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Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa
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NOSSO IDIOMA
A matemática dos estrangeirismos
Carlos Pimentel Mendes (*)
Neste país, os falantes do português têm sido continuamente
ridicularizados por um grupo que conhece - ou, na maioria dos casos, supõe que conhece - outros idiomas e pendura palavras desses
idiomas nas frases em português, para mostrar uma erudição por vezes bem falsa. Tenta criar uma barreira à compreensão do que é
dito, formando uma espécie de elite capaz de dominar um código multilingüe e discriminando como inferior quem não usa tal
código. Nesse grupo, a importação de palavras não obedece a qualquer necessidade natural, antes as palavras são importadas com a
finalidade única de criar um código idiomático à parte do que é usado pelo restante da população.
Não há qualquer outra razão plausível, na maioria dos casos, a não ser uma evidente e odiosa
tentativa de discriminação social. Provada na diferenciação entre o beautiful people e o povão. Ou na placa que, para
indicar o local de venda de peixes, usa a palavra portuguesa mercado, e para indicar um local que se apresenta como mais
sofisticado, usa a palavra inglesa shopping (com a falha de não incluir o center - e ainda, de usar uma palavra
inglesa menos importante - eles usam mall, que para nossos ouvidos pegaria mal...).
Por exemplo, temos em nosso idioma uma palavra aportuguesada de um original inglês perfeito,
futebol, resultado da união de foot (pé) e ball (bola), o que exprime bem tal esporte. O Brasil inteiro domina o
significado dessa palavra. Então, que razão existe para certos locutores esportivos nacionais empregarem em seu lugar soccer,
que tem má formação em inglês, pois se relaciona aos associados de um clube de
promoção do futebol bretão, em contraposição ao futebol americano. Os norte-americanos
precisavam diferenciar duas modalidades esportivas, daí criarem o inadequado soccer. No Brasil, essa diferenciação sempre
existiu: futebol (referência ao esporte bretão) e futebol americano (a modalidade que usa bola ovalada).
Ruído na comunicação - Os cargos nas empresas brasileiras sempre foram: diretor
executivo, diretor financeiro, diretor técnico, presidente, gerente. Repentinamente, sem qualquer outra razão plausível, sumiram
esses cargos e agora só temos CEOs, CTOs, CFOs, chairmans, managers. O termo inglês não vem suprir uma necessidade
imediata, motivada pela falta de palavras correspondentes em português, mas para satisfazer uma auto-estima que deveria ser
preservada por outros meios não discriminativos. O idioma existe com a finalidade de permitir a comunicação, e quem introduz
palavras estranhas prejudica essa comunicação, criando o que se costuma chamar de ruído de comunicação. É por isso que se
deve ser muito criterioso no uso de tais palavras.
Enquanto palavras incomuns/estrangeiras ficam restritas a um grupo de falantes, na forma de
jargão profissional, normalmente por falta de termos concisos em nosso idioma que as substituam, ainda são aceitáveis, pois nesse
grupo não existe aquele ruído de comunicação. No momento em que esse grupo tenta impor tais termos à sociedade em geral - colocando
em posição inferior quem não domina tal vocabulário específico, nem tem a mínima obrigação de fazê-lo -, cria-se uma situação
odiosa.
É o que vem acontecendo: um grupo de menos de 1% da população usa um vocabulário totalmente
artificial (já que não surgiu por qualquer necessidade real dos falantes, e até atrapalha a comunicação) e tenta com isso se
sobrepor aos demais 99% dos brasileiros. Qual a real necessidade de uma loja colocar um cartaz com a palavra Sale, quando
caberia perfeitamente a palavra "Venda", ou mesmo outras como "Liquidação"? Ainda mais se sua clientela não tem origem inglesa, e em
espanhol a palavra manda o leitor se retirar do local - algo totalmente absurdo em termos de estratégia de vendas?
Mesmo a necessidade de novas palavras é questionável. Por quê deletar e printar,
se temos apagar/excluir e imprimir? E-mail, se temos correio eletrônico e mensagem eletrônica?
Veja: temos até mais riqueza idiomática que o inglês, pois o e-mail deles é ambíguo, referindo-se tanto à mensagem como ao
sistema/programa que a transporta... O argumento da concisão, geralmente invocado para defender os termos estrangeiros, não se
sustenta, pois deletar é maior que apagar, quem "vai estar usando" deletar "usa" outros gerundismos que encompridam a
frase. Além de tudo, a conversa se prolonga, pois muitas vezes o usuário do termo estrangeiro ou neologismo tem de perder tempo
explicando seu significado, para que se complete o entendimento da mensagem.
