Carlos Pimentel Mendes (*)
Este artigo foi baseado em um debate por correio eletrônico com
um estudante de lingüística que comentou outra mensagem - transformada na matéria A matemática dos
estrangeirismos. Os trechos principais da
mensagem que originaram esta resposta são apresentados no final. |
O problema das regras - A convivência em sociedade demanda a criação de normas que
sirvam de referência entre o que é aceito ou não pela sociedade. Temos a Constituição, os estatutos dos clubes, a convenção do
condomínio etc. Por quê não o idioma ter regras também? Já comentei na mensagem anterior sobre a utilidade delas, pois não
existindo não teríamos como decodificar corretamente as mensagens recebidas. Senão, eu escrevo
lkjuopuodflaosijh e você pode entender isso como um elogio ou um xingamento. E, num contrato, cada um poderá
interpretar da forma que melhor lhe convém os termos pactuados, redefinindo os termos a seu bel-prazer.
Isso não significa engessamento: os cidadãos podem se reunir a cada momento e mudar as
regras constitucionais, do clube, do condomínio ou da língua. Desde que essa mudança seja ao menos registrada, de forma que se
pegarmos um texto escrito x anos atrás possamos localizar o significado exato do que seu autor escreveu, através da pesquisa
do significado das palavras na época em que o texto foi escrito.
Discordo que língua seja algo individual, a não ser que a pessoa só monologue. Diálogo
pressupõe pelo menos duas pessoas compartilhando um mesmo código. Portanto, a língua é algo coletivo.
O fato de não existirem regras escritas em passado longínquo não significa que elas não
existam. No momento em que o primeiro homem das cavernas convencionou com seus colegas (repare que eu disse convencionou,
criou convenções, criou regras) que algum "ugh" significaria um aviso de caça próxima, uma regra foi estabelecida. Inevitável,
senão os colegas entenderiam "ugh" como "lagoa perto", "mulher distante", "fogo" ou qualquer outra significação.
Veja aliás a definição de língua/idioma nos dicionários. Por exemplo:
"Conjunto de hábitos convencionais de mútua compreensão que existem numa coletividade, produto e função da vida de grupo que
se resume em dicionário e gramática" (Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, edição MEC, 1976 - o primeiro que peguei
na estante).
Sou jornalista, aliás formado pela mesma Unisantos. Para transmitir meus recados, preciso
usar palavras que eu entenda, senão estaria fazendo o mesmo que um papagaio, que "fala" sem entender o que diz. Posso até ter
uma noção incompleta do significado de uma palavra, e ainda assim transmitir o recado, porém quanto menos souber sobre o
significado da palavra mais imperfeito será o recado que darei. Ao ponto de inclusive distorcer bastante o recado, como quando
encontro um daqueles falsos cognatos.
De fato, não preciso ser cozinheiro para apreciar uma sopa, mas se quiser fazer uma sopa
precisarei ter noções mínimas de cozinha. Se quiser preparar uma sopa deliciosa, com um sabor raro, precisarei conhecer
profundamente Culinária. O jogador de futebol pode até ser analfabeto e craque, mas fará gol contra se não seguir as regras do
jogo - e para isso precisará conhecê-las.
Off, sale - Encontrará nas páginas do MNDLP vários textos sobre o problema dos
estrangeirismos. Cito como exemplo o Banco do Brasil, que até recentemente estampava "Personal Banking" na entrada das
agências. Fez uma pesquisa entre os clientes e descobriu que a maior parte deles não entendia esses termos, e mesmo os que
entendiam não concordavam com seu uso em substituição aos termos correspondentes em português. O banco tratou de mudar esses
dizeres.
Em Brasília, reportagens do Correio Braziliense (com z mesmo, por homenagear o
veículo de imprensa pioneiro no Brasil) mostram os grandes problemas e transtornos enfrentados pelos mensageiros e
entregadores na localização de prédios com nomes estrangeiros. Eles tiveram de criar um código paralelo
para se comunicarem, já que não entendiam e não sabiam pronunciar os nomes ingleses.
