Túnel
sob o Estuário, um dos antigos projetos para a Baixada Santista
Planejamento
Um sonho metropolitano
Não basta sonhar. É
preciso acordar e colocar os sonhos em prática
Carlos Pimentel Mendes (*)
Precisava
ir ao Rio de Janeiro. Vestiu-se, tomou o café matinal, saiu de casa,
rumo ao ponto de parada do VLT da Cidade Ocian (veículo
leve sobre trilhos), embarcou no veículo que, silenciosamente,
partiu rumo a São Vicente e Santos. Seu objetivo: chegar ao aeroporto
metropolitano situado ali no Guarujá, para pegar o primeiro
avião da ponte-aérea Santos/São José dos Campos/Rio
de Janeiro. Sem problemas, em poucos minutos estaria no terminal da Bocaina
e, mais alguns instantes, levantaria vôo rumo à capital carioca.
As saídas, constantes, podiam ser controladas (e seu lugar marcado)
em um terminal no próprio vagão do VLT. Então, o melhor
era relaxar uns minutos mais e aproveitar a paisagem, o mar dourado pelo
sol nascente.
Súbito, uma briga ali perto,
acordou. A realidade era outra. O ônibus sujo e superlotado - em
que conseguira entrar após longa espera, e se apoiar a um canto
para dormitar um pouco na longa e chacoalhante viagem até Santos
- dera seu último suspiro. Quebrado. Falta de manutenção,
acusava um passageiro. O motorista tentava achar um telefone público
para ligar à oficina e comunicar o problema, cansado de ouvir críticas
pelo péssimo serviço de transporte. E sabendo que nem ele,
nem qualquer dos passageiros, poderia fazer nada, pois havia um monopólio
disfarçado em oligopólio de empresas de um mesmo dono. E
não havia fiscalização, nem mesmo as críticas
nos jornais comoviam as autoridades, que afinal não moram na região...
Enquanto imaginava como um controle
metropolitano dos transportes na Baixada Santista poderia ser bem mais
efetivo, tratou de buscar alguma alternativa para chegar à Ponta
da Praia, onde ainda teria de enfrentar
uma travessia marítima - sujeita a navios e nevoeiros - até
Guarujá, para em seguida ir ao aeroporto.
Aeroporto
internacional como o de Cumbica: apenas mais um sonho?
Epa! Mas que aeroporto? Continuava
sonhando, decerto. Oitenta anos depois de surgida
a idéia de se fazer da Base Aérea da Bocaina um aeroporto
metropolitano, e mesmo algumas décadas depois de ter
existido - por pouco tempo - uma ponte aérea até o Rio
de Janeiro, tudo continuava nos planos. Como também estava nos planos
a ponte - ou túnel - atravessando
o Estuário Santista, entre Santos e Guarujá.
Desvio de rota: a solução
é ir até a Rodoviária e pegar um ônibus para
São Paulo. E lá ainda teria de pegar mais uma condução
até o aeroporto de Congonhas. Somados todos os trajetos e principalmente
os tempos de espera em cada troca de veículo, talvez chegasse ao
antigo Distrito Federal no meio da tarde - e não às 9 horas
da manhã, como havia sonhado.
Moradia,
eterno problema que os conujuntos habitaionais não resolvem
Exemplo - Tantos
anos depois da criação da Área Metropolitana da
Baixada Santista, este é apenas um exemplo dos efeitos práticos,
na vida do cidadão, da falta de entrosamento entre os nove municípios,
que dificulta formular políticas integradas para turismo, transportes,
destinação do lixo, defesa civil etc.
É certo que várias
vitórias foram alcançadas, a muito custo porém. Longe,
no entanto, das muitas necessidades acumuladas em uma região que,
por muitos anos, ficou à margem dos investimentos estaduais e federais.
Afastada, aliás, justamente por falta de união política.
Um prefeito pedia um benefício, o outro torpedeava a idéia,
tinha outros interesses.
Como no caso do aeroporto, disputado
por Guarujá, Praia Grande, Itanhaém. Ou da ponte ou túnel
que Santos queria mas Guarujá não. E mesmo do transporte
marítimo metropolitano, que começou a ser criado na ligação
entre
Santos e o cais da Cosipa, na década de 80, e que também
existiu entre Santos e Bertioga, até
a década de 70, ou ainda entre Santos e Praia Grande, um século
atrás - os interesses rodoviaristas acabaram com tudo, subvertendo
toda a racionalidade nos transportes regionais.
Existem vários monumentos
na região à falta de planejamento regional. Um dos mais conhecidos
foi o Elefante Branco, na entrada de Santos pela Via Anchieta: um viaduto
sobre nada e ligando nenhum lugar a lugar nenhum. Os engenheiros tiveram
de pensar muito para disfarçar a gafe (era para ser um viaduto sobre
a Via Anchieta) e encontrar uso para a obra.
Em termos ferroviários, há
uma estação quase pronta, numa passarela sobre as rodovias
marginais e a Anchieta, e que nem chegou a entrar em funcionamento: os
planejados trens metropolitanos foram desativados logo após o início
das obras.
Em caso de emergência regional,
até que ponto há integração entre os serviços
da defesa civil de uma região em que há briga até
para conseguir uma ambulância em épocas de normalidade, quanto
mais um leito em hospital, e falta entrosamento entre os serviços
médicos para que um toque no computador permitisse localizar a ficha
(única) com os dados do paciente, os serviços médicos
disponíveis para o atendimento ao seu caso etc. Nada impossível,
mas...
Mesmo em pequenas coisas, como a
identificação visual para efeito de trânsito nas ruas,
nota-se o desentrosamento. Numa cidade, semáforos com sinal audível
para cegos, contagem regressiva para o vermelho, webcams
de segurança. Em outra, equipamentos antigos e com defeito,
placas deterioradas. O cidadão tem de conviver com múltiplos
padrões e normas, que marcam diferenças até entre
dois lados de uma mesma rua, se esta dividir dois municípios. Se
para quem mora na região é complicado, que dirá o
visitante - o tão procurado turista, até hoje alcançado
apenas por tímidas experiências de circuitos metropolitanos
(o dos Fortes e o de Anchieta, não muito mais que isso)?
Enfim, é importante sonhar,
pois é dos sonhos que vêm muitas idéias aplicáveis
ao cotidiano. Mas, não basta sonhar com a metropolização.
Ela só se realizará quando as pessoas acordarem. E colocarem
em prática, efetivamente, todos esses sonhos.
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo
Milênio.
Transporte
metropolitano, como este de Washington D.C., nos EUA: apenas
outro sonho para as cidades do litoral paulista? Fotos desta
página: Luiz Carlos Ferraz/divulgação, publicadas
com a matéria
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