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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 390)

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Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 17 de abril de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Só cinco

Lydia Federici

O vagabundo estendeu o braço sujo. Impedindo a passagem da senhora. Engrolou qualquer coisa ininteligível. Ela olhou-o contrariada. Mas abriu a bolsa. Levou tempo, impaciente, a procurar uma nota. Quando ela recomeçou a andar, o homem deitou um olhar de desprezo aos cinco cruzeiros sujos. Resmungando, amarrotou-a na palma da mão. E jogou-a no pequeno canteiro que circundava as paredes envidraçadas do Banco.

O garoto, na padaria, estendeu o braço. Queria uma bala. Não. Dessa não. Da vermelha. O vendedor trocou a bala por uma nota novinha. E estalante. O menino desembrulhou-a. Pô-la na boca. Cuspiu-a. Era ruim. Foi buscar outros cinco cruzeiros na carteirinha da mãe. Que pagava o pão. O leite. O café. E que não se incomodou em dar-lhe outra nota estalante.

A batata rolara de um carrinho de feira. E ficou, cor de ouro velho, parada entre os paralelepípedos desiguais. Dezenas de pares de olhos a viram. Ninguém se curvou para apanhá-la. No entanto, estava perfeita. Ao preço do quilo, valia bem cinco cruzeiros.

Assim vivemos nós. Um mendigo pincha cinco cruzeiros. Porque isso, hoje, já não vale nada. Um menino cospe uma bala de cinco cruzeiros. Ora. Cinco cruzeiros. O pai traz montes deles. Novinhos. Ninguém liga para uma batata. Que custa, no mínimo, cinco cruzeiros. Ridículo abaixar-se para catar uma batata no chão da feira. É insignificância.

De fato, que representam cinco cruzeiros? Nem uma caixa de fósforos vale tão pouco.

Deus. Não há como negar o fato. Não posso dizer o contrário. Todos nós estamos fartos de saber que uma nota de cinco merece mesmo ser pinchada. Cuspida. Desprezada. Abandonada sobre o chão. Como coisa inútil. Sem préstimos. De serventia ignorada.

No entanto, conto-lhe, amigo, o que faz uma simples nota de cinco. Você já ouviu falar da Escolinha Nossa Senhora de Lurdes? Pois ali, uma nota de cinco cruzeiros alimenta, educa, cria, dá nova vida a crianças castigadas pelo destino. Uma nota de cinco, ali, é luz. É alegria. Compra botinhas ortopédicas. Ajuda pernas a andar. Faz uma boca sorrir diante de um mar azul que uma pequenina mão aleijada conseguiu pintar.

Sim, amigo. Uma só nota de cinco cruzeiros. Saída de seu bolso, uma vez por mês, faz isso tudo. Não é necessário ir até a Santa Casa. Nem chegar até a redação de um jornal. Nenhuma dessas preocupações você terá. Nem o trabalho de puxar, especialmente, a carteira do bolso, lhe custará esse milagre de tostão. Milagre de tostão redentor. Basta que, ao pagar, mensalmente, a sua conta da City, você deixe cinco cruzeiros a mais. Só isso. Nada mais que isso. Essa sua nota, unida a milhares de outras, valerá exatamente o suficiente para iluminar e dar vida nova a uma de nossas crianças. Basta uma só por mês. A sua, amigo. Nada mais que a sua.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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