Repórteres de televisão foram às ruas perguntar às pessoas o que
significavam os termos ingleses nas placas e confirmaram que para a maioria das pessoas as palavras em inglês off, sale
e outras nada significam. Pior, as pessoas ficavam intimidadas com tais placas e nem entravam nas lojas para comprar. Agora,
se tal estratégia mercadológica fosse correta, por quê tomamos Coca-cola e não Coke?
Sobre estatísticas, verifique quantos brasileiros são efetivamente alfabetizados (e não falo
de estatísticas governamentais em que se reduz o parâmetro mínimo para ampliar o universo de alfabetizados). Lembro que, em
2001, dois analfabetos foram aprovados no vestibular para Medicina, no Rio de Janeiro.
Bem, verá que o número dos efetivamente alfabetizados é extremamente pequeno (lembro ainda que o Brasil ficou em último lugar
numa lista de 32 países, no quesito interpretação de texto - alguém lê que a enfermeira aplicou a injeção e não sabe dizer
quem aplicou a injeção, diz que foi o médico).
Verifique então quantos tiveram um curso razoável de idioma estrangeiro (não vale incluir
aquele sujeito que pede cueca-cuela). Verá que, quando digo que a grande maioria dos brasileiros não entende o que é
expresso em outro idioma, estou sendo até generoso. Certo, você até consegue viajar pelos Estados Unidos sem saber inglês,
usando um pouco de mímica e abusando da compreensão deles consegue pelo menos o básico - desde que se contente com o que eles
conseguirem entender de sua mímica.
Sobre substituir as palavras do português, a sonoridade etc., experimente pegar algumas das
dezenas de sugestões de pauta que recebo diariamente e entenderá o que quero dizer. É um verdadeiro exercício de pendurar
palavras inglesas totalmente desnecessárias num texto supostamente em português - e apresentar uma péssima tradução (inclusive
com erros que mudam totalmente o sentido do texto) como se fosse uma pérola de novilíngua (1984, Aldoux Huxley).
A esse respeito, quando digo que não há absoluta necessidade de usar o termo estrangeiro, a
autoridade com que afirmo advém de saber que existem palavras em nosso idioma bastante conhecidas, com significado completo.
Poderia citar exemplos mais complexos, mas fico neste básico: por quê um comentarista BRASILEIRO de futebol, falando a
BRASILEIROS apenas, substitui a palavra sobejamente conhecida "futebol" por outra, quase desconhecida no Brasil, de
significado imperfeito, como soccer? Dê-me uma boa razão para isso...
Aliás, por quê futebol de praia há de ser beach soccer, expressão que além de
implicar numa tradução também obriga a usar sons que não são próprios de nosso idioma? (entendo que beach soccer seja
usado numa comunicação em inglês, para o público internacional, mas quando se refere a uma competição realizada em Santos, e
apenas com a participação de brasileiros como jogadores e como público?...)
Deterioração do idioma - Sobre esse tópico, como citou a necessidade de bases
científicas para provar o que, em minha opinião, o próprio bom senso permitiria concluir, lembro que a produção científica
nacional já não é mais feita em português. Nossos cientistas escrevem em inglês. Com isso, se um agricultor precisa de uma
informação técnica produzida por cientistas nacionais, pagos com recursos brasileiros, para melhorar seu cultivo, tem de
contratar um tradutor. Já um agricultor inglês pode pegar esse trabalho na Internet, gratuitamente, e não precisará de
tradutor, ganhando assim tempo e dinheiro às nossas custas.
Isoladamente, parece até ridículo, mas some todas as situações em que isso ocorre, e
começará a entender porque um país é superpotência de fato e outro vive na eterna ilusão de que um dia "chegará lá".
Imerso em regras - Não, absolutamente, você não fala um conjunto de regras, nem é um
conjunto de regras. Apenas está imerso nelas. Ou falaria português se tivesse nascido no interior da China? Você domina
atualmente o idioma mandarim? E o que é dominar um idioma, se não conhecer as regras que o conformam?
