A embarcação da Società Rocco Piaggio & Figli foi construída no Estaleiro A. Mac Millan & Sons, da Grã-Bretanha, e fez a viagem inaugural em 1884 As estatísticas oficiais italianas sobre a emigração na península começaram a ser compiladas em 1876, quando as autoridades políticas de então tomaram consciência de que o fenômeno da emigração italiana não era um fato passageiro ou
circunstancial, mas sim um êxodo contínuo, destinado a durar no tempo.
Naquele mesmo ano, cerca de 110 mil italianos haviam deixado o solo natal, à procura de horizontes mais promissores e, destes, 20 mil embarcaram em vapores com destino à América do Sul. Deixava-se para trás a
península itálica como uma desesperada solução para a grave crise de desemprego e pobreza que assolava o país desde 1870.
Nação de território limitado, a Itália era e é um país predominantemente montanhoso, com cerca de dois terços de sua superfície cobertos pelas cadeias de montanhas dos Alpes e dos Apeninos.
Em 1870, ano que marcou o início do primeiro período de grande emigração em direção a terras americanas, o governo italiano havia decretado de maneira leviana um novo imposto nacional, que recebeu o nome de
tassa sul macinato (taxa sobre os moídos, na sua tradução literal). Esta decisão nada mais era do que uma forma de encarecer os diversos tipos de farinha, que na época constituíam a base alimentar da grande maioria da população.
A aplicação desse imposto eminentemente desumano constituiu o estopim para um período de carências que propulsionou a classe pobre a duas direções: o brigantaggio (banditismo) – ou para fora da lei – ou para
exterior, através da emigração.
Embora fosse um fenômeno já existente desde 1860, a emigração italiana acentuou-se a partir de 1870, quando as Américas tornaram-se a meta preferida, a do Sul, no início, e a do Norte, de 1880 em diante.
Num período de 100 anos, entre 1860 e 1960, cerca de 25 milhões de indivíduos saíram da Itália para se estabelecerem em outros países e, deste total, mais de 75% partiram no período entre 1860 e 1920.
A invenção da máquina a vapor, sua aplicação em navios com casco de ferro, a constituição das primeiras empresas de navegação transatlântica e o multiplicar-se do aparecimento de armadoras italianas foram os
fatores que permitiram a escalada emigratória peninsular.
As companhias de navegação que surgiram a partir da sexta década do século passado (N.E.: século XIX) logo se convenceram de que no comércio da emigração haviam encontrado um filão de
ouro.
Foram arregimentados então numerosos agentes que, trabalhando por conta das armadoras, percorriam as mais remotas partes do país, a fim de vender aos pobres camponeses o sonho e a miragem de um novo paraíso
terrestre, as Américas.
Por volta de 1880, o tráfego migratório em direção ao Brasil e à Argentina já havia assumido tais proporções que permitia a entrada em serviço de vapores cada vez maiores e velozes.
O princípio operacional das armadoras era muito simples: quanto mais emigrantes pudessem transportar numa só viagem e quanto mais rápida fosse a viagem, mais ganhariam, pois mais cedo poderiam oferecer o mesmo
navio para outra viagem e assim por diante.
Esta lógica puramente capitalista não levava em conta os problemas humanos e sociais dos candidatos à emigração e, assim, durante três decênios, as condições de viagem para estes pobres coitados constituíram-se
numa espécie de purgatório, antes de alcançarem o suposto paraíso americano.
Uma exceção a essa indiferença desumana às condições de alojamento foi o armador genovês Rocco Piaggio, fundador, em 1870, da Società Rocco Piaggio & Figli, cuja história narramos em
síntese, anteriormente, no artigo dedicado ao transatlântico Umberto I.
O sr. Piaggio fazia questão não só de mandar construir vapores com características técnicas e de desenho superiores a outros do seu tempo, como também de proporcionar maior dignidade e conforto aos passageiros
emigrantes.
É verdade que os preços praticados pela Piaggio eram também superiores aos de qualquer outro armador italiano, mas isso não tira o mérito da armadora em manter um serviço impecável e digno para os passageiros da
terceira classe.
Foi esse conceito de serviço que deu origem aos transatlânticos Umberto I e Regina Margherita. Em sua viagem inaugural para a América do Sul realizada em 1884, o último mencionado navio oferecia
acomodações de primeira classe ao preço de 850 liras-ouro e 150 liras-ouro na terceira classe ou emigrante (ou steerage) para a travessia entre Gênova e Buenos Aires.
Na mesma linha, os outros armadores italianos ofereciam passagens para os emigrantes com preços que variavam entre 140 e 170 liras-ouro, porém em navios mais antigos, e certamente menos confortáveis (Sirio,
Orione, Perseo, Nord-America).