A seção "Ria... para não chorar" procura principalmente mostrar
esses absurdos. São sempre situações que mostram um problema de ignorância, evidenciando que a palavra inglesa foi empregada não
como extensão natural dos conhecimentos de um poliglota, mas por pura ostentação, já que a pessoa muitas vezes nem sabe o que a
palavra inglesa significa, e escreve errado tanto em português como no outro idioma usado. Por exemplo,
uma estudante de 3º ano de jornalismo declarou recentemente ao jornal A Tribuna que não
conhece tradução para a palavra shopping. Ela não sabia que estava sendo entrevistada em um mercado!
Fica evidente em tais casos que o uso da palavra inglesa não resultou de qualquer elaboração
mental que considerasse prós e contras, não houve qualquer reflexão sobre o sentido das palavras usadas, muitas vezes totalmente
fora de contexto. Como o X de cheese que vira sanduíche (mesmo sem queijo) em Belo Horizonte, ou do funcionário da firma de
entregas em domicílio que não sabe o que é o delivery existente no cartaz da loja. E pronuncia delivérri, tentando
imitar a pronúncia e imaginando ser algum produto novo que o patrão esteja vendendo. Não conhece o original estrangeiro e também não
sabe para que serve tal palavra "em português". Outro exemplo é o "Disk-...". E o melhor é o alerta aos ladrões, feito somente em
inglês. Como se número significativo de leitores da tal placa compreendessem a informação nela apresentada...
Evolução natural? - Sobre a questão levantada por alguns lingüistas, sobre deixar ou
não o idioma evoluir naturalmente, tenho algumas posições:
1) Por definição, idioma é um
código, que precisa portanto de regras para ser usado, já que se um dos interlocutores não conhecer as regras de
decodificação, a mensagem se transforma em um enigma. As regras podem evoluir, mas é preciso que todos os participantes do processo
possam aprender e conhecer claramente as regras vigentes em determinado momento, senão a comunicação ficará defeituosa, com
ruídos/falhas que prejudicam a própria finalidade do idioma.
A liberdade de criação vai até onde começa a prejudicar o próprio objetivo dessa criação.
Posso pintar um quadro das mais diversas maneiras, e ele continua sendo um quadro, mas se retiro a tela e apenas coloco as tintas
lado a lado numa paleta de pintor, já não é um quadro. Música pode ser algo dodecafônico, até mesmo totalmente desconstruído em
relação às regras de melodia, métrica etc. Mas, se tirarmos também o som, e oferecermos em seu lugar um bloco de mármore esculpido,
já não é música: virou escultura. Que todos criem, mas o conjunto mínimo de regras é necessário para que se possa ao menos
identificar o que está sendo criado.
Se substituo todas as palavras de um idioma pelas de outro, e também substituo a sonoridade
dessas palavras e a estrutura gramatical que as sustenta, não mais estou usando o primeiro idioma, e sim o segundo. E esse é o
processo que ocorre hoje no Brasil, de forma tão acelerada que não há mais o tradicional tempo para o idioma assimilar as inovações
e se ajustar a elas. De um ano para o outro, o vocabulário recebe 3.000 palavras novas, que não seguem as regras de sonoridade e
grafia do português, para não falar nos desvios gramaticais cada vez mais cometidos.
Como disse a princípio, o idioma é um conjunto de regras de comunicação compreendidas pelas
pessoas que o usam. Se as regras mudam tanto e tão rapidamente que se torna impossível ensiná-las, a qualidade do código se
deteriora (causando cada vez mais problemas para seu uso), e o número de falantes desse idioma diminui, pois se torna cada vez mais
difícil transmitir esse código a novas pessoas. Difícil porque, cada vez mais, as regras se tornam tão flexíveis que deixam de ser
regras para se transformarem em exceções.
2) O português é um conjunto de
regras, que não devem ser confundidas com as regras do espanhol, do inglês, do francês ou de qualquer outro idioma. A
distinção entre as regras é que define a personalidade do idioma. Nas universidades, as melhores provas de redação em português já
usam a gramática inglesa, pois a gramática portuguesa é cada vez menos ensinada que a inglesa.
Causa espécie também o crescimento no uso do gerundismo, tipo "vou estar fazendo" em vez de
"farei", ainda mais sabendo-se que a origem disso está na tradução imperfeita de manuais de centros de chamadas telefônicos.
Prejudicamos a melodia própria do idioma português para assimilar uma construção gramatical de outro idioma que não tem qualquer
razão de ocorrer, o que significa que nosso idioma está involuindo.