Auto-estima - Sobre isso, será que precisamos eternamente de agir como o Jeca que seu
pai mandou à cidade para ser "dotô" e quando volta renega o pai que o criou, por vergonha? Como a Petrobrás (com acento, sim),
quando disse que "bras" lembra sutiã e tentou mudar o nome para Petrobrax, com vergonha de ser brasileira?
Eu sou editor e publicador de um jornal, e não preciso dizer que sou publisher para
me afirmar, a qualidade do meu trabalho "fala" por mim. Usar CEO em vez de diretor executivo soa como acender cigarros com
notas de cem dólares só para mostrar que tem dinheiro. Novo-rico. Que os verdadeiramente ricos desprezam, aliás. Porque
ninguém aprecia imitadores, a não ser na qualidade de palhaços. Voltando ao tema Idioma, encontrará exemplos desse desprezo
pelo Brasil anglófilo em jornais estrangeiros que arquivamos.
Concordo com o citado Bagno em diversos pontos. Por exemplo: intercâmbio.
Quantas palavras inglesas entraram em nosso idioma nos últimos cinco anos? Quantas palavras
portuguesas foram introduzidas no inglês no mesmo período? Há de fato uma relação de troca que pode ficar livre, ou ao
contrário é preciso uma ação protetora, como nas barreiras alfandegárias que os EUA estabelecem ao aço e ao suco de laranja
brasileiros para proteger seus produtores?
Concordo que uma revisão de nossa gramática se faz necessária, mas deve ela incorporar por
exemplo o vocabulário torto das centrais de atendimento, baseado em péssima tradução do inglês, que reza "vamos estar
estudando sua questão", em vez de "estudaremos sua questão"? Deve a língua portuguesa definir que "I" seja lido como "ai" (I
love you...)? O quê deve ser incorporado como contribuição ao enriquecimento de nosso idioma e o quê deve ser rejeitado?
Será que nosso idioma deve ser definido por uma guerra comercial entre dois produtores de dicionários (Aurélio e Houaiss), que
incorporam sem reflexão milhares de termos ingleses só para poder ostentar na propaganda que são mais completos, por terem
maior número de palavras dicionarizadas?
Legislar sobre o idioma - como os filólogos fazem, também - não é legislar sobre a
liberdade de pensar. Posso pensar em qualquer idioma que domine, portanto não é a regra de fonética ou o vocabulário que
limita meus pensamentos. Observe como tal argumento beira o sofisma, ao colocar na mesma balança elementos bem diferentes.
Observe ainda que, concluído o raciocínio, se pretendo apresentá-lo à minha comunidade,
preciso de um código que ela compreenda. Tenho pleno direito de falar em sânscrito ou mandarim, mas se quero que o máximo de
pessoas me entenda, tenho de encaixar meu pensamento nas regras de conversação que me permitam transmitir minhas idéias a
essas pessoas. Ou seja, um idioma. Com regras, para que quando eu diga "cadeira" elas não entendam "cachorro" ou "foguete".
Não há preconceito contra a importação de termos estrangeiros que enriquecem meu
vocabulário. Só que temos uma limitação física, não conseguimos usar todas as palavras existentes, e se, por modismo, só
usamos palavras estrangeiras, vamos esquecendo as nossas. Como a garota que não conhece um mercado, apenas porque pretende ser
jornalista e não estudou Letras ou Tradução. O que ela vai comunicar através da imprensa, se não conhece o principal
instrumento de seu trabalho?
Imagine um cirurgião que não sabe o que é um bisturi. Ah, sim, talvez o primeiro cirurgião
da história não soubesse, pois o instrumento não tinha sido inventado. E talvez dentro de alguns anos não mais precise saber,
pois manipulará um braço robótico ou apertará um botão num computador. Mas, hoje?...
Sobre outro argumento atribuído a Bagno, concordo em que há coisas importantes, tanto ou
mais que o idioma. Porém, se eles têm tempo para debater no Congresso a quantidade de vezes que um desenho do Pokémon é
exibido na televisão a cabo (exemplo verídico), também podem debater o idioma. E veja, que
é curioso: uma definição mais clara sobre o idioma facilitaria a escolarização (a tese dos defensores da liberdade idiomática
plena leva à situação de que um professor não poderá ensinar língua portuguesa, já que se corrigir o aluno que escreve "ençinar"
poderá ouvir desse aluno que a língua é livre, ele escreve como achar melhor).