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A capacidade máxima de passageiros do transatlântico
era de 1.450 pessoas
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O novíssimo Regina Margherita oferecia pela primeira vez, e como grande novidade, iluminação elétrica em todos os locais de bordo.
Quando entrou em serviço, possuía somente duas classes, primeira e steerage, a segunda classe só sendo introduzida no navio alguns anos depois.
A primeira classe, com capacidade de 250 passageiros, possuía instalações na popa (ré), que naqueles idos era considerada a parte mais nobre dos transatlânticos.
Ele dispunha de grande sala de refeições, que ocupara a largura total do casco, seu acesso se dando diretamente através dos corredores que serviam as cabinas individuais ou com capacidade para quatro pessoas, no
máximo.
Nesse mesmo deck (convés), o principal, encontravam-se, contíguas ao grande salão das refeições, a sala dos fumantes (na época só os cavalheiros) e a sala da música, para onde se dirigiam, logo após o
jantar, as senhoras.
Foi tão somente a partir de 1895 que se iniciou o uso de ter as instalações da primeira classe colocadas na parte central dos navios, sendo o transatlântico Savoia o primeiro a
oferecer essa característica.
O Regina Margherita fez a viagem inaugural em dezembro de 1884, com escalas em Barcelona, Cabo Verde, Montevidéu e Buenos Aires. Tinha 121 metros de comprimento e oferecia acomodações
dignas também aos emigrantes que deixavam a Itália
Foto: reprodução, publicada com a matéria
O Regina Margherita foi ordenado aos estaleiros Mac Millan, de Dumbarbon (Escócia) em 1883. Archibald Mac Millan e seu filho John haviam fundado esse estaleiro em 1834 e, 50 anos após, sua reputação era de
alto nível, superando em qualidade praticamente todos os outros que se situavam às margens do Rio Clyde.
Tal era o rigor exigido por Rocco Piaggio na construção de seu novo navio, que ele designou, para servir como consultor junto ao estaleiro, o capitão Merlani, ex-comandante do Umberto I, que pôde, assim,
acompanhar pessoalmente todas as etapas da construção.
Assinale-se, de passagem, que o Estaleiro Mac Millan foi adquirido em 1918 pela armadora britânica Lamport & Holt, permanecendo em sua propriedade até 1934. Nesse período, foram
construídos diversos vapores ordenados pela própria Lamport & Holt para servir a Rota de Ouro e Prata (Brasil e Argentina).
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Na viagem inaugural do navio,
havia 200 passageiros de 1ª classe e 1.000 emigrantes
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Mas voltemos ao Regina Margherita. Alguns meses depois de ter assinado a ordem para sua construção, o armador Rocco Piaggio decidiu associar-se com seu concorrente até então, o também genovês Raggio.
Nasceu, assim, pelo acordo firmado entre os dois armadores, a Linea Celere del Plata, formada pela Società Italiana Transporti Marittimi Raggio & Cia. e Società Rocco Piaggio & Figli, na
qual a primeira mencionada colocava suas três unidades do tipo Sirio e o quarteto da série Rios Italianos e a segunda colocava o Umberto I, o L'Italia, o Adria e o recém-ordenado e ainda em
fase de construção Regina Margherita.
A Linea Celere del Plata podia, assim, oferecer saídas semanais de Gênova (Itália) para Buenos Aires (Argentina), com escalas em Las Palmas (Ilhas Canárias, no Oceano Atlântico), São Vicente, em Cabo Verde (para
abastecimento de carvão), Rio de Janeiro (RJ) e Santos (SP).
Os dois portos brasileiros só eram geralmente tocados na viagem Norte-Sul pelas unidades menores e na viagem Sul-Norte, por todos os navios da Linea.
A viagem inaugural do Regina Margherita aconteceu com a saída de Gênova, em 1º de dezembro de 1884, com escalas em Barcelona (Espanha), Cabo Verde, Montevidéu (Uruguai) e Buenos Aires.
Na sua ponte de comando, encontravam-se, como comandante, o mesmo capitão Francesco Merlani, 200 passageiros de primeira classe e quase um milhar de emigrantes. No dia 17 daquele mês, chegava a Montevidéu e no dia
seguinte jogava âncora na Boca do Riachuelo, ao largo de Buenos Aires.
A capital argentina não dispunha então de um porto com cais de atracação (este só seria construído a partir de 1886 e completado em 1889) e os transatlânticos eram obrigados a fundear no Rio da Prata para serem em
seguida servidos por um número de barcaças e minúsculos vapores fluviais que trasladavam bagagens, cargas e passageiros até terra firme.
O grande calado do Regina Margherita só lhe permitia aproximação até 18 milhas (33 quilômetros) da costa, o que na época era um recorde para o porto.
