A empresa de navegação Chargeurs Reunis foi fundada em 1872, com o propósito de servir, ao menos no período inicial, exclusivamente a Rota de Ouro e Prata.
Para tanto, a empresa adquiriu seus dois primeiros navios, o Belgrano e o Henri IV, e mandou construir, tão logo constituída, outros seis, que foram o San Martin, o Moreno, o Rivadavia, o Ville de Bahia, o
Ville de Santos e o Ville de Rio de Janeiro. Além da perda do Moreno em 1874 nas ilhas Maricás, em 1880, no dia 20 de agosto, o Rivadavia encalhou nas proximidades do Cabo
Vilano (costa Oeste da Espanha, devido à forte neblina que pairava, e foi abandonado pela tripulação, sendo considerado como perda total. O Rivadavia iniciava a sua 24ª viagem para a América do Sul.
Entre os anos dessas duas perdas, 1784 e 1880, a Chargeurs Reunis havia feito construir outros três vapores, que levaram os nomes de Portena, Pampa e Dom Pedro, que entraram em serviço para o
Brasil e o Prata respectivamente em 1876, 1878 e 1879.
Em 1880, para substituir a perda do Rivadavia, foi também adquirido, no mês de novembro, o Sully, que, com o mesmo nome, navegava desde 1874 para outra companhia armadora francesa.
Prioridade - Incentivar o aumento das trocas comerciais com os novos países da América Latina constituía uma das prioridades do governo da França nos idos de 1870. Esta foi uma época em que o enorme
potencial de riqueza de países como o Brasil, o Uruguai, a Argentina e o Chile foi finalmente descoberto pelas potências européias, tornando-se assim, aqueles países, uma espécie de novo Eldorado aos olhos da velha Europa.
Foi um fenômeno provocado contemporaneamente por uma série de circunstâncias e fatores de origem socioeconômica que inevitavelmente viraram logo também de ordem política. A corrida em direção desses novos mercados,
livres do jugo colonial e portanto abertos a todos os países interessados, provocou também um incremento maciço nas oportunidades de negócios e na criação de riquezas.
Terras de vasta imensidão, abundantemente férteis e de fácil acesso, com produtos de grande demanda comercial, governos locais bem receptivos à entrada de capital e mão-e-obra estrangeiros, constituíram, do lado
sul-americano, o grande chamariz para os povos (e conseqüentemente também os governos) da Europa, a partir da segunda metade do século XIX.
Para aumentar a capacidade de concorrência da França em direção desses novos mercados da América do Sul, o governo francês aprovou, em janeiro de 1881, uma nova lei que concedia fartos subsídios à construção naval
e ao desenvolvimento de sua marinha mercante.
Incentivar o aparecimento de novos navios era igual a incrementar o fluxo do comércio e portanto de riquezas. Assim, cada nova empresa e cada nova linha de navegação constituía uma nova veia sanguínea vital para o
coração do continente europeu, e os dirigentes do país bem sabiam disso.
Cinco gêmeos - Foi dessa maneira e em previsão de um voto favorável à promulgação dessa lei de incentivos que a Chargeurs Reunis decidiu, em novembro de 1880, passar ordem ao estaleiro Forges & Chantiers de
La Mediterranée para a construção de cinco navios gêmeos, que iriam servir a Rota de Ouro e Prata.
Esses vapores receberiam os nomes começando com o prefixo Ville (Cidade) e seriam lançados entre 1881 (dois) e 1882 (três), respectivamente e na ordem: Ville de San Nicholas, Ville de
Rosario, Ville de Montevideo, Ville de Buenos Aires e Ville de Pernambuco, todos com tonelagem próxima a 2.100 t.a.b. O custo de construção do Ville de Pernambuco previsto no contrato com o estaleiro foi de 1.700.000
francos franceses.
A esses cinco navios se juntaria um sexto, de dimensões bem maiores e que, com o nome de Paraná, realizaria sua viagem inaugural para o Brasil e o Prata em 1882.
O Ville de Rosario foi o primeiro, da série dos cinco, a ser usado na linha para a costa Leste da América Latina, realizando sua viagem inaugural em outubro de 1881, seguido pelo Ville de San Nicholas
(novembro), pelo Ville de Montevideo (janeiro de 1882), pelo Ville de Buenos Aires (fevereiro) e pelo Ville de Pernambuco em abril.