3) Um idioma evolui quando se
renova e se adapta para o atendimento das novas necessidades de seus falantes. A adaptação da sonoridade de palavras
estrangeiras, o ajuste na forma de grafar e à gramática de nosso idioma fazem o Português crescer. O contínuo abandono das palavras
portuguesas, da sonoridade de nosso idioma, de nossas regras gramaticais, fazem nosso idioma regredir.
Pior, nossa cultura também se perde no processo, pois a confusão que se instala dificulta a
transmissão dos conhecimentos, a incorporação de palavras sem qualquer critério faz com que cada vez menos as palavras usadas tenham
algum sentido identificável. O idioma fica impedido de evoluir, é sufocado, torna-se menos confiável e acaba sendo abandonado. Como
tantos já o foram e continuam sendo abandonados.
4) Quando alguém se refere a contribuições de outros idiomas,
deve reparar na falácia: uma coisa é a palavra ser importada em bruto, com sonoridade e grafia estrangeiras, e outra é tal palavra
ser adaptada ao português. Salvo exceções, os brasileiros não dizem Al-Kharysm, abat-jour, foot-ball,
por exemplo. Dizem algarismo, abajur, futebol. Bem diferente de ombudswoman (mistura de inglês com sueco), outdoor
(que parece inglês, mas nem existe nesse idioma), também por exemplo.
O comércio exterior ajuda a entender o conceito: quando importamos um produto, pagamos por
ele com nosso esforço, e ficamos mais pobres se não pudermos exportar em igual medida, para equilibrar o fluxo de divisas. É válido
importar, na medida em que possamos exportar também, porém a relação tem sido altamente desfavorável para o português porque
importamos sem necessidade, deixando a criatividade nacional sem espaço para suprir nossas necessidades. Isso nos empobrece.
Arrisco-me às pedradas ao fazer a conta: o idioma
português tem algo como 300 mil palavras. Em apenas um ano, cerca de 3.000 palavras estrangeiras foram incorporadas aos dicionários,
portanto 1% do total.
Se considerarmos que a maior parte dessas 300 mil palavras é de uso
raro ou restrito, enquanto o 1% recém-incorporado tem uso pleno, a "invasão estrangeira" (digamos assim) ganha proporções
estatísticas ainda mais alarmantes. Digamos que 60 mil palavras sejam efetivamente usadas, então a proporção dos neologismos é de
5%. Ou seja, na fria matemática, em 20 anos teríamos a maior parte do vocabulário transformado.
Sim, sei que os números não são assim, mas são exemplos tão
bons como as referências a 60 anos de dominação econômica dos EUA ou 600 anos de Inglaterra x Irlanda.
No caso irlandês, o que descaracteriza o cálculo matemático é o fortíssimo componente nacionalista: os irlandeses possuem um forte
sentimento nacional, da mesma forma que os bascos (fisicamente cercados pelos espanhóis e franceses). Aliás, os franceses e
espanhóis são bons exemplos de resistência a estrangeirismos, pois valorizam seus idiomas, suas culturas, sua cidadania - é o que o
MNDLP tenta fazer em relação ao português e à cidadania brasileira.
5) A posição do MNDLP é que as
importações idiomaticas sejam feitas por quem quer que seja, mas apenas quando necessárias, em um processo consciente,
refletido, que preserve a nossa cultura e a enriqueça. Nunca sejam as palavras e expressões importadas com o objetivo único de
discriminar os falantes do português, bajular/servir a interesses estrangeiros e perpetuar um processo de redução continuada de
nossa auto-estima, que nos leva como conseqüência a não valorizar a nossa cultura e tudo o que nos é próprio. Se somos classificados
como nação inferior às mais desenvolvidas, essa é uma das razões: ao valorizarmos o idioma estrangeiro (e, com ele, todos os seus
produtos culturais), abrimos espaço para que esse idioma estrangeiro cresça e tire nosso próprio espaço.
Falando simplesmente, em mais um exemplo: fechamos o mercado mundial para a venda de
produtos brasileiros baseados em nosso Saci-Pererê, mas abrimos o mercado nacional e facilitamos a penetração mundial de produtos
baseados no Dia das Bruxas celta-ianque, como livros, discos, revistas, jogos de computador, roupas, enfeites de festa etc. Que
venham as bruxas estadunidenses, desde que possamos colocar nossos sacis nos EUA em igual proporção - isso é intercâmbio cultural e
econômico saudável, o resto é simplesmente aceitar dominação estrangeira e perpetuar um indesejado estado de Brasil-Colônia.
(*)
Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal
eletrônico Novo Milênio e diretor para Internet do MNDLP. |