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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 395)

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Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 23 de abril de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Ela, ele e o bonde

Lydia Federici

Ai, não. Não faça isso, menina. Proibido, propriamente, não é. Por que, então, você não há de fazê-lo? Bem. Explicação é difícil de dar. Mas conto-lhe uma história. Ela servirá. Se não para outra coisa, pelo menos para diverti-la.

***

Hoje, ele é um senhor. Um belo senhor. De cabelos que começam a pratear. Como fios brancos, atualmente, mesmo entre os homens, não atestam a despedida da mocidade, digo-lhe, amiga, que ele já atingiu aquele ponto em que é fácil rir das desgraças da juventude. Sem a saudade doída e impotente da senilidade. Carregada de lágrimas. Mas apenas com o bom humor de uma vida realizada. Ainda em pleno vigor. Em resumo. Sem poesia. Ele, hoje, anda pelos cinqüenta. Entendeu?

Acontece que, há coisa de uns trinta anos, ele era moço. Sendo moço, fazia o que fazem todos os moços. Isto é, gostava das moças. Qualquer rostinho de orelhas cobertas por cabelos sedosos, atraia-o. Independentemente da cor da cabeleira. E do tom da pele. Gosto muito fácil de entender, aliás. Principalmente nos dias de hoje. Com a variação que há por aí. Com mulher castanha pela manhã. Loira à tarde. Azulada sob a luz artificial.

Pois muito bem. Sendo moço qu gostava das moças, aconteceu-lhe o que acontece com todos os namoradores. Acabou por preferir uma. A história começou na brincadeira. Acabou em caso sério. Ela, a preferida, acabou por tomar-lhe conta dos pensamentos. De forma absoluta. O romance virou amor brabo. Desses que atrapalham estudos. Que nos distraem nas horas de trabalho. Que causam suspiros. Que embelezam ou infernizam a nossa vida. Eram encontros no clube. Na esquina. À beira do mar. Que sol, em despedida, avermelhava. Era cinema aos sábados. Missa aos domingos. Enfim, esse roteiro suspiroso do primeiro amor realmente sério. Com idéias casadoiras.

Tudo ia muito bem. Ele era um ótimo arpaz. Uma belíssima moça era ela. Um pouco positiva demais, talvez. Um tanto desembaraçada para uma época em que as moças ainda não eram tão independentes quanto as de hoje. Mas isso até que era bom. Tornava-a mais interessante. Diferente da fragilidade rebuscada das outras companheiras.

Um belo dia, um pouco atrasados, resolveram abandonar a longa caminhada até a vesperal de um cinema do Gonzaga. Fariam o trajeto de bonde. Quando o “13” apareceu e estava prestes a parar no ponto, ela, impaciente, pulou para o estribo. Ele ficou em terra. Mão estendida para ajudá-la a subir. Pois sim. A moça já estava lá em cima. Um sorriso maroto nos lábios polpudos. O rapaz encabulou. Não sabia que era perigoso subir ou saltar com o carro em movimento? E daí? Daí como? Foi longe a discussão.

Por causa disso, amiga, o namoro terminou. O casamento gorou.

Entendeu, menina?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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