FEBEANET
Adevogado da Estássio
Esta
história entra com "menssão onroza" neste Festival de Besteiras
que Assola a Internet (Febeanet), versão
2001, por chegar durante o período em que os internautas já
estão votando nas besteiras do ano. Mas chega com o diploma a que
tem direito (ou será o Direito a quem tem diploma?), enviado de
Praia Grande/SP pelo internauta Franz Joseph Hildinger, em 15/12/2001,
em mensagem eletrônica devidamente intitulada "Diproma pro Encino
do Brazil":
Este texto foi
bastante difundido na Internet brasileira, logo após a notícia
de um analfabeto que conseguiu ser aprovado no exame vestibular para Direito
da universidade carioca Estácio de Sá: :
Pagou, passou
Na minha época
de estudante universitário, no Rio de Janeiro do início da
década de 60, sentia um certo orgulho de ser aluno da Faculdade
Nacional de Direito da antiga Universidade do Brasil. Vestibular difícil,
com muitas matérias, duplo exame, com provas escritas e orais, com
banca composta por professores do Colégio Pedro II, gratuidade do
ensino, localização no centro da cidade e restaurante próprio,
com refeições baratas e de boa qualidade, tudo isso provocava
grande disputa seletiva entre os candidatos, ocasionando uma concorrência
acirrada.
Embora houvesse
grandes juristas entre os professores - era tempo dos catedráticos
-, regra geral aprovados em concursos rigorosos, cumpridores do seu dever
de ministrar as aulas, desde então começou-se a sedimentar
minha convicção de que quem faz a escola é o aluno,
e, em menor importância, o professor.
A escola envolve
uma relação dialética entre o ensino e o aprendizado.
Fora de dúvidas que bons professores transmitem melhor o conhecimento
que dispõem. Todavia, o aprendizado depende decisivamente do nível
intelectual dos alunos, do interesse que possuem, da capacidade de absorção
do que lhes é transmitido, da vontade de aprender, seja pelo que
os professores ensinam, seja pelo estudo e pesquisa que realizam.
Chocou-me recente
notícia de que o cidadão Severino da Silva, padeiro, de 27
anos, analfabeto, foi aprovado no vestibular de direito da Universidade
Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. Ele cravou as alternativas
"A" e "B" da prova de múltipla escolha, onde estavam concentradas
as opções corretas, entregou em branco a redação,
e, mesmo assim, foi aprovado no vestibular dessa instituição,
hoje uma das universidades com maior número de alunos, cerca de
34 mil.
Tenho visto
muita coisa estranha nestes muitos anos de vida, mas esta aprovação
constitui recorde histórico a marcar a trajetória do ministro
Paulo Renato. Conseguiu a abertura total da universidade, reformou-a, em
tal profundidade, que até os analfabetos conseguem obter ingresso
nos seus bancos. É a democratização do ensino propiciada
por dois professores, ocupantes dos mais importantes cargos da República
na área: a presidência e o ministério da Educação.
Conseguiu-se,
na gestão governamental desses dois docentes, realizar a grande
revolução na universidade. Erodiu-se a universidade pública,
e o ensino privado expandiu-se, ocupando a área, sedimentando-se
no ensino superior as regras do mercado, dando não apenas oportunidade,
mas acesso efetivo, ao deserdado das letras, o analfabeto.
Em plena República
restabeleceu-se o direito de o mais humilde intelectualmente dos
nossos compatriotas ingressar na universidade, antes restrita aos dotados
de boa escolaridade, e obter o título de "doutor", versão
neoliberal da democratização do ensino superior submetido
às regras do mercado. O ministro Paulo Renato, revolucionário
educacional, conseguiu a proeza: um analfabeto ingressou na próspera
universidade privada democratizada, aberta para todos, desde que cumpram
o pacto educacional básico - pagou, passou.
(*)
Osiris de Azevedo Lopes Filho, advogado, professor de Direito na Universidade
de Brasília (UnB) e Fundação Getúlio Vargas
(FGV) e ex-secretário da Receita Federal. |
Tal informação chega sincronizada
com outra, de que o Brasil ficou em último lugar no Programa Internacional
de Avaliação de Alunos (Pisa), que aplicou uma prova a estudantes
brasileiros de 15 anos, mostrando que, para eles, textos escritos em português
simples são como se estivessem em latim ou grego: os estudantes
simplesmente não foram capazes de entender o texto, como no exemplo:
"A enfermeira aplicou a injeção no paciente" - questionados
sobre quem havia aplicado a injeção, após a leitura
dessa frase, responderam que foi o médico.
