelos vagalhões, e o Uruguay, considerado perda total pelos seguradores e armadora. |