E até facilitaria a alimentação: certas indústrias não esconderiam os efeitos malignos dos
produtos atrás de rótulos em código ininteligível pelos mortais comuns. Mesmo para definir um melhor conjunto de leis é
preciso conhecer o idioma, de forma a evitar palavras ambíguas, como no artigo da Constituição que limita os juros, e os
bancos descumprem usando firulas de interpretação. Por fim, o respeito ao nosso idioma, a valorização do português, provocaria
maior respeito estrangeiro à nossa cultura, valorizando-a, e isso se traduz em maior possibilidade de exportar produtos
culturais como um videojogo do Saci-Pererê, um filme sobre a Mãe-D'Água, uma revista em quadrinhos sobre o Boitatá etc. - eles
nada ficam devendo aos personagens dos produtos culturais estrangeiros que aqui têm aportado, então por quê não podemos lucrar
exportando nossa cultura, trazendo empregos para nossos patrícios?
Globalização x Colonização - Rogo que não confunda globalização com colonização.
Globalizar é eu trocar produtos, serviços e conhecimentos consigo, não impor meus produtos a você. Globalizar é eu lhe vender
meu Dia das Bruxas, mas em troca comprar o seu Saci-Pererê, num processo de ganha-ganha, em que eu aprendo com você e você
aprende comigo, todos nós ganhamos. Colonizar é eu lhe vender meu Halloween e fazer com que você abandone seu Saci ao
esquecimento definitivo, ou mude o nome dele para Mr. Sissee.
A diferença econômica entre globalização e colonização é que globalização é via de mão
dupla, faz o mercado aumentar pois mais produtos de diferentes origens são negociados, enquanto colonização é via de mão
única, só permite aumentar o mercado do colonizador, implodindo as oportunidades de negociação do colonizado.
Note que a transformação de "globalização" em "colonização" não precisa obrigatoriamente
ocorrer por culpa do "colonizador". Se o "colonizado" assim se posiciona, ao se rebaixar sem motivo e não promover sua
igualdade com os parceiros no mercado global, a culpa será do "colonizado". Ou seja, nossa, na medida em que aceitamos
passivamente tudo o que vem de fora, numa relação desproporcional que nos prejudica. Toda vez que compro um disco do chamado
(por eles) de "lixo cultural estadunidense", por exemplo, e não vendo a eles um disco produzido no Brasil, fico mais pobre.
Valorizei o produto estrangeiro ao comprá-lo, desvalorizei o nacional ao não tentar vendê-lo. Portanto, desvalorizei meu
próprio trabalho.
Posso até admitir um mundo globalizado com um único idioma formado pelas melhores
contribuições de cada idioma nacional. E um mercado sem fronteiras, também. Porém, na exata medida em que os demais façam o
mesmo, para que nenhum de nós terráqueos perca, todos ganhem. E sem que a minha cultura precise ser sufocada nesse processo.
Ou você sai por aí distribuindo seu dinheiro a quem aparecer e pedir, esperando que todos repitam seu gesto?
Causa e conseqüência, em globalização - Nossa cultura é expressa em um idioma, e se o
idioma fica mais pobre, a cultura perde. Não é sofisma, poderia demonstrar mas vai alongar ainda mais esta já enorme resposta.
Lembro apenas o que li em diversos livros relacionados a psicologia e negócios. Pode-se induzir situações a partir da
manipulação de variáveis percebidas apenas no subconsciente. Tanto que a propaganda subliminar é proibida. Existem livros
especializados em ensinar a dirigentes de empresas como usar a entonação da voz e escolher as palavras para submeter parceiros
de negócios, levando-os a fazer o que se deseja que façam. São técnicas de trocar a causa pela conseqüência, por exemplo.
