GENTE E COISAS DA CIDADE Joões e aninhas
Lydia Federici
Ao contar, há tempos, a história de João, um menino triste que só conheceu alegria quando
lhe puseram, entre as mãos, um pandeiro chocalhante, tinha eu, de forma um tanto inconsciente, um fito no fundo do coração. Lembram-se de João do Pandeiro?
A história de Aninha, que sua mãe me permitiu publicar, como agradecimento à dedicação de professoras de um de nossos Parques Infantis, trouxe, definido, à tona, algo que todos nós, sem saber como resolver, sabemos existir. O caso de crianças. De
crianças que, antigamente, chamávamos de anormais. E que hoje, mais humanamente, conhecemos como excepcionais.
Que a crônica de hoje leve, a mães infelizes, amarguradas, o conhecimento, talvez, de um caminho de esperança. E de salvação.
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Não há mãe que possa ter a certeza de que isto não lhe acontecerá. Dezenas de crianças nascem a cada dia. Sadias, comumente. Graças a Deus. Umas mais vivas. Mais saudáveis. Outras sossegadinhas.
Dando trabalho e preocupação. Crescem. No meio de milhares que se desenvolvem, física e mentalmente, de forma normal, há muitas, entretanto, que o destino marcou desde o nascimento. Ou que, mais tarde, de repente, uma doença prejudicou. Em geral,
meningite. Ou que, ainda, um lar desfeito transforma em crianças-problema. De educação e instrução quase tão difíceis quanto as outras.
Até há pouco tempo, para crianças de pouco desenvolvimento, só havia um caminho: se filhos de pais de recursos, e esclarecidos, podiam ser educados em clínicas particulares. Especializadas. Se filhos de gente pobre, viviam o resto de suas vidas
completamente à parte da sociedade. Como verdadeiros bichinhos, perdoe-me Deus.
Felizmente, o homem que inventou a bomba atômica, o cérebro que descobriu engenhos de destruição e de morte, também teve coração para melhorar a vida. E descobriu métodos para fazer penetrar, em cabeças escuras, um raio de luz. Poucas são as mentes
que carinho e ensino altamente especializado não conseguem iluminar. Não é trabalho para um mês. Nem canseira de um ano. Nem quase desesperada persistência de dois anos. Mas, um belo dia, o milagre acontece.
Em Santos, o Departamento de Educação da Prefeitura tentou a experiência. Em todas suas unidades. Quer nos Parques. Quer nas escolas municipais. O trabalho, iniciado isoladamente pelo amor de professoras apaixonadas pelo caso das crianças-problema,
dos excepcionais, foi oficializado. Funciona a Clínica de Orientação Infantil. A selecionar todas as crianças matriculadas. A determinar, para cada caso anormