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HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ - BONDES - LINHA FÉRREA
No tempo da Maria-Fumaça (7)

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São poucas as imagens ainda disponíveis sobre o transporte ferroviário (depois substituído por bondes) entre a estação de Pitangueiras, onde ficava a vila balneária do Guarujá, e a ligação hidroviária com Santos através do estuário do porto. A última viagem na linha ocorreu em 1956:


"Última viagem do bonde em 1956. O motorneiro era o João Procópio, casado com uma sobrinha da minha avó, e o moleque que está na primeira janela é meu primo", descreve Paulo G. Monteiro
Foto de Paulo Gonzalez Monteiro, disponibilizada no site Tramway do Guarujá

Um histórico da linha foi assim apresentado por Marcello Tálamo na abertura do seu site Tramway do Guarujá (consulta em 25/6/2011):

O Tramway que ligou Santos e o Guarujá

A região de Santos possuiu, desde o início da era ferroviária no País, um dos mais diversificados sistemas de bitolas que se conhece no país e talvez no mundo. Poucas vezes teremos visto, concentradas em uma região geográfica relativamente pequena, tantos e tão diferentes tipos de sistemas, linhas ferroviárias e bitolas.

Elas foram desde a poderosa bitola de 1,60 metros da São Paulo Railway, até as modestas "bitolinhas" de 0,60 metros das ferrovias bananeiras, tramways, funiculares e das linhas de serviços das inúmeras indústrias que haviam no local no passado, passando pelas linhas de bonde em Santos em sua bitola exclusiva em termos mundiais (1,14 metro) e as linhas da Sorocabana (1,0 metro) assim como as linhas na Cia. Docas de Santos nas bitolas de 0,60 e 0,80, 1,00 e 1,60 metro.

Entre esses sistemas, destacamos aqui uma pequena ferrovia muito pitoresca na Região, que ficou conhecida como "Tramway do Guarujá", embora não tivesse características exatamente de um tramway nem tenha sido adotado esse nome no seu material.

Aliás, essa ferrovia era conhecida por diversos nomes, como Estrada de Ferro do Guarujá, Cia. do Guarujá, Estrada de Ferro Itapema-Guarujá e outros. Aqui você poderá conhecer um pouco mais sobre essa curiosa linha de trem e a sua suma importância para a região por ela abrangida e, porque não dizer, para a cidade de Santos e mesmo o Estado de São Paulo, na medida em que hoje o Guarujá é centro de referência em termos de destino turístico internacional.

O Guarujá fica na ilha de Santo amaro, "do outro lado" do cais de Santos e embora tenha sido doada já em 1534 a Pedro Lopes de Souza e seja detentora de praias belíssimas, durante séculos e séculos permaneceu como um local praticamente desabitado, devido às dificuldades de acesso, transporte e condições sanitárias do local, além do fato de ser uma ilha e não ter autonomia, pois pertencia ao município de Santos.

As suas características de vegetação tropical e muitos mangues, charcos, alagadiços e pântanos em seu interior transformavam a ilha em um local insalubre e inóspito, principalmente nas áreas mais para o seu interior, dificultando a transposição dessa região até a área onde se localizam as belíssimas praias.

Porém, um grupo de empresários, inclusive alguns ligados ao setor ferroviário, acreditaram no potencial turístico do local e há cerca de 110 anos
(N.E.: portanto, em 1892) fundaram a Estância do Guarujá. Eram eles o conselheiro Antonio Prado, que dirigiu durante 35 anos a Cia. Paulista de Estradas de Ferro, e Elias Fausto Pacheco Jordão, empresário, engenheiro e político paulista de relevância, que teve até um município na região de Campinas batizado com seu nome (Elias Fausto).

A idéia deles era formar um ambicioso empreendimento que, somando atrações e melhoramentos, transformasse a região da praias de Pitangueiras em pólo de atração de turistas, e com isso os terrenos pertencentes à Companhia fossem vendidos e os serviços por ela prestados fossem igualmente demandados.

