Leis
Graciema vai falar com o advogado. Quer ver se ao menos a deixam ficar com o chalezinho que o Agenor comprou, e que ela ajudou a pagar,
lavando para fora e fazendo doces de tabuleiro.
Não tem direito à caixa de pensões, porque não era casada com o Agenor. Vai pensando em toda a tragédia que tem sido a sua vida, enquanto o 19 corre pelos trilhos, velozmente. De repente, sorri: que
engraçado, o Praxedes lhe escrever da Penitenciária!
Escreveu. Mandou pêsames pela morte do Agenor. Não sabia que eles estavam de cama e mesa. Um preso de Santos foi quem lhe contou tudo. Sentia muito a morte do amigo e mandava 50$000 para "arguma
percisão" de Graciema.
O Praxedes estava diferente! A Penitenciária estava endireitando ele... Que bom se o Praxedes ficasse de coração branco, como o negro Agenor...
Coitado! Pegou dez anos de prisão! E por causa de uma mulher à toa! Que vale que está satisfeito: diz que a cadeia de S. Paulo não vê que é igual à de Santos! Lá os presos aprendem a ler, aprendem
ofícios, podem trabalhar e ganhar dinheiro... Aqueles 50$000 Praxedes ganhou fazendo uma mobília, com outros companheiros. Venderam a mobília por 500$000 na exposição dos trabalhos dos presos.
Que engraçado! Praxedes parece que está criando juízo, está ficando bom... E se ele ficasse mesmo com o coração branco!
Uma lagrimazinha subiu aos olhos de Graciema. de onde subiu? Do coração, decerto.
***
- Tem uma moça de preto aí na sala - avisou a empregadinha do dr. Guedes.
- Mande ela entrar.
Graciema aparece, acanhada. O dr. Guedes lhe explica: examinou o seu caso. Infelizmente, nada se pode fazer. Ela não era mulher do falecido, não tem nenhum direito.
Graciema se sente em revolta contra aquilo:
- Mais eu ajudei a comprar o chalé, eu era mulher do Agenor, sim: eu vivia com ele, eu dormia com ele, eu cuidava dele, eu lavava a roupa dele... Tudo isto não é ser mulher? Deus sabe que eu era a
mulher do Agenor!
- Porém... faltam os papéis. A senhora não se casou perante a lei, não tem direito. Sinto muito, mas é a lei...
- Está bem, vou-me embora.
Graciema se levanta, aperta a mão do advogado.
- Pois olhe: eu a lastimo. Se ao menos tivesse algum filho com ele!
- Não tenho. Ele registrou a Terezinha, mas ele não é o pai.
- Registrou a sua filha? Em que nome?
- Nome dele: Viana da Anunciação.
- Mas então a senhora está com sorte. Tudo se arranja: a sua filhinha herda o chalé!
Graciema não entende:
- Mas ela não é filha dele! O pai se chama José Praxedes Lloyd.
- Não faz mal! Está registrada em nome do falecido, a lei reconhecerá a paternidade de Agenor Viana da Anunciação!
Graciema abana a cabeça.
- Então, pela lei, eu que era mesmo mulher do Agenor, não sou mulher do Agenor. A Terezinha que é mesmo filha de José Praxedes Lloyd, pela lei é filha de Agenor Viana da Anunciação... Doutor, eu não
entendo este negócio de leis! É tudo tão contra as verdades da natureza!
O bacharel Guedes, doutor em leis, faz um gesto vago, que pode dizer sim e pode dizer não.
Praça Mauá em 1929
Foto: acervo do internauta
Ary O. Céllio, de Santos/SP |