O Pisa aplicou prova semelhante a
265 mil alunos de 15 anos de idade, estudantes em escolas públicas
e particulares de 32 países (no Brasil, foram 4,8 mil estudantes).
O Brasil conseguiu ficar em último lugar, atrás de países
como Letônia, Rússia e México, enquanto as melhores
notas foram obtidas por jovens de Finlândia e Canadá, entre
outros países desenvolvidos.
Bem a propósito, foi divulgada
no Jornal do Brasil, que circulou no Rio de Janeiro em 14/12/2001
esta informação:
Brasil:
só 26% dos alfabetizados
sabem o
que lêem e escrevem
Além
de 9% de analfabetos, o País tem 65% de alfabetizados com deficiências
Só 26%
dos brasileiros entre 15 e 64 anos dominam completamente a leitura e a
escrita. Outros 65% são alfabetizados, mas têm deficiência
nessas habilidades. O analfabetismo brasileiro atinge 9% da população.
Os dados são os primeiros resultados de uma pesquisa feita pelo
Instituto Paulo Montenegro, entidade ligada ao Grupo Ibope que se dedica
a projetos sociais na área da educação, em parceria
com a Organização Não-Governamental Ação
Educativa.
Foram entrevistadas
e avaliadas 2 mil pessoas em todo o País. A amostra foi calculada
para ter representatividade nacional. Os dados compõem o 1.º
Indicador de Alfabetismo Funcional do País. A idéia é
refazer a pesquisa a cada ano, para avaliar a evolução da
alfabetização.
A pesquisa
dividiu o alfabetismo em três níveis. Quem só consegue
ler textos muito curtos, como títulos ou anúncios, se encaixa
no alfabetismo nível 1. O nível 2 inclui essa habilidade
e ainda a capacidade de compreender textos maiores, como uma reportagem
pequena de jornal. O indivíduo que se encaixa no alfabetismo nível
3 domina a leitura de textos longos.
Segundo Vera
Masagão, da Ação Educativa, o ensino fundamental (que
inclui da 1.ª à 8.ª série) deveria dar condições
para que o indivíduo dominasse as habilidades de escrita e leitura
e se enquadrasse no nível 3. Mesmo assim, a pesquisa detectou que
apenas 42% das pessoas com ensino fundamental completo ou ensino médio
incompleto dominam escrita e leitura. O restante se enquadra no alfabetismo
nível 1 (13%) e nível 2 (44%).
Tarefas
- Para aplicar os testes, os pesquisadores usaram uma revista especialmente
produzida para o estudo. Uma das tarefas mais simples exigia que o leitor
identificasse, em um anúncio, a data de início de uma campanha
de vacinação. Em uma tarefa mais difícil, a pessoa
tinha de saber consultar a programação de filmes na TV.
Vera explica
que quem está no nível 1 ou 2 não é analfabeto
funcional. "Essas pessoas usam o que sabem no dia-a-dia, conseguem acompanhar
o texto da missa ou ler um pequeno recado. O problema é que o uso
das habilidades fica muito restrito em algumas situações,
comprometendo até o patamar mínimo que a pessoa precisa ter
para continuar se aprimorando."
"Não
basta erradicar o analfabetismo", afirma Fábio Montenegro, secretário-executivo
do Instituto Paulo Montenegro. "Precisamos sofisticar o olhar sobre a alfabetização,
para ver quais as reais habilidades do brasileiro e investir na correção
das deficiências." |
E esta é do Correio Braziliense,
que circulou em Brasília em 15/12/2001:
Língua
portuguesa
difícil
de entender
Guaíra
Flor
Da equipe
do Correio
Fomos todos
reprovados. Dentro e fora do país, justamente na área que
deveríamos dominar melhor: a língua portuguesa. Foram duas
notas baixas, em provas diferentes, confirmando a dificuldade do brasileiro
em compreender e escrever textos. Na primeira, ficamos com a pior nota
entre 32 países. Na segunda, o desempenho deixou muito a desejar.
Reflexo de um péssimo hábito do brasileiro: não ler.
O maior vexame
veio do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa).