O transatlântico provocou admiração na sua chegada a Buenos Aires. Era um vapor de linhas avançadas, com proa (frente) do tipo veleiro, dois mastros equipados com velas auxiliares, duas chaminés inclinadas para
popa (ré) e aparência futurística, para a época.
Estava equipado com duas máquinas do tipo compound, com potência total de 5.500 cavalos-vapor, o que lhe dava velocidade de cruzeiro superior a 16 nós (29,6 quilômetros horários).
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A reputação do estaleiro era de alto nível, superando os demais
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Estas características de alta velocidade permitiram que a Marinha Real italiana o inscrevesse na sua lista oficial como cruzador auxiliar de reserva, fato que originou a participação do vapor em um comboio naval
para o transporte de tropas de Nápoles (Itália) para Massaua (Eritréia), na ocasião da crise de fevereiro de 1887.
Poucos meses antes, em julho de 1886, o então rei Vittorio Emmanuele II e sua esposa, a rainha Margherita, assistiram, a bordo do transatlântico que levava o mesmo nome, ao desfile de uma grande regata em Gênova.
O Regina Margherita já levava então, nas suas chaminés, as cores da Navigazione Generale Italiana (NGI), pois um ano antes a Società Rocco Piaggio fora absorvida
pela NGI, assim como os cinco vapores de sua propriedade.
A Navigazione Generale Italiana servia, em 1885-1886, a linha sul-americana com saídas quinzenais, utilizando 18 vapores diferentes. Em termos de oferta de capacidade de espaço para passageiros, havia se tornado a
maior armadora da Rota de Ouro e Prata.
Destes 18 transatlânticos, o Regina Margherita era o mais veloz, com seus 16 nós, enquanto o Orione, de 4.161 toneladas, era o maior em tonelagem.
O Regina Margherita permaneceu 14 anos consecutivos na linha do Brasil e do Prata, realizando em média 10 viagens redondas por ano. Foram seus principais comandantes, nesse período, além do já citado Merlani,
Matteo Caffarena, Giuseppe Barabino e Alessandro Serrati.
No decorrer de 1896, foi o vapor recolhido ao dique seco denominado Delle Grazie, em Gênova, para ampla reforma, seja de suas instalações para passageiros, seja de seu maquinário, que foi totalmente renovado, com
novas máquinas e caldeiras.
Voltou ao serviço na linha célere sul-americana no início de 1897; nesta época, a NGI oferecia saídas semanais de Gênova para o Prata, via portos brasileiros.
Um ano mais tarde, foi transferido para a linha Itália-Egito, serviço que a NGI oferecia, com saídas semanais de Veneza (Itália) ou de Nápoles. O Regina Margherita saía deste último porto na tarde de cada
sábado e após 63 horas de navegação sem escala atracava em Alexandria (Egito). Este novo emprego do transatlântico ia de novembro a abril, enquanto nos outros meses do ano voltava a ser utilizado na Rota de Ouro e Prata.
A partir, porém, de 1906, o Regina Margherita foi transferido definitivamente para a linha do Egito, realizando também algumas viagens entre Nápoles e Túnis (Tunísia).
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O transatlântico provocou admiração na chegada a Buenos Aires
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Em junho de 1910, a NGI decidiu criar uma empresa afiliada, onde pudessem ser registrados 65 vapores a ela então pertencentes, com a finalidade de usufruir das generosas subvenções oferecidas pelo governo da Itália
às empresas que se dedicassem ao serviço de cabotagem peninsular ou às linhas menores de ligação mediterrânica.
Estes 65 vapores eram as unidades mais antigas da NGI e dentre estas encontrava-se também o nosso Regina Margherita, já então contando 26 anos de uso.
Passando para a propriedade da Società Nazionale di Servizi Marittimi (SNSM), foi utilizado em várias rotas de freqüência semanal no Mediterrâneo – e isto até outubro do ano seguinte, quando eclodiu o conflito
ítalo-turco.
Passou então à condição de navio-hospital, afretado (alugado) por conta da Ordem Soberana de Malta, tendo seu casco pintado de branco, mas mantendo as chaminés escuras, com a estrela branca, símbolo da SNSM.
Ao findar-se o conflito, em outubro de 1912, o Regina Margherita foi devolvido à SNSM e passava por obras de reforma, atracado no pontilhão de atracação Doria, em Gênova, quando, num dia de dezembro,
repentinamente, adernou a bombordo (lado esquerdo), chocando-se com outro vapor e afundando nas águas pouco profundas daquele porto.
Meses depois, o Regina Margherita foi posto a flutuar novamente, mas não possuindo, porém, viabilidade de recuperação em termos financeiros e de serviço, foi vendido in loco (no local) pela SNSM para
demolição. |