A Compagnie des Chargeurs Reunis (CR) deve suas origens à iniciativa de um banqueiro francês, o Sr. Jules Vignal, um dos sócios do Banco
Blacque, Vignal e Companhia, e, ao mesmo tempo, homem de negócios de reputação internacional, já detentor, na época, de uma série de grandes investimentos na Argentina. Associando-se às diversas
personalidades do mundo de negócios da França, Jules Vignal foi o animador da criação desta nova empresa de navegação, cujo objetivo principal era, segundo os termos do processo verbal da assembléia de constituição, "o de poder dispensar a
exportadores franceses a necessidade de recorrer a armadores e navios estrangeiros para o envio e expedição, de suas mercadorias e produtos, a portos de destino do Brasil e do Prata".
Foram levantados, como forma de capital social, 8 milhões de francos franceses da época, divididos em 16 mil ações de 500 francos cada uma, das quais os sócios fundadores subscreveram a metade. No dia 12 de janeiro
de 1872, os estatutos da sociedade foram assinados em Paris e a empresa tornou-se pública.
Encomendas - Apenas quatro dias após sua fundação, a CR passou ordem aos estaleiros Forges et Chantiers de la Mediterranee, da localidade de La Seyne, para a construção de seis vapores, três dos quais de
3.575 metros cúbicos de capacidade e três de 2.700 metros cúbicos, que deveriam ser entregues entre novembro de 1872 e março de 1873. Destes, quatro deveriam ser construídos em La Seyne e dois no porto de Le Havre.
Em 15 de fevereiro de 1872, o Sr. Duminy, engenheiro chefe da companhia, é contratado e no mesmo dia a diretoria escolhe os nomes dos navios encomendados: os três maiores receberiam os nomes de Moreno,
Rivadavia e San Martin e os outros três seriam chamados Ville de Rio de Janeiro, Ville de Santos e Ville de Bahia.
Nos estaleiros de Le Havre estava em construção o vapor Louis XIV, encomendado que fora em 1871 pelo Banco Blacque, Vignal e Companhia, e foi decidido que a CR compraria o navio a fim de iniciar, o mais
rapidamente possível, o serviço de linha.
Assim sendo, em meados de maio o Louis XIV, de 2.507 toneladas, foi rebatizado, ainda no estaleiro, com o nome de Belgrano, e preparativos foram iniciados para a realização de sua primeira viagem para
o Brasil e o Prata no mês de outubro de 1872.
Em julho daquele ano, foram nomeados os representantes da companhia nas escalas da América do Sul. Para o porto do Rio de Janeiro, foram nomeados os srs. Augusto Leuba e Adolphe Binoche, dos quais o primeiro foi
também designado como representante em Santos.
Em 16 de outubro, o Belgrano iniciou a viagem inaugural da empresa na Rota de Ouro e Prata, ligando Le Havre ao Brasil via Lisboa, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Santos.
Frete ótimo - Sob o comando do capitão Vasse, levava o vapor 450 passageiros e 1.000 metros cúbicos de carga. O valor total do frete e da venda de passagens seria de 365 mil francos franceses para a viagem
redonda (ida e volta), quantia excelente, que representava, líquida, 5% do valor total da encomenda dos outros seis navios!
Desses seis vapores encomendados, o primeiro a ser entregue foi o Ville de Rio de Janeiro, lançado ao mar em 25 de setembro de 1872 e aprestado em novembro do mesmo ano, seguido em ordem cronológica pelo
Ville de Bahia, Ville de Santos, Moreno, San Martin e Rivadavia, os dois últimos consignados pelo estaleiro de La Seyne.
As datas das viagens inaugurais na Rota de Ouro e Prata desses navios foram: 16 de dezembro de 1872 - Ville de Rio de Janeiro; 16 de janeiro de 1873 - Ville de Bahia; 15 de março de 1873 - Ville de
Santos; 21 de abril de 1873 - Moreno; 16 de julho de 1873 - San Martin; e 16 de setembro de 1873 - Rivadavia.
A esses seis navios e ao Belgrano, é adicionado um outro vapor adquirido aos armadores Quesnel (dos quais um dos irmãos, Robert, era acionista da CR) e que levava o nome de Henri IV. Comprado por 922
mil francos franceses em junho de 1873, realiza sua primeira viagem para o Atlântico Sul naquele mesmo mês por conta da Chargeurs Reunis.