O exame testou o conhecimento de milhares de jovens entre 15 e 16 anos,
em 32 países. No Brasil foram aplicados quase cinco mil testes.
Vá lá, competimos com nações ricas como Estados
Unidos e Finlândia, mas o resultado não podia ser pior. Em
uma escala de um a cinco em interpretação de texto, ficamos
no nível mais baixo. Pouco acima dos analfabetos. Ou seja, segundo
o Pisa, o brasileiro decifra as letras, lê frases, mas não
compreende os significados das mesmas. Como quem se depara com uma placa
‘‘Cuidado com o cão’’, lê, mas entra na casa calmamente por
não entender o risco de ser mordido. O resultado coincide com uma
pesquisa inédita do instituto IBOPE. Nela, apenas 26% dos brasileiros
interpretam corretamente o que lêem.
A outra ‘‘bomba’’
é resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), divulgado
no início do mês. Depois de, no mínimo, onze anos na
escola, somente 11% dos estudantes avaliados conseguiram boas notas em
redação. Pior! A maioria (57%) teve péssimo desempenho
em interpretação de texto. ‘‘Nossos estudantes fazem uma
leitura rápida e superficial nas provas’’, explica Maria Inês
Fini, diretora do Enem e do Pisa no Ministério da Educação.
‘‘Eles respondem as questões baseados nas próprias opiniões,
não no que está escrito.’’
É consenso
entre os educadores: quem não lê, tem problemas para lidar
com as palavras. E sente dificuldade para entender a lógica dos
textos ou para organizar as próprias idéias coerentemente.
Prova disso é o desempenho sofrível de nossos estudantes.
Também pudera, o brasileiro lê pouco. Quando muito, um livro
por ano. Nos países da Europa, a média é dez vezes
maior.
Dos 86 milhões
de brasileiros alfabetizados e com mais de 14 anos, apenas 30% fazem parte
do grupo de leitores assíduos. Entrar nessa categoria não
exige tanto esforço. Basta ter lido um livro nos últimos
três anos. Seja ele um clássico russo ou um daqueles manuais
de auto-ajuda. Os dados fazem parte da pesquisa Retrato da Leitura no Brasil,
divulgada este ano pela Câmara Brasileira do Livro (CBL).
De quem é
a culpa? Os especialistas se dividem. Para uns, o fato de o brasileiro
não ler é um problema cultural. A imprensa só foi
autorizada no país a partir de 1808, três séculos depois
do descobrimento. ‘‘Não fomos acostumamos a ler, por isso quando
os livros chegaram ao Brasil, a sociedade achou a novidade dispensável’’,
explica Regina Zilberman, professora da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e uma das maiores especialistas
em literatura do país.
Um segundo
grupo aponta outro culpado: a escola. Livros, no colégio, tendem
a ser sinônimo de problemas para meninos e meninas. Eles são
obrigados a ler para responder fichas literárias, resumos da história
ou pequenas provas. ‘‘As crianças vêem o livro como castigo,
não como algo prazeroso, por isso não gostam de ler’’, argumenta
Célio da Cunha, assessor especial da Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciência
e Cultura (Unesco) para área de educação.
‘‘Os professores
não estão preparados para ensinar os alunos a gostar de ler’’,
lamenta a diretora do Enem. Eles próprios não têm tempo
para ler nem acesso aos livros. ‘‘É uma vergonha, mas eu não
leio há mais de um ano’’, conta C.A, professora de uma escola pública
da Asa Norte.
Preço
alto - Há ainda um terceiro motivo para o brasileiro não
ler. Os livros são caros. Para quem não tem dinheiro até
mesmo a assinatura de um jornal ou revista pesa no fim do mês. ‘‘Recuso-me
a acreditar que o brasileiro não goste de ler, o problema é
ter acesso a bons livros’’, afirma Célio da Cunha. Livros no Brasil
não saem por menos de R$ 20. Em países como Estados Unidos
e Cuba, os preços de títulos populares giram em torno de
R$ 5 a R$ 14.
Se serve de
consolo, o número de leitores aumentou nos últimos anos.
Cerca de 70% da população alfabetizada se interesse em ler
mais (leia quadro). Essa mudança de perfil deve-se, em muito, a
escritores como Jorge Amado, Carlos Drumond de Andrade e Clarice Lispector.