Daí, será que o uso de termos estrangeiros é causa ou conseqüência? Uns 50 anos atrás,
quando surgiu o Zé Carioca junto com outros personagens latinos dos quadrinhos, na esteira do interesse dos EUA em ganhar
influência continental, o cinema norte-americano começou a ser introduzido no Brasil. Com toda a magnificência dos musicais de
Hollywood, ao mesmo tempo em que foi dificultada - até ser estrangulada - a produção cinematográfica nacional. Na seqüência,
vieram outros produtos culturais, que nos acostumaram à sonoridade estranha do inglês.
Aboliram o francês e o latim nas escolas, introduziram também o inglês. Mudanças nos métodos
de ensino afastaram as escolas brasileiras do modelo europeu e as colocaram em sincronia com o modelo estadunidense - não
ocorreu nenhum debate público para isso. Bem, causa ou conseqüência, em 50 anos nos tornamos quase que uma colônia - no
moderno sentido, se assim podemos dizer - dos EUA. Só para lembrar: na Segunda Guerra Mundial, essa influência ainda não
existia, tanto que Getúlio poderia ter levado a FEB a lutar ao lado dos hitleristas, contra os EUA.
A ofensiva dos EUA foi econômica, via construção da Companhia Siderúrgica Nacional, mas
principalmente cultural, através da presença de artistas estadunidenses (como Walt Disney) no Brasil e do convite a artistas
brasileiros (como Carmem Miranda) para Hollywood ("disseram que voltei americanizada...").
Bem, já falei/escrevi demais para uma mensagem só. Desculpe a verborragia,
tentei conter, mas de fato são demasiados os temas a debater neste universo que
é a defesa do idioma. Apenas lembre: nosso objetivo não é proibir um mero CEO ou
"shopping (center)". É despertar a consciência das pessoas para o processo que
leva alguém a se intitular CEO e não saber que está em um mercado. Ou um
professor de informática usar o termo CPU e não saber dizer aos alunos que CPU é
"unidade central de processamento" e não "central única de processamento",
ensinando errado, portanto. Lei é o que menos importa, e talvez o maior mérito
do projeto de lei em Brasília seja ter provocado debates como este.
(*)
Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal
eletrônico Novo Milênio e diretor para Internet do MNDLP.
Esta é a mensagem que levou à resposta acima, transcritos os trechos relacionados aos
tópicos abordados:
Caro Pimentel: Concordo e acredito que o Movimento Nacional de Defesa da Língua Portuguesa tenha ações
comedidas e leve em considerações pontos de vista diferentes e opiniões que divergem com a posição assumida pelo
movimento. É importante para a formação de minha opinião a respeito do movimento entender que vocês sejam tão prestativos
e sejam científicos no momento de responder às críticas. Confesso que agora entendo (e em alguns pontos até concordo) com
as posições defendidas.
Não há argumentos que contradigam que neste país temos tido
bombardeios de expressões estrangeiras, muitas vezes até mesmo desviando o sentido do enunciado. Discordo, porém, que ao
usar uma expressão ou palavra em língua estrangeira, o efeito esperado seja “criar uma barreira à compreensão do que é
dito”. Pensemos no comércio: qual seria a vantagem de usar uma expressão em inglês (como 50% off, por exemplo) se
os consumidores não entendem o que lêem? Certamente, o uso dessas expressões estão no sentido de “chamar a atenção” do
consumidor, e o uso vêm junto com uma assimilação de significados e sentidos.
E se os cargos nas empresas brasileiras sempre foram denominados
em língua portuguesa, e agora estão sendo usadas expressões em inglês, isso é resultante do processo de globalização, de
uma importação de técnicas e tecnologias que trazem junto seus usos e expressões. E se ao usar o termo CEO, por exemplo,
para designar Diretor Executivo, está se satisfazendo uma auto-estima, não há mal nisso. E tampouco é discriminativo: quem
estuda para ser CEO, CTO ou para alcançar qualquer área executiva, administrativa ou financeira dentro de uma empresa,
está familiarizado com os termos técnicos e expressões da área.