Em 15 de outubro de 1874, realizando sua quinta viagem, e navegando à saída do Rio de Janeiro em direção Norte, o vapor Moreno, sob o comando do capitão Thomas, encalhou na mais meridional das ilhas Maricás
e, apesar dos esforços para reflutuá-lo novamente, teve de ser abandonado em perdição. Foi a primeira perda total da Chargeurs Reunis.
Por ocasião de sua segunda viagem, em fevereiro de 1873, o Belgrano transportou para Buenos Aires a estátua de bronze do general Belgrano, herói argentino em cuja memória foi dedicado o nome de uma praça na
capital portenha.
A partir de 1875, a Chargeurs Reunis passou a aceitar frete nas viagens de retorno à Europa para outros portos franceses além de Bordeaux. Assim sendo, café era embarcado em Santos com destino a Nantes, Lille e
Dunquerque.
Longevos - Os outros dois navios gêmeos do Ville de Rio de Janeiro tiveram vidas úteis relativamente longas.
O Vile de Bahia permaneceu a serviço da CR na Rota de Ouro e Prata até maio de 1890, ou seja, 17 anos, onde só um episódio saiu da rotina operacional: em outubro de 1888, durante a travessia São Vicente de
Cabo Verde a Le Havre, sofreu uma inundação no porão de popa, que avariou a carga de café ali localizada, mas que não pôs em perigo o vapor.
Entre 1890 e 1898, foi vendido por três vezes a diversas empresas de navegação francesas, terminando sua vida útil como propriedade do armador Artaud & Seytres, que o empregou na linha entre Marselha e Madagascar,
via Canal de Suez. Em 1900 recebeu o nome de General Gallieni, sendo vendido para demolição nove anos mais tarde, quando foi dissolvida a empresa que o possuía.
Quanto ao Ville de Santos, este permaneceu de propriedade da CR até o ano de 1890, quando foi vendido a armadores noruegueses, que o denominaram Vulkan. Quase 20 anos depois, foi cedido a interesses
japoneses e recebeu o nome de Sapporo Maru, desaparecendo da lista do Lloyd's a partir de 1924, sem se conhecer mais detalhes.
O Ville de Rio de Janeiro era um navio gêmeo do Ville de Santos, aqui reproduzido
Vida agitada - O Ville de Rio de Janeiro teve vida bem mais curta e bem mais agitada. Apenas seis meses depois de sua entrada em serviço, afundou um barco de pesca logo fora do porto de Le Havre; em
dezembro de 1880, saindo do porto de Antuérpia embaixo de neblina, abalroou 2 cargueiros que estavam amarrados no cais. Quinze dias depois dessa colisão, enfrentou uma tempestade ao largo de Brest (Noroeste da França) e teve um acidente pouco
banal: um grosso cabo que se encontrava a bordo foi levado por uma onda e se enroscou na pá do hélice, bloqueando o funcionamento do mesmo.
Com a ajuda das velas, o navio foi ancorado ao largo de Belle Isle, enquanto o comandante partiu numa chalupa, em direção de Lorient (porto da Baía de Biscaia) para pedir socorro. Com a ajuda de alguns
escafandristas, o hélice foi safado e o vapor pode prosseguir viagem.
Alguns meses depois de inaugurar a nova linha de Le Havre-Belém do Pará, em 1883, o vapor Ville de Rio de Janeiro foi abalroado na barra do porto de São Vicente de Cabo Verde pelo cargueiro inglês Colina
e sofreu avarias; em fevereiro de 1884, quatro meses depois da colisão com o Colina, o Ville de Rio de Janeiro sofreu um incêndio na carvoeira de bordo, quando saía de Lisboa. O sinistro obrigou o retorno do navio ao porto e o
incêndio só foi debelado quatro dias mais tarde.
O fim também foi trágico: às 11h30 do dia 7 de maio de 1887, quando se encontrava em navegação ao largo do porto francês de Barfleur, colide de proa com o transatlântico La Champagne, da CGT. O desastre foi
provocado pela neblina e pela alta velocidade imprimida ao La Champagne, que viajava à velocidade de 15 nós, apesar da visibilidade quase nula.
O Ville de Rio de Janeiro teve sua proa completamente destruída, afundando poucas horas depois; sua tripulação e passageiros foram salvos por outro navio da CGT, o Ville de Bordeaux, e não houve
vítimas a lamentar, nem de um lado, nem do outro. |