Eles alavancaram o mercado editorial brasileiro e estimularam a população
a pelo menos passar o olhar pelas letras. Escritores do século XIX,
como Machado de Assis e Olavo Bilac, não tiveram a mesma sorte e
eram mais lidos na Europa que no Brasil.
‘‘Se investirmos
na formação de novos leitores, temos condições
de reverter esse quadro nos próximos vinte anos.’’, diz Zilberman.
‘‘Afinal, quem descobre o prazer da leitura não abre a mão
de um bom livro por nada.’’
O que esse
espelho nos mostra
Em primeiro
lugar, para falar de quem tem problemas de leitura, compreensão
e interpretação de textos, nós temos é que
ter cuidado com a nossa leitura (e compreensão e interpretação)
do noticiário sobre essa questão. É fundamental entender
que esse teste comparou jovens da mesma idade em diferentes países
— não jovens na mesma série escolar.
No Brasil,
em média, devido à repetência, os adolescentes de 15/16
anos não estão no segundo grau — como era de se esperar por
sua idade. Se conseguiram driblar o outro flagelo, que é a evasão
escolar, e ainda continuam estudando, estão na 6ª e na 7ª
séries. Isso desloca o problema. A pergunta deixa de ser: por que
um adolescente brasileiro lê mal ou tem pouca intimidade com a palavra
escrita? Passa a ser: por que na escola brasileira é tão
arraigada a noção de se repetir ano?
Além
disso, nosso ensino privilegia as ciências exatas e não as
humanidades. É omisso no que se refere às artes. Não
se estuda desenho ou música na escola, por exemplo. A literatura,
se ainda está presente de 1ª à 4ª série
— não apenas nas aulas, mas nas salas de leitura e bibliotecas escolares
— se afasta muito do mundo escolar daí por diante, porque deixa
de haver aquela professora que conta histórias e mostra livros.
Via de regra,
professores de adolescentes são especializados e só tratam
de sua matéria. Não lêem literatura e não falam
com entusiasmo de suas leituras. Não andam de ônibus ou trem
mergulhados num romance ou num volume de contos. As avaliações
do aprendizado não valorizam narrativas ou dissertações,
mas procuram medir objetivamente a matéria dada. Entregues a um
magistério que se forma sem ao menos ler Monteiro Lobato, os jovens
se vêem num ambiente educacional sem qualquer intimidade com a leitura.
É claro
que a situação é complexa e não há receitas
simples para saná-la. Mas qualquer análise séria tem
de levar em conta o universo em que esses jovens estão imersos.
A Finlândia — primeiro colocado na pesquisa — se orgulha de ser o
país do mundo que tem maior consumo per capita de material impresso.
Nós nos orgulhamos do tetracampeonato de futebol, do Ayrton Senna,
da beleza das mulheres.
Para chegarmos
a alguma explicação convincente para tantas dificuldades
de leitura, talvez fosse útil comparar os níveis de compreensão
do material lido por professores dos 32 países. Ou por jornalistas
em todos eles. Só então poderíamos saber se os jovens
brasileiros não entendem o que lêem porque apenas a escola
é péssima ou porque a sociedade não dá a mínima
importância para isso, a não ser na hora de se olhar no espelho
quando aparece um teste desses. Mas imediatamente finge que não
está se vendo, está vendo apenas o reflexo dos meninos de
15 e 16 anos. Uns ignorantes, coitados...
(*)
Ana Maria Machado é escritora de livros infantis |
Mas, não bastavam tais (des)classificações,
ainda precisávamos ouvir o professor Paulo Renato, ministro da Educação,
praticamente se dizer satisfeito com tal resultado. E o professor aposentado
Fernando Henrique Cardoso, autor de tristemente célebre comentário
sobre serem vagabundos os aposentados (como ele, aliás duplamente),
coroou a história dizendo em uma universidade dos Estados Unidos
que professor (como ele, novamente) é cientista fracassado. Transcrevendo
as declarações feitas pelo presidente brasileiro em 27/11/2001:
"Se a pessoa não consegue produzir, coitado, vai ser professor.
Então fica a angústia: se ele vai ter um nome na praça
ou se ele vai dar aula a vida inteira e repetir o que os outros fazem...".
Besteira sobre besteira, só
podia dar nisso, um universitário analfabeto e um presidente que,
aplicando os conceitos que ele mesmo expressa, é "aposentado" e
"professor"...
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