Na verdade, essa idealização de "construção" de um novo Guarujá era baseada em modelos semelhantes desenvolvidos nos Estados Unidos, mais precisamente a ilha de Rhode Island. Elias Fausto, tendo se formado em Cornell (1874), apresentou à Companhia Balneária da Ilha de Santo Amaro um ousado plano de urbanização a ser iniciado na região que hoje é o centro da cidade, que incluía, em seus tópicos, desde o estabelecimento de um hotel de luxo, até cassino, igreja e várias outras atrações, incluindo até a construção de um embrião de cidade com cerca de 46 chalés para moradia, os quais foram encomendados nos Estados Unidos, sendo montáveis e construídos em pinho da Geórgia.

A dimensão do empreendimento fica mais clara quando se destaca que a "vila" construída pela companhia já possuía luz elétrica, água encanada e esgoto doméstico, facilidades que mesmo em grandes centros ainda eram novidade. Além disso, talvez por influência do conselheiro Almeida Prado, a Companhia construiu uma pequena ferrovia ligando a "vila" do Guarujá ao distrito de Itapema, que se ligava ao centro de Santos via barcas. A Cia. Balneário tratou ainda de implementar melhorias nesse sistema de ligação, que incluíram a compra de 2 barcas modernas para o transporte de pessoal, a Cidade de Santos e Cidade de São Paulo.

Dessa forma, partindo do Valongo, em Santos (ponto de chegada dos trens da SPR com os passageiros de São Paulo), os interessados faziam uma curta viagem nas amplas e modernas barcas até o terminal de chegada em Itapema e embarcavam confortavelmente em um trem que em menos de uma hora os deixava em frente ao Grande Hotel de la Plage, na Praia de Pitangueiras, cenário belíssimo na época e que ainda é encantador atualmente.

Essa facilidade no transporte gerou um grande afluxo de turistas à recém fundada "Vila", o que iniciou um ciclo de desenvolvimento constante. Aliás, diz-se que o Guarujá, considerado desde o início como uma "jóia" do litoral, "nasceu" com ares americanos, foi freqüentada pela alta sociedade paulista, inspirou artistas e arquitetos, até transformar-se num balneário excessivamente freqüentado e pouco respeitado como jóia arquitetônica e memória histórica justamente devido ao grande sucesso que obteve, o que provocou uma invasão populacional, aumento da violência e queda da qualidade de vida e de serviços que deteriorou a imagem da cidade.

Mas, retornando ao aspecto da ferrovia em si, ela foi inaugurada em 1892 como uma linha praticamente apenas para o transporte de passageiros, com tração à vapor e carros de passageiros abertos. Aos poucos ela foi crescendo, sendo construídos ramais objetivando explorar o serviço de cargas - um grande erro estratégico -. Em 1923/24 foi eletrificada e foram obtidos equipamentos modernos, como uma locomotiva elétrica MAN e 2 bondes para passageiros, de nºs 3 e 9, além de carros de passageiros modernos, fechados e mais confortáveis, como se verá adiante com mais detalhes.

No entanto, na década de 1910 a Cia. do Balneário foi vendida, sendo transformada em Companhia do Guarujá, que passou a operar os serviços. A Cia. do Guarujá era capitaneada pelo mega-empresário da época, Percival Farquhar, que detinha interesses no Brasil inteiro, desde portos e cias. de eletricidade e gás até ferrovias tão distintas como a Madeira-Mamoré e as Cias. Paulista e Sorocabana. Infelizmente, como todas as demais empresas comandadas por Percival Farquhar, sofreu enormemente quando da derrocada do império desse investidor, em meados da década de 1920.

Ainda assim, a ferrovia cresceu, assim como o movimento no Guarujá, embora seja irônico que o "iniciador" de todo esse desenvolvimento, o "Grand Hotel La Plage", com todo seu esplendor e beleza tenha sido consumido pelo fogo em 1897, sendo substituído por uma construção bem menos requintada, inclusive de gosto duvidoso. Porém, à essa altura o Guarujá já estava em uma trajetória de desenvolvimento.

Ainda na década de 1910, embora mantivesse os investimentos na ferrovia e no sistema de transporte de passageiros, que incluíram inclusive a aquisição de mais duas barcas para transporte de pessoas entre Santos e Itapema (a Paicará e a Itapema, recebidas da Holanda em 1911), a ferrovia começava a experimentar uma concorrência até então inexistente, pois em 1918 foi inaugurada, justamente sobre o leito de um antigo ramal seu abandonado (o ramal da costeira, com cerca de 3 km), uma estrada de rodagem ligando o bairro de Santa Rosa (fronteiriço com Santos, dividido apenas pelo canal) ao centro do Guarujá.

