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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 392)

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Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 19 de abril de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Sede insatisfeita

Lydia Federici

Duas moças cariocas vieram parar em Santos. A novidade não é muito grande. Visitas desse gênero não são tão raras assim. Mas essas duas moças não passaram apenas por aqui. Em férias. Vieram para ficar. Pelo menos por uns bons tempos. Eram funcionárias da Alfândega do Rio. Foram removidas para a Alfândega que mais arrecada no país inteiro.

Não sei como elas aceitaram essa troca. Quem vive no Rio, vive no Rio. Não gosta de sair daquele encantamento. Mas enfim, como Santos também tem mar, e praia, e areia, e gente sorridente, vamos supor que essas duas moças não tenham estranhado muito a mudança. Afinal, cheiram o mesmo ar de maresia. Ouvem o mesmo doce murmúrio das ondas. Podem imaginar que estão diante de um pedaço de mar desconhecido de sua bela terra guanabarina.

Uma coisa aqui, entretanto, as deixa meio sufocadas. Como peixe fora d’água. Conto-lhe, amiga, o que é.

Essas novas santistas, quando ainda viviam na sua cidade, gostavam de ler. Dez minutos de folga encontravam-nas sempre com os olhos correndo linhas impressas. Você acha, amiga, que uma voada de uma hora as faria mudar de gosto? So por que vivem um pouco mais para o sul deste imenso Brasil? Claro que não. Continuam com o mesmo amor. A mesmíssima paixão ledora. Que amor por livro não desaparece nem muda de objeto como outro qualquer. É fiel. Duradouro. Introcável. Insubstituível.

É evidente que todo mundo lê. Ou diz que lê. Porque não ler é atestado perfeito da mais perfeita burrice. E ignorância. Mas ler como lêem essas moças é algo incomum. Elas lêem de verdade. Devoram bateladas de páginas escritas. Numa sede que não tem fim. Sempre insatisfeita. Insaciável. Cada vez mais torturantemente seca.

Ora. Pra quem lê desse jeito, não há leitura que chegue. É livro sobre livro. A última página de um emendando-se na primeira folha de outro. Que orçamento particular, pessoal, suportaria tal despesa? Mormente hoje. Ao preço que está qualquer brochurinha magra?

Ué, dirá você. Tendo já adivinhado o desenrolar da história. Se livro é caro em Santos, não é mais barato no Rio. De fato. O mercado é igual. Pelo menos no preço dos livros. Se elas compravam lá, numa livraria do Largo da Carioca, podem comprar qui. Na Cidade ou Gonzaga. Ou no Boqueirão.

De fato. Mas lá elas não compravam. No Rio, há um mundo de bibliotecas. Que não só permitem a leitura ou consulta em suas salas. Como mantêm uma seção de empréstimo. De volumes circulantes. E aqui, aqui as duas moças, ainda desambientadas, estão meio desarvoradas. Morrendo de sede. Sem saber onde conseguir livros emprestados. Entendeu, amigo?

Temos bibliotecas. Entre grandes e pequenas, umas sessenta. Há a da Prefeitura Municipal. Do Instituto Histórico e Geográfico. Com uma pequena seção circulante. A da Faculdade de Filosofia. A da Humanitária. Mas seus livros só excepcionalmente são emprestados.

Ainda bem que vem o projeto da circulante.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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