A Societá Italiana di Trasporti Marittimi Raggio & Co. foi fundada em 1882, em Gênova (Itália), com capital inicial de 5 milhões de liras italianas,
tendo como objetivo principal assegurar um serviço de carga e passageiros da Itália para a América do Sul. Dentre os navios com os quais a Raggio & Co. iniciou a operar, figurava um cujas
características conferiam à empresa inegável prestígio. Era o Sirio. Construído na Inglaterra, nos estaleiros Robert Napier & Sons, em Glasgow, foi lançado ao mar em 26 de março de 1883. Um belo navio para a época.
O Sirio deslocava 4.141 toneladas de arqueação bruta, medindo 115,81 metros de comprimento entre perpendiculares e 21,83 metros de boca (largura) moldada; tinha três mastros traquete, grande e mezena e duas
altas chaminés, entre o traquete e o grande. O aparelho propulsor consistia de um motor Compound a vapor, três cilindros e um hélice, que dava-lhe a velocidade de 13 nós.
As acomodações para passageiros dividiam-se em três categorias: 80 passageiros de primeira classe, 40 de segunda classe e 1.200 passageiros de classe emigrante, com uma inovação: as mesas do refeitório eram de
tamanho menor, pois até então, na classe steerage, os emigrantes ceavam em longas mesas de madeira e enfileirados.
A 19 de junho de 1883, saiu de Glasgow, após finalizada a construção, e tomou o rumo de Gênova, de onde partiu a 15 de julho do mesmo ano, em viagem inaugural à América do Sul, com escalas no Brasil e Argentina,
por conta da Raggio.
O sucesso da armadora Raggio & Co. incentivou a concorrência e o subseqüente acordo de serviço conjunto com a empresa Rocco Piagio & Co. Estava lançado o patamar inicial que daria, um ano
mais tarde, a criação da Navigazione Generale Italiana Flotte Riuniti (NGI).
Após petição dos acionistas à Real Marinha Italiana (que na época administrava as empresas da marinha mercante), aprovação da Corte e decreto assinado pelo Rei Umberto I, da Itália, foi constituída a NGI, para as
cores da qual o Sirio realizou, em 21 de julho de 1884, viagem na Rota de Ouro e Prata.
No ano seguinte, o maquinário original Compound foi substituído por um maquinário de tríplice expansão alternativa, o que na época era novidade, elevando sua velocidade de 13 para 15 nós.
Da esquerda para a direita, os vapores da NGI: Pó, Adria e Sirio
fundeados no porto de Gênova nos últimos idos do século XIX
Abissínia - Em 1887, em virtude do fracasso das tentativas do governo italiano em resolver pacificamente as questões surgidas na Abissínia, então colônia italiana, decidiu-se mandar tropas àquela região.
Nesse exato momento histórico, a Real Marinha Italiana contava com tão somente quatro vapores para transporte-de-tropas, os quais eram insuficientes para atender às exigências do momento. Foi então necessário
recorrer à marinha mercante, de cujas possibilidades dependeria o êxito da expedição.
Era fundamental que houvesse pronta disponibilidade de navios, que oferecessem dimensão, velocidade e alojamento interno correspondente às exigências do transporte de massa, em climas quentes, longas viagens com
riscos de eventuais surtos epidêmicos entre os soldados e animais transportados, tudo isso sem ter de recorrer a transformações radicais e demoradas desses navios.
A NGI colocou, a curto prazo (em novembro de 1887), 16 unidades de sua frota, dentre as quais o Sirio figurava como uma das melhores embarcações para essa tarefa.
A viagem até Massaua (Abissínia), partindo de Nápoles, era feita em 11 dias, podendo cada navio transportar 943 homens. O Sirio levou apenas nove dias, transportando 1.045 soldados, fora cavalos, vagões e
demais equipamentos. Uma vez cumprida essa etapa, o navio retornou à atividade regular entre Gênova e Buenos Aires.
Crescimento - Com a aurora do novo século, deu-se um incremento significativo no tráfego emigratório da península itálica para as Américas. Esse mesmo incremento, já notório nos países do Norte da Europa,
havia incentivado os governos a subvencionar grande parte da construção naval e ampliação da frota mercante, deixando o pavilhão italiano em situação de comparativa inferioridade. Como conseqüência deste fato, foi concedida concessão a empresas
como a Cunard Line, britânica, e às alemãs NordDeutscher Lloyd (NDL), de Bremen, e Hamburg-Amerika, de Hamburgo, para que abrissem serviços periódicos, com saídas de portos
italianos, rumo ao Novo Mundo, levando emigrantes italianos.
A essa altura, o Sirio ficara em posição de menor destaque, face aos concorrentes ingleses e alemães, porém sempre ativo na linha de Gênova para o Brasil e Argentina.
A NGI adquiriu navios de segunda mão para fazer frente à competição, porém o Sirio seguia século XX adentro, juntamente com outros dois irmãos gêmeos, o Orione e o Perseo, além do
Regina Margherita e do Re Umberto I.
Colisão - A 2 de agosto de 1906, o Sirio saiu de Gênova em uma viagem rotineira, que o levaria a Buenos Aires. No dia 4 de agosto, navegando pelo Mediterrâneo, ao largo das Ilhas Hormigas, no litoral
espanhol, transportava a bordo 695 passageiros e 127 tripulantes, quando repentinamente colidiu com os baixios rochosos do Cabo Palos.
No momento da colisão, o Sirio desenvolvia 15 nós, o que fez com que a proa se elevasse na rocha, abrindo o casco, que foi invadido pelas águas do mar. A subseqüente imersão da popa e o alagamento da praça
de máquinas, aliados ao ângulo da banda acentuada a boreste, impediram que os botes salva-vidas de bombordo fossem arriados, reduzindo as chances de resgate dos náufragos.
Não obstante a pronta intervenção dos meios locais de salvamento, 219 pessoas pereceram, entre as quais o bispo de São Paulo, D. José Camargo Barros.
A perda do Sirio constituiu também um dos mais dolorosos acontecimentos de todos os tempos da marinha mercante italiana, e seu naufrágio foi objeto de uma pintura a óleo
de Benedito Calixto que atualmente é propriedade do Museu de Arte Sacra, no Palácio da Cúria, em São Paulo.
Tal obra artística foi feita baseada na descrição verbal de Dom José Marcondes Homem de Melo, arcebispo da Diocese de São Carlos, que estava a bordo do Sirio por ocasião do desastre.
Por ocasião do desastre fatal do Sirio, seu comandante era Giusepe Piccone, que durante 23 anos seguidos havia ocupado tal posição, isto é, desde a primeira viagem do vapor em 1883. Piccone sobreviveu ao
naufrágio, mas não à dor que se seguiu e apenas dois meses depois da tragédia, faleceu vítima de um ataque cardíaco. |