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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - BIBLIOTECA NM
Cais de Santos, de Alberto Leal (32)

 

Clique na imagem para voltar ao índiceAlberto Antônio Leal nasceu em Santos em 1908, falecendo em 1948. Foi médico, romancista, novelista, teatrólogo, cronista e radialista. Sua obra mais conhecida foi o romance Cais de Santos, de 1939.

O exemplar número 171, reencapado, sem a capa original de Luigi Andrioli, tem 212 páginas e foi editado e impresso pela Cooperativa Cultural Guanabara (Rua do Ouvidor, 55, 1º andar, Rio de Janeiro). Nesta transcrição - baseada na 1ª edição existente na biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos (SHEC) -, foi atualizada a ortografia:

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Cais de Santos

Alberto Leal

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Diz-que...

Maria dos Anjos já sabe de toda a história: foi a dona Carmen quem pôs dona Maria Augusta no mau caminho.

- Recebeu os primeiros no próprio quarto da espanhola, dona Benedita! Magine que pôca semvergonhice de dona Carme! Perdendo uma pobrezinha cum cinco fios pequenos!

Agora, tá 'hi: caiu na pensão de uma madama, fazendo a vida de porta aberta. Diz-que o juiz de menores onte mandô tirá as criança, que não podia está com ela, numa casa assim. Dona Maria Augusta não queria deixá, arranhô os sordados, mas levaram as criança.

Eu desconfiei des o dia que o Tonico andô dando pão com mantêga p'ros moleque, na rua. Se a mãe dele não tinha denhêro nem p'ro pão, dona Benedita! Eu logo vi (repuxou a pálpebra inferior do olho direito). Não boba! E depois, meia de seda, água de chêro, pó de arrois... eu logo vi, dona Benedita! Vancê que é mulhé honesta come mantêga, dona Benedita?

A preta mentiu, fingindo grandeza:

- O Policarpo às veis trais, aos domingo.

- Pois sim, aos domingos. Mas quando vejo pobre comendo mantêga dia de sumana, dona Benedita, eu sempre digo: abre os óios, Maria dos Anjos, porque aí tem coisa!

***

Maria dos Anjos vai contando a novidade bairro afora: o juiz de menores mandou tirar as crianças, que não podiam estar numa casa assim, com uma mãe assim.

Do outro lado da rua, vai passando dona Hermenegilda, a madrinha da Graciema. Dona Hermenegilda não sabe ainda de nada, e vai para os lados da casa da Benedita. O diabo da preta é capaz de contar primeiro que Maria dos Anjos o caso dos filhos de Maria Augusta.

Isto não acontecerá, porém! Ela, Maria dos Anjos, é quem há de contar a história!

- Psi, psiu... PSIU!

Dona Hermenegilda anda surda, só ouve os espíritos. E vai passando, rumo à casa da preta Benedita, que lhe contará o caso antes dela. Pois sim!

Precipita-se através da rua para alcançar a outra calçada.

O bonde 15 vem a cinqüenta quilômetros, não adianta mais o motorneiro frear. Maria dos Anjos é arrastada no salva-vidas, como um fardo que rolasse nas pedras.

Descem os passageiros, debruçam-se sobre ela.

Maria dos Anjos não teve ainda consciência do que aconteceu: parece-lhe que caiu, e aquele português de bigodes retorcidos, que se inclina sobre ela, não é senão dona Hermenegilda, que ainda não sabe do caso!

Então Maria dos Anjos faz um supremo esforço para levantar a cabeça e começa: diz-que...


Aspecto da movimentação portuária em 1915

Foto: álbum Exploração do Littoral - 1ª secção - Cidade de Santos á fronteira do Estado do Rio de Janeiro, da Commissão Geographica e Geologica do Estado de S. Paulo, impresso por Typographia Brazil de Rothschild Co., S. Paulo, 1915.

Acervo da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio (SHEC) de Santos