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Edição 137 - Jan/2005


Túnel sob o Estuário, um dos antigos projetos para a Baixada Santista

Planejamento 

Um sonho metropolitano

Não basta sonhar. É preciso acordar e colocar os sonhos em prática

Carlos Pimentel Mendes (*)

Precisava ir ao Rio de Janeiro. Vestiu-se, tomou o café matinal, saiu de casa, rumo ao ponto de parada do VLT da Cidade Ocian (veículo leve sobre trilhos), embarcou no veículo que, silenciosamente, partiu rumo a São Vicente e Santos. Seu objetivo: chegar ao aeroporto metropolitano situado ali no Guarujá, para pegar o primeiro avião da ponte-aérea Santos/São José dos Campos/Rio de Janeiro. Sem problemas, em poucos minutos estaria no terminal da Bocaina e, mais alguns instantes, levantaria vôo rumo à capital carioca. As saídas, constantes, podiam ser controladas (e seu lugar marcado) em um terminal no próprio vagão do VLT. Então, o melhor era relaxar uns minutos mais e aproveitar a paisagem, o mar dourado pelo sol nascente.

Súbito, uma briga ali perto, acordou. A realidade era outra. O ônibus sujo e superlotado - em que conseguira entrar após longa espera, e se apoiar a um canto para dormitar um pouco na longa e chacoalhante viagem até Santos - dera seu último suspiro. Quebrado. Falta de manutenção, acusava um passageiro. O motorista tentava achar um telefone público para ligar à oficina e comunicar o problema, cansado de ouvir críticas pelo péssimo serviço de transporte. E sabendo que nem ele, nem qualquer dos passageiros, poderia fazer nada, pois havia um monopólio disfarçado em oligopólio de empresas de um mesmo dono. E não havia fiscalização, nem mesmo as críticas nos jornais comoviam as autoridades, que afinal não moram na região...

Enquanto imaginava como um controle metropolitano dos transportes na Baixada Santista poderia ser bem mais efetivo, tratou de buscar alguma alternativa para chegar à Ponta da Praia, onde ainda teria de enfrentar uma travessia marítima - sujeita a navios e nevoeiros - até Guarujá, para em seguida ir ao aeroporto.


Aeroporto internacional como o de Cumbica: apenas mais um sonho?

Epa! Mas que aeroporto? Continuava sonhando, decerto. Oitenta anos depois de surgida a idéia de se fazer da Base Aérea da Bocaina um aeroporto metropolitano, e mesmo algumas décadas depois de ter existido - por pouco tempo - uma ponte aérea até o Rio de Janeiro, tudo continuava nos planos. Como também estava nos planos a ponte - ou túnel - atravessando o Estuário Santista, entre Santos e Guarujá.

Desvio de rota: a solução é ir até a Rodoviária e pegar um ônibus para São Paulo. E lá ainda teria de pegar mais uma condução até o aeroporto de Congonhas. Somados todos os trajetos e principalmente os tempos de espera em cada troca de veículo, talvez chegasse ao antigo Distrito Federal no meio da tarde - e não às 9 horas da manhã, como havia sonhado.


Moradia, eterno problema que os conujuntos habitaionais não resolvem

Exemplo - Tantos anos depois da criação da Área Metropolitana da Baixada Santista, este é apenas um exemplo dos efeitos práticos, na vida do cidadão, da falta de entrosamento entre os nove municípios, que dificulta formular políticas integradas para turismo, transportes, destinação do lixo, defesa civil etc.

É certo que várias vitórias foram alcançadas, a muito custo porém. Longe, no entanto, das muitas necessidades acumuladas em uma região que, por muitos anos, ficou à margem dos investimentos estaduais e federais. Afastada, aliás, justamente por falta de união política. Um prefeito pedia um benefício, o outro torpedeava a idéia, tinha outros interesses. 

Como no caso do aeroporto, disputado por Guarujá, Praia Grande, Itanhaém. Ou da ponte ou túnel que Santos queria mas Guarujá não. E mesmo do transporte marítimo metropolitano, que começou a ser criado na ligação entre Santos e o cais da Cosipa, na década de 80, e que também existiu entre Santos e Bertioga, até a década de 70, ou ainda entre Santos e Praia Grande, um século atrás - os interesses rodoviaristas acabaram com tudo, subvertendo toda a racionalidade nos transportes regionais.

Existem vários monumentos na região à falta de planejamento regional. Um dos mais conhecidos foi o Elefante Branco, na entrada de Santos pela Via Anchieta: um viaduto sobre nada e ligando nenhum lugar a lugar nenhum. Os engenheiros tiveram de pensar muito para disfarçar a gafe (era para ser um viaduto sobre a Via Anchieta) e encontrar uso para a obra.

Em termos ferroviários, há uma estação quase pronta, numa passarela sobre as rodovias marginais e a Anchieta, e que nem chegou a entrar em funcionamento: os planejados trens metropolitanos foram desativados logo após o início das obras.

Em caso de emergência regional, até que ponto há integração entre os serviços da defesa civil de uma região em que há briga até para conseguir uma ambulância em épocas de normalidade, quanto mais um leito em hospital, e falta entrosamento entre os serviços médicos para que um toque no computador permitisse localizar a ficha (única) com os dados do paciente, os serviços médicos disponíveis para o atendimento ao seu caso etc. Nada impossível, mas...

Mesmo em pequenas coisas, como a identificação visual para efeito de trânsito nas ruas, nota-se o desentrosamento. Numa cidade, semáforos com sinal audível para cegos, contagem regressiva para o vermelho, webcams de segurança. Em outra, equipamentos antigos e com defeito, placas deterioradas. O cidadão tem de conviver com múltiplos padrões e normas, que marcam diferenças até entre dois lados de uma mesma rua, se esta dividir dois municípios. Se para quem mora na região é complicado, que dirá o visitante - o tão procurado turista, até hoje alcançado apenas por tímidas experiências de circuitos metropolitanos (o dos Fortes e o de Anchieta, não muito mais que isso)?

Enfim, é importante sonhar, pois é dos sonhos que vêm muitas idéias aplicáveis ao cotidiano. Mas, não basta sonhar com a metropolização. Ela só se realizará quando as pessoas acordarem. E colocarem em prática, efetivamente, todos esses sonhos.

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.


Transporte metropolitano, como este de Washington D.C., nos EUA:
apenas outro sonho para as cidades do litoral paulista?
Fotos desta página: Luiz Carlos Ferraz/divulgação, publicadas com a matéria