Com relação ao papel do idioma, estou de acordo que este serve
para permitir a comunicação, mas a introdução de palavras estrangeiras no mesmo não deve ser visto como ruído, pois,
segundo as teorias lingüísticas atuais, para que um vocábulo seja acrescido ao idioma, o uso deve passar do individual
para o coletivo, e por fim à norma (termo discutível por sua ambigüidade, por sinal). Se um vocábulo não for aceito pela
coletividade, a este restará o esquecimento.
Gostaria de saber, qual foi a metodologia empregada e qual a
teoria de pesquisa, e a fonte estatística consultada para que você possa afirmar que “menos de 1% da população usa
vocabulário totalmente artificial e tenta o impor aos 99% da população. Há pesquisas na área? Com que autoridade afirma-se
que os vocabulários ditos “artificiais” não surgiram por qualquer necessidade real dos falantes e qual a pesquisa que
indica que isso atrapalha a comunicação? Você é especialista em vendas para saber o que é ou não “totalmente absurdo em
termos de estratégia de vendas?
Com relação à estudante do 3º ano
de jornalismo da UniSanta que não sabia a tradução da palavra Shopping, é bom lembrar que ela está cursando
"JORNALISMO" e não "LETRAS" ou "TRADUÇÃO". Temos que levar em consideração que não é preciso saber a tradução de um termo
para empregá-lo. Basta lembrar da palavra Futebol. Pergunte a algum jogador de futebol se ele sabe a tradução da palavra
futebol...
Um idioma não precisa de regras para ser usado. As "regras"
(Gramática normativa) começaram no século IV ou V a.C. Antes disso, é sabido que não havia gramáticas para impor suas
normas à fala. E então? As pessoas não falavam? Falavam sim. E escreviam. Muitos escritores gregos escreveram suas obras e
só depois é que elas foram estudadas para servirem de paradigma aos estudos lingüísticos (Gramática Tradicional, onde seu
lugar é o da reflexão filosófica, e não judicial).
É um absurdo dizer: "Se substituo todas as palavras de um idioma
pelas de outro, e também substituo a sonoridade dessas palavras e a estrutura gramatical que as sustenta, não mais estou
usando o primeiro idioma, e sim o segundo."
Quem está substituindo todas as palavras do Português? Se você
souber quem está, me avise, pois quero acabar com essa criatura!
Com que autoridade, ou baseado em que pesquisa empírica você
afirma que isso está ocorrendo no Brasil? Apenas gostaria de saber as fontes de onde vocês tiram essas estatísticas, para
poder analisar a procedência, se vêm de pessoas sérias e cientistas da linguagem, de pessoas que empreendem pesquisas
lingüísticas e conhecem a realidade do país.
Quando dizemos que “a qualidade do código se deteriora”, estamos
emitindo um juízo de valor. E isso é totalmente acientífico, a menos que mudaram as regras no meio do jogo. E de onde se
tirou a idéia de que o número de falantes de um idioma diminui a medida que é acrescida uma palavra (“necessária ou não”)
ao seu léxico?
Discordo plenamente de vocês quando afirmam que o português é
conjunto de regras! Essa é a maior e pior, a mais terrível atrocidade que já li em minha vida. Eu não falo um conjunto de
regras! EU SOU O MEU IDIOMA!!! EU E MINHA PÁTRIA, MINHA NAÇÃO!!! O BRASÍL É A LÍNGUA PORTUGUESA!!! Uma língua
luso-brasileira, alterada, modificada, diferente da língua portuguesa falada em qualquer outro lugar do planeta.
Eis o que diz Marcos Bagno, com toda a autoridade de um Doutor em
Língua Portuguesa pela USP:
"Existe, senhoras e senhores, um abismo gigantesco entre a língua que
nós, brasileiros, realmente falamos e escrevemos, e a língua que a velha tradição gramatical, que agora se transformou em
mercadoria com boa vendagem, ainda quer que nós falemos. E eu digo isso com base na pesquisa de campo, em experimentos, em
coleta e análise de dados, com apoio de diversos instrumentais teóricos, de hipóteses consistentemente lançadas, testadas,
aprovadas ou negadas. Não fico em casa decorando gramáticas antigas. Eu, e todos os lingüistas empenhados em conhecer
melhor a língua portuguesa do Brasil, queremos saber o que é a realidade lingüística deste país.
