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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - BIBLIOTECA NM
Cais de Santos, de Alberto Leal (31)

 

Clique na imagem para voltar ao índiceAlberto Antônio Leal nasceu em Santos em 1908, falecendo em 1948. Foi médico, romancista, novelista, teatrólogo, cronista e radialista. Sua obra mais conhecida foi o romance Cais de Santos, de 1939.

O exemplar número 171, reencapado, sem a capa original de Luigi Andrioli, tem 212 páginas e foi editado e impresso pela Cooperativa Cultural Guanabara (Rua do Ouvidor, 55, 1º andar, Rio de Janeiro). Nesta transcrição - baseada na 1ª edição existente na biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos (SHEC) -, foi atualizada a ortografia:

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Cais de Santos

Alberto Leal

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Leis

Graciema vai falar com o advogado. Quer ver se ao menos a deixam ficar com o chalezinho que o Agenor comprou, e que ela ajudou a pagar, lavando para fora e fazendo doces de tabuleiro.

Não tem direito à caixa de pensões, porque não era casada com o Agenor. Vai pensando em toda a tragédia que tem sido a sua vida, enquanto o 19 corre pelos trilhos, velozmente. De repente, sorri: que engraçado, o Praxedes lhe escrever da Penitenciária!

Escreveu. Mandou pêsames pela morte do Agenor. Não sabia que eles estavam de cama e mesa. Um preso de Santos foi quem lhe contou tudo. Sentia muito a morte do amigo e mandava 50$000 para "arguma percisão" de Graciema.

O Praxedes estava diferente! A Penitenciária estava endireitando ele... Que bom se o Praxedes ficasse de coração branco, como o negro Agenor...

Coitado! Pegou dez anos de prisão! E por causa de uma mulher à toa! Que vale que está satisfeito: diz que a cadeia de S. Paulo não vê que é igual à de Santos! Lá os presos aprendem a ler, aprendem ofícios, podem trabalhar e ganhar dinheiro... Aqueles 50$000 Praxedes ganhou fazendo uma mobília, com outros companheiros. Venderam a mobília por 500$000 na exposição dos trabalhos dos presos.

Que engraçado! Praxedes parece que está criando juízo, está ficando bom... E se ele ficasse mesmo com o coração branco!

Uma lagrimazinha subiu aos olhos de Graciema. de onde subiu? Do coração, decerto.

***

- Tem uma moça de preto aí na sala - avisou a empregadinha do dr. Guedes.

- Mande ela entrar.

Graciema aparece, acanhada. O dr. Guedes lhe explica: examinou o seu caso. Infelizmente, nada se pode fazer. Ela não era mulher do falecido, não tem nenhum direito.

Graciema se sente em revolta contra aquilo:

- Mais eu ajudei a comprar o chalé, eu era mulher do Agenor, sim: eu vivia com ele, eu dormia com ele, eu cuidava dele, eu lavava a roupa dele... Tudo isto não é ser mulher? Deus sabe que eu era a mulher do Agenor!

- Porém... faltam os papéis. A senhora não se casou perante a lei, não tem direito. Sinto muito, mas é a lei...

- Está bem, vou-me embora.

Graciema se levanta, aperta a mão do advogado.

- Pois olhe: eu a lastimo. Se ao menos tivesse algum filho com ele!

- Não tenho. Ele registrou a Terezinha, mas ele não é o pai.

- Registrou a sua filha? Em que nome?

- Nome dele: Viana da Anunciação.

- Mas então a senhora está com sorte. Tudo se arranja: a sua filhinha herda o chalé!

Graciema não entende:

- Mas ela não é filha dele! O pai se chama José Praxedes Lloyd.

- Não faz mal! Está registrada em nome do falecido, a lei reconhecerá a paternidade de Agenor Viana da Anunciação!

Graciema abana a cabeça.

- Então, pela lei, eu que era mesmo mulher do Agenor, não sou mulher do Agenor. A Terezinha que é mesmo filha de José Praxedes Lloyd, pela lei é filha de Agenor Viana da Anunciação... Doutor, eu não entendo este negócio de leis! É tudo tão contra as verdades da natureza!

O bacharel Guedes, doutor em leis, faz um gesto vago, que pode dizer sim e pode dizer não.


Praça Mauá em 1929

Foto: acervo do internauta Ary O. Céllio, de Santos/SP