Com a inauguração de um serviço de ferry-boat entre Santos (Ponta da Praia) e o outro lado, as pessoas começaram a chegar ao Guarujá em seus próprios carros, inegavelmente algo muito mais confortável e ágil que uma ferrovia a vapor e carros abertos.

Para contornar essa concorrência - felizmente os automóveis na época ainda eram bens raros e exclusivos de uma elite -, a ferrovia anunciou em 1923 planos para a eletrificação da linha, o que deu um grande salto de qualidade nos serviços, pois juntamente com a eletrificação, inaugurada em 1925, vieram os novos equipamentos, constituídos de locomotiva elétrica para tracionar modernos carros de passageiros fechados e com assentos estofados, bem como 2 bondes (nºs 3 e 9) que eram o que de mais moderno havia na Europa e deram uma importante sobrevida à essa pequena ferrovia.

No entanto, ainda assim o Tramway apresenta déficit's constantes, seja pelo prejuízo derivado da tentativa de explorar um serviço de cargas que no entanto era apenas gerador de prejuízos constantes, seja pelo constante aumento no afluxo de pessoas através de outros meios que não a ferrovia.

Quando passou a receber auxílio do Governo Estadual para cobrir seus prejuízos, o Tramway do Guarujá foi encampado, algum tempo depois, por este, que colocou a ferrovia em estreita ligação com a Estrada de Ferro Campos do Jordão, que na época também estava encampada (como permanece até hoje) pelo governo. Por essa ocasião, foi formada uma divisão denominada "Serviços Públicos do Guarujá", que passou a ser responsável pela administração da ferrovia, sendo a responsável pela compra de 2 novos bondes, os de nº 5 e 7, como parte dos investimentos no tramway.

Ainda como parte dos investimentos, em 1935 são feitas diversas reformas em equipamentos, dentro das expectativas criadas com a elevação do Guarujá a estância balneária em 1934. Entre esses investimentos, ressalta-se a eliminação de alguns pequenos ramais deficitários de carga e mesmo dentro da cidade, permanecendo apenas o tronco principal.

No entanto, não obstante os investimentos e modernizações feitos também em 1952, a partir do momento em que os ônibus passaram a fazer a rota da estrada de rodagem, já asfaltada, o pequeno tramway estava condenado, posto que essa concorrência era muito difícil de superar, na medida em que os ônibus faziam em minutos o trajeto que o tramway fazia em horas e os horários eram muito mais flexíveis e constantes que os do tramway, reduzido então a apenas 3 bondes após acidente com um deles em 1930, que o inutilizou.

O tramway ainda sobreviveu alguns anos, mas a pressão das transportadoras e a própria especulação imobiliária ao longo de sua linha - então já repleta de bairros em franca expansão - tornou-se cada vez mais forte, até que, abalada pelos prejuízos e pela fuga de passageiros - inclusive para o próprio Hotel - o tramway foi fechado em 13/07/1952, sendo o seu material rodante que estivesse em bom estado de conservação vendido para a Estrada de Ferro Campos do Jordão, onde boa parte roda até hoje.


Imagem: postal no acervo de Marcello Tálamo, publicado com o texto

Na imagem acima, postal da coleção de Marcello Tálamo da década de 60, já vemos a Praia de Pitangueiras sem a presença do tramway, destacando os chalés construídos onde eram os antigos jardins da estação e, apurando o olhar, percebemos, imediatamente à frente do chalé ao lado do prédio, a ampla curva da rua que dá acesso à praia, aproveitando-se do leito do Tramway do Guarujá.

No entanto, apesar de relativamente curta, essa ferrovia foi de fundamental importância para o desenvolvimento do Guarujá, pois sem ela não existiria - ou demoraria muito mais a acontecer - o tal "empreendimento" ambicioso, ou as praias poderiam ser freqüentadas facilmente pela elite paulista e turistas do exterior, pois atravessar os 8 km de matas e mangues sem transporte adequado (não havia estradas, apenas trilhas) por charcos, lodaçais e mangues existentes na época não era programa tentador para quase ninguém.

Dessa forma, essa página visa resgatar um pouco do que foi a história dessa pequena e pitoresca ferrovia localizada em um dos locais mais belos de Santos, mas tão importante e significativa para a sua época.

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