"E a realidade é simplesmente esta: mesmo os falantes cultos,
aqueles que passaram 15 anos seguidos freqüentando os bancos das escolas fundamental, média e superior, 15 anos de contato
com a língua escrita, com textos literários, tendo de ler e de escrever; esses falantes cultos não conseguem obedecer às
regras prescritas pela gramática normativa que ainda vigora por aqui.
"E não conseguem por quê? Os profetas da ruína acusam a escola: o
ensino é ruim, os professores são mal formados, os alunos são preguiçosos, a língua é difícil... Por que partir sempre
do pressuposto ou do preconceito de que a gramática tradicional está certa e que todos os 160 milhões de brasileiros que
não a obedecemos é que estamos errados?” (www.marcosbagno.com.br)
“A língua que cada um de nós fala é elemento essencial de nossa
própria identidade individual, daquilo que somos. Querer legislar sobre o uso individual da língua, além de autoritário,
por querer interferir naquilo que a pessoa é como ser humano, é perfeitamente inútil, já que não se pode legislar sobre o
que uma pessoa vai ou não pensar. É querer transformar em crime o que a pessoa é e o que ela pensa.” (idem)
O seu conceito de evolução e involução é baseado em subjetivismo
(a menos que você me aponte fontes atuais confiáveis) e sem cientificismo. Mudanças lingüísticas, ocorrem na sincronia,
mas é na diacronia que se pode avaliá-la. Como mudança, tem que ser aceita pela coletividade. Não se fala em evolução ou
involução, pois esses termos dão noção de progresso ou vice-versa, e isto está ligado intrinsecamente a ideologias. Como
as mudanças ocorrem na sincronia, como você pode avaliar o emprego dos estrangeirismos visto pelo aspecto fonológico?
Houve tempo suficiente para uma acomodação fonética dos termos? Quem define esse tempo?
Cuidado, amigo, com as pedradas a que se arrisca em sua carta. “Tu
falas” tanto em nacionalismo e proteção ao que é nosso e tomas por exemplo (empréstimo) o que se faz em outros países
cujas culturas são totalmente diferentes da nossa? Precisamos nos submeter ao colonialismo das academias e da Europa? Ora,
parcamente se sabe que o Brasil é por natureza um país-mundo, que aceita sem preconceitos qualquer nacionalidade, qualquer
religião, qualquer cor, qualquer raça. Porque não aceitar um intercâmbio de expressões estrangeiras? Não seria aí uma
forma de xenofobia?
Quanto à nossa auto-estima, essa será, sim, valorizada, quando
pararmos de tentar impor regras e condições aos falantes de nossa língua! Quando pararem de mitologificar o idioma,
dizendo que brasileiro não sabe falar português, que português é gramática, regras, que os estrangeirismos vão arruinar o
português!!!
Quando à troca de culturas em igual proporção, deve-se levar em
consideração os aspectos políticos que regem este país, e não tem nada a ver com a língua. Deixar de nacionalismos
puristas e utópicos e empreender movimentos que despertem e politizem nossos cidadãos para que possam exigir de seus
governantes que liderem o Brasil como um país, e não como um boneco de instituições norte-americanas. E exigir de nossos
legisladores que deixem de se preocupar com nossa maneira de falar e de se expressar, e partam para a exigência de
direitos constitucionais que facilitem o acesso à escolarização e à alimentação.
“Os males da globalização são outros. O uso de termos estrangeiros
é uma mera conseqüência, a mais inofensiva delas. Há coisas muito mais urgentes sobre as quais legislar, problemas sociais
e econômicos muitíssimo mais graves sobre os quais fazer incidir a força da lei.” (Marcos
Bagno).
(...)
Grato
Xexéu - UniSantos |
P.S.: Nove meses depois deste diálogo, o estudante, já formado e
com página própria na Internet - em que também chegou a publicar estas mensagens - resolveu retirá-las da Web e solicitar que
seu nome fosse omitido desta página. Solicitação atendida, fica apenas um pseudônimo... |