O Ville de Pernambuco foi o último, de uma série de cinco,
a ser construído para a linha atlântica da América do Sul
Foto: reprodução, publicada com a matéria
Atribulações - Os navios da Chargeurs Reunis foram sempre marcados por um destino difícil. Desde a criação da empresa e do uso do seu primeiro vapor, quase todas as embarcações sofreram, ou avarias, ou
colisões, ou alagamento, ou encalhes pequenos ou fatais e - pesadelo de qualquer armador - naufrágios.
O Ville de Pernambuco não escaparia dessa regra geral; sua longa vida útil (25 anos) foi marcada por uma série de acidentes e incidentes. Entre estes últimos, um ano depois de sua viagem inaugural na Rota de
Ouro e Prata, rebocaria de Pernambuco ao Rio de Janeiro um outro vapor da empresa, o Dom Pedro, que havia perdido seu hélice (por quebra do eixo) em plena navegação ao largo da Bahia. Ao Dom Pedro foram então içadas as velas e, com
esse meio de propulsão, alcançou Pernambuco no dia 21 de abril de 1883.
Dois dias mais tarde, o Ville de Pernambuco saiu com direção à Bahia. Ao chegar a esse porto de escala, o comandante Fleury, do Dom Pedro, sofreu um ataque cardíaco e faleceu no dia 27.
No dia seguinte, com o segundo oficial Poilbolt promovido a comandante, o Dom Pedro, sempre a reboque do Ville de Pernambuco, saiu da capital baiana com destino ao Rio de Janeiro, único porto do
Brasil onde um novo hélice podia ser instalado. Reparos feitos, o Dom Pedro partiu do Rio em direção de Le Havre (França) no dia 8 de junho.
Sempre em abril, mas desta vez no ano seguinte, o Ville de Pernambuco colidiu com o cargueiro inglês Nith no porto de Lisboa (Portugal). Este último afundou em menos de uma hora. Três meses depois, o
Ville de Pernambuco, em plena navegação ao longo da costa do Espírito Santo, perdeu, por sua vez, o hélice; foi reparado no Rio de Janeiro.
Abril de 1886... colidiu à entrada da Baia da Guanabara com o iate britânico Golden Fleece, que não afundou, apesar dos danos.
Janeiro de 1888... no porto de Le Havre, colidiu com uma barcaça de carvão.
Fevereiro de 1891... por causa da ruptura de um cilindro de alta pressão, ficou sem máquinas em pleno oceano, a 400 milhas (740 quilômetros) da Ilha de São Vicente (Cabo Verde). Foi rebocado à Ilha da Madeira pelo
vapor Rei de Portugal e em seguida por um rebocador inglês até o porto de Antuérpia, onde a avaria foi reparada.
Janeiro de 1898... encalhou em Mateba (Congo Belga). Foi safado do encalhe pela subida da maré, mas teve seu eixo principal avariado.
Agosto de 1900.. foi abalroado por um outro navio francês, o Ville du Havre (pertencente a outra companhia) no porto de Le Havre.
O Ville de Pernambuco permaneceu na linha para o Brasil e o Prata desde sua viagem inaugural, em 1882, até março de 1890, quando foi transferido para uma nova rota da Chargeurs Reunis, rota essa que ligava
Le Havre ao porto de Matadi (Congo Belga), via escalas intermediárias.
A Chargeurs Reunis havia começado a servir portos da costa ocidental da África a partir de julho de 1898, concretizando assim o sonho do comissário-geral do governo francês no Congo Belga, o senhor Savorgnan de
Brazza, que em 1886 havia escrito à direção da armadora, solicitando a criação de um serviço regular de carga e passageiros entre a Europa e aquele país africano.
Em 1896, o Ville de Pernambuco foi colocado na linha Europa-Madagascar, via Transvaal e Cabo da Boa Esperança (África do Sul), rota essa que serviu fielmente até 1905, ano no qual a Chargeurs Reunis decidiu
terminar o serviço dessa linha específica.
O Ville de Pernambuco, já relativamente velho, foi então vendido para a Messageries Maritimes, que o utilizou durante dois anos como navio costeiro em torno dos portos da Ilha de Madagascar. O seu fim chegou
em novembro de 1907, quando foi vendido a demolidores navais em Marselha, onde foi desmontado no decorrer do ano de 1908. |