No decorrer do segundo trimestre de 1911, Raymond Poincaré, então dirigindo uma delegação de deputados e personalidades francesas, visitou alguns países sul-americanos, dentre
estes o Brasil, o Uruguai e a Argentina. As viagens de ida e volta foram realizadas nos vapores da Messageries Maritimes (MM), que, na época, utilizava na rota cinco navios, todos eles relativamente antigos
e de tonelagem já então considerada modesta: o Chili de 1895, o Cordillere, de 1896, o Amazone, de 1896, o Magellan, de 1897 e o Atlantique, de 1900.
Poincaré, advogado por formação e importante personagem no cenário político do hexágono, ficou bem decepcionado com as condições gerais dos navios da MM em que viajava, surpreendendo-se com a falta de material náutico
de primeira linha nessa rota para a América do Sul, tão importante para o comércio exterior da nação francesa.
Ao voltar a seu país, Poincaré não hesitou em colocar todo o peso de seu crescente prestígio político em apoio à iniciativa conjunta de três grandes armadoras da França (a Fabre, a Fraissinet e a
Societe Generale des Transportes Maritimes), que, em maio de 1910, haviam feito requerimento ao governo, a fim de obter concessão oficial dos correios franceses para a exploração de algumas linhas interoceânicas, até então monopólio da MM.
Concessões - Em julho do ano seguinte, as autoridades gaulesas deram acordo de princípio, a ser ratificado pelas Câmaras de Deputados, para que o trio de armadoras mencionado recebesse a concessão do serviço
postal destinado à América do Sul, permanecendo, porém, a MM com todas as outras concessões de linhas oceânicas.
Previa este acordo de princípio que a nova concessionária ordenasse a estaleiros franceses a construção de quatro novos transatlânticos de passageiros, que tivessem velocidade mínima de 18 nós (33 quilômetros
horários), e que pudessem ser transformados em cruzadores auxiliares em caso de conflito.
Além disto, a concessionária deveria também encomendar seis unidades suplementares de tipo misto (passageiros e carga) a fim de permitir um fluxo de tráfego na rota Bordeaux-Buenos Aires que cobrisse cada porto de
escala desta linha, pelo menos uma vez a cada duas semanas.
Entre os meses de agosto e dezembro de 1911, Poincaré empenhou-se num intenso trabalho de lobby junto a seus colegas parlamentares a fim de que estes não só aprovassem a concessão, mas também autorizassem o
pagamento de subsídios governamentais à nova concessionária para a construção dos dez vapores previstos no acordo.
Parcialmente, graças a esse esforço, o Parlamento, nas suas duas câmaras, ratificou, com melhorias adicionais, tal acordo em dezembro de 1911, o que permitiu, em imediata reação, que se formasse o consórcio das
três armadoras – consórcio este, que, em fevereiro de 1912, assumindo o nome oficial de Compagnie de Navigation Sud Atlantique (CNSA), ordenou a construção dos dois primeiros transatlânticos dos quatro previstos.
Correio - A CNSA foi fundada em 1910 por um grupo de armadores franceses associados a dois grandes bancos do mesmo país, com a finalidade de retomar a concessão dos serviços oficiais do correio francês em
determinadas linhas. Esta concessão estava confiada, até então, em regime de monopólio, a outra empresa francesa, a bem conhecida Messageries Maritimes (MM).
O governo francês arbitrou a questão e, após longo período de estudo, decidiu dar à Sud Atlantique os serviços postais para os países da América do Sul e manter com a MM a concessão de todas as outras linhas
mundiais. As autoridades da França coligaram a concessão sul-americana com a obrigação da nova empresa de manter uma ligação quinzenal entre os portos do hexágono gaulês e aqueles do continente da América Meridional.
A decisão do governo foi ratificada pelo Parlamento em 1911 e, logo no dia seguinte, a Sud Atlantique assinou contrato com o estaleiro Chantiers de L'Atlantique, do porto de Saint Nazaire, para a construção de dois
transatlânticos, que deveriam ser batizados Lutetia e Gergovia.
Ao mesmo tempo, ordenou-se, a outro estaleiro francês, o Forges & Chantiers de La Mediterranée, de La Seyne (Norte da França) a construção de mais dois navios, o Gallia e o Massilia.
Homenagem - No entretempo, da ordem de construção aos lançamentos ao mar dos dois primeiros transatlânticos, Poincaré, em 1912, havia se tornado chefe do gabinete de ministros do governo, ou seja,
primeiro-ministro, e quando o Lutetia e o Gallia partiram para suas viagens inaugurais, em novembro de 1913, Raymond Poincaré já havia sido eleito presidente da República Francesa, cargo que ocuparia até 1920.
A escolha, por parte da CNSA, do galo vermelho como símbolo da empresa, pintado nas chaminés de seus navios, nada mais foi do que uma homenagem ao homem político que havia galgado o posto público supremo da nação e
que, ao mesmo tempo, tanto fizera para a nova armadora. |