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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 396)

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Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 24 de abril de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Pedido gracioso

Lydia Federici

Há pessoas que sabem pedir. Outras não. Se pensarem que pedidos saídos de lábios femininos são os mais gostosos de atender, estão circularmente enganados. Quanto a isso, não há a menor diferença. Porque, se a mulher tem o jeito feminino de solicitar, o homem, varonilmente, também tem a sua fórmula. Principalmente quando se dirige a nós, mulheres.

É evidente que há pedidos e pedidos. Cujo atendimento depende tanto de quem os faz. Como der quem os rescebe. Se for de homem para homem, é aquilo que se sabe. Ele chega, em geral, de forma direta. Sem rodeios, É quase que um trato comercial. De mulher para mulher, é o nhe-nhe-nhe conhecido. Coisa açucarada. Melosa. Carregada de expressões carinhosas. Uma sondagem preliminar. Recordação de favores. Declaração de amores. E, no fim, a sugestão do pretendido. É ou não é? Agora, se a solicitação for dirigida para uma pessoa de sexo diferente, a história também é diferente. Tão conhecida que é até inútil repisar o processo total.

Dito isso tudo, vamos para a frente. Contemos a história. É uma história, amigo, que me deixa um tanto confusa. Tentei mas não consigo classificar o pedinte. Em todo caso, esse pormenor pouco importa. É um detalhe, na verdade, sem influência. O gostoso do caso foi a forma por que o favor foi solicitado. Vejamos o fato. Com pormenores.

Há milhares de carros a correr pela cidade. Uns com pressa. A maioria. Outros a rodar de manso. Mas essa questão de velocidade, a falar com franqueza, também é detalhe que só surge na crônica para encompridá-la. Nada mais. O essencial é afirmar que há milhares de automotores a andar por aí. Uns são novos. Outros, matusalêmicos. E, a usar de sinceridade, amiga, essa afirmação de idade também nada tem a ver com o caso. O realmente importante é esclarcer apenas o seguinte: dos carros que andam por aí, uns são imaculadamente limpos. Rebrilhantes. E outros, naturalmente sujos. Digo “naturalmente” porque, andando na poeira, é normal que os coitados se empoeirem. Mas, até para o empoeiramento há um limite.

Ora muito bem. O pó que cobria aquele carro, que se pavoneava, orgulhoso, por um Boqueirão endomingado, era algo de inimaginável. Aquilo não era carro mais. Era poeira só. Um monte bizarro de bela poeira. Com tons e meios tons. Foi aí que um dedo gaiato se pôs em ação. Emprestnado voz ao pobre veículo. No mais gracioso dos pedidos mudos.

E a sujeira ambulante passou a rodar pela avenida da praia. Carregando no porta-malas a solicitação angustiante. “Lave-me, por favor”.

***

Se o pedido foi atendido? Como é que posso dizer-lhe, amigo, se nem deu para escobrir que carro estava debaixo de tanto pó? De tanta terra? E de supor-se que sim. Justo era o favor solicitado. Desesperante, na sua graça, a forma de pedir.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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