No início da nona década do século XIX, as duas principais armadoras alemãs da época, a Hapag e a NordDeutscher Lloyd (NDL) encontravam-se em um período de feliz expansão. A última armadora mencionada lançava ao mar os dois derradeiros transatlânticos da série Flüsser, ambos destinados ao
tráfego de passageiros do Atlântico Norte, entre Bremerhaven (Alemanha) e Nova Iorque (Estados Unidos), com tonelagens próximas de 7 mil toneladas de arqueação bruta (tab).
Contemporaneamente, a NDL planejava a entrada em serviço, nas suas diferentes rotas comerciais, de uma nova série de vapores mistos (de transporte de cargas e passageiros) de capacidade intermediária (entre 3 mil e
5 mil tab), que substituiriam os envelhecidos navios da sua frota.
A frota - Apareceram, dessa forma, entre 1891 e 1898, o H. H. Meyer, o Roland, o Pfalz, o Mark, o Wittekind, o Willehad,
o Crefeld, o Aachen, o Bonn, o Halle, o Coblenz, o Mainz e o Trier.
Destes 13 vapores, nove realizaram as suas viagens inaugurais na Rota de Ouro e Prata, dos quais os três últimos citados e o Crefeld o fizeram ligando Bremen (Alemanha) a Santos.
Nas páginas desta coluna, já foram narradas as histórias do H.H. Meier e do Pfalz, o primeiro sendo (dos 13 vapores) o que teria vida mais longa, permanecendo em serviço até 1957.
Gêmeos - O Crefeld e o Aachen foram produto do estaleiro A. G. Vulkan, de Stettin (Szcecin ou Sternberk), na Polônia, e eram navios gêmeos, dotados de maquinário propulsor de tríplice expansão,
dois mastros e única chaminé.
O Aachen não sobreviveria ao conflito de 1914-1918, tendo sido afundado pelo submarino britânico E-1 em julho de 1915, quando servia, com o nome de Sperrbrecher, a Marinha de Guerra Imperial da
Alemanha.
O Crefeld foi lançado ao mar em março de 1895 e, dois meses mais tarde, realizou a sua viagem inaugural, como já dito, entre Bremen e Santos.
Após uma segunda viagem nessa rota, seria transferido para a linha entre a Alemanha e os Estados Unidos, servindo, em épocas diversas, os portos cabo-de-linha de Nova Iorque, Baltimore e Galveston (na costa Leste
atlântica dos Estados Unidos até os finais do século.
Rebelião - Após os trágicos acontecimentos de maio de 1900, quando se iniciou na província chinesa de Shantung a rebelião da etnia dos boxers, as principais potências da época - Grã-Bretanha, Estados Unidos,
França, Itália, Alemanha, Rússia e Japão - decidiram, em comum acordo, intervir para debelar o foco de rebelião. Iniciou-se assim aquela que ficaria conhecida nos anais históricos como a Campanha Boxer.
As sete potências de então passaram a enviar um grande número de tropas para a China e, delas, foi a Alemanha a fornecer o maior número de homens (cerca de 20mil) para a força expedicionária.
No mês de julho de 1900, um primeiro comboio de dez vapores saiu de Bremerhaven com destino à China, transportando tropas, animais e mantimentos.
O España nº 4, aqui registrado no porto de Santos no início da década de 20, era o Crefeld, em foto da coleção do historiador santista Jaime Mesquita Caldas
Imagem: reprodução, publicada com a matéria
Viagem pioneira - Dos dez vapores, seis pertenciam à NDL (H.H. Meier, Halle, Aachen, Rhein, Dresden e Strassburg). Este primeiro
contingente foi seguido por outro, composto de oito navios, quatro dos quais eram da NDL (Darmstadt, Hanover, Roland e Crefeld).
A partir desta primeira viagem, realizada em setembro, até o fim do conflito, o Crefeld serviria a causa alemã, fazendo outras viagens como navio-transporte afretado, tal como os outros, pela Marinha
Imperial.
Terminada a Campanha Boxer em outubro de 1901, o Crefeld voltou a singrar a Rota de Ouro e Prata por conta da NDL.
Começou assim um longo período, no qual o vapor freqüentaria por centenas de vezes os principais portos brasileiros, Santos em particular, e por vários anos sob o comando de G. Lindermann.
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Em maio de 1900 começou na província chinesa de Shantung a rebelião da etnia dos boxers |
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Guerra surpreende - Foi justamente no porto do Rio de Janeiro que o início da Primeira Guerra Mundial surpreendeu o Crefeld. Em poucos dias, a Ettapen local organizou seu futuro, recebendo o
navio grande quantidade de alimentos e carvão, fato que despertou suspeita no porto. Seu comandante, na ocasião, era o capitão Vierth.
Em meados de agosto, o vapor saiu secretamente do Rio de Janeiro, navegando em direção Norte da costa brasileira. Por volta do fim do mês, entrava em contato, por telégrafo, com o cruzador de guerra Karlsruhe
e no dia 31 encontrava-se nas cercanias do Atol das Rocas com aquela unidade naval alemã e com outros navios mercantes, o Asuncion e o Rio Negro, que também serviam como navios-auxiliares da Marinha Imperial Alemã.
A partir daquele momento, o Crefeld passou a acompanhar a ação corsária do Karlsruhe, ora fornecendo carvão, ora recebendo prisioneiros dos navios aliados, que eram interceptados ou capturados pelo
navio de guerra. Foram 13 os navios mercantes apreendidos entre 31 de agosto e 11 de outubro.
Separação - No dia 13 de outubro de 1914, às 16 horas, o Crefeld separou-se definitivamente do cruzador alemão, tendo a bordo 398 pessoas transferidas dos navios capturados pelo Karlsruhe.
O comandante deste último, o capitão Kohler, deu instruções a Vierth para dirigir o navio-prisão para o porto neutro de Tenerife, nas Ilhas Canárias (Oceano Atlântico), e desembarcar seus passageiros.
Viajando a baixa velocidade, seguindo ordens superiores, o Crefeld alcançou aquele porto insular espanhol no dia 22, onde, apesar dos veementes e justificados protestos britânicos, as autoridades espanholas
recusaram-se a considerar o Crefeld como navio auxiliar e a interná-lo, em conseqüência.
Até o fim - O Crefeld permaneceu no porto de Tenerife até o fim do conflito. Em outubro de 1918, as autoridades espanholas o confiscaram como compensação de guerra, rebatizando-o España nº 4 e
entregando seu gerenciamento à Compañia Transatlantica Española.
Após uma reforma geral, o vapor foi adaptado para o transporte de emigrantes em massa e colocado na linha entre a Espanha e a costa Leste da América do Sul, realizando então inúmeras viagens para o Brasil e o
Prata. Retornava assim o ex-Crefeld às águas sul-americanas que tantas vezes havia singrado antes da eclosão da guerra.
Em março de 1924, o Ministério da Marinha da Espanha colocou-o à venda, sendo então adquirido pela outra grande armadora desse país, a Compañia Transmediterránea, de Barcelona. O antigo navio, já com quase 30 anos,
foi novamente reformado internamente, reduzindo-se a sua capacidade de passageiros.
Externamente, porém, continuou com as suas estruturas de sempre, as únicas modificações sendo as novas cores da sua chaminé, inteiramente preta, cortada por uma faixa vermelha, e o novo nome de registro: Teide.
Inesperado destino - O novo armador, seu proprietário, destinou-o a servir as rotas intermediárias entre os portos mediterrâneos espanhóis, as Canárias e a costa ocidental da África, rotas que o Teide
serviu por mais oito anos, antes do seu inesperado fim.
Em junho de 1932, quando se encontrava em viagem de Barcelona a Bata, na então colônia da Guiné Espanhola, foi encalhar nas rochas da costa Sul da Ilha de Fernando Póo.
Apesar de inúmeras tentativas para safá-lo, o Teide permaneceu bloqueado, sendo então considerado como perda total e abandonado aos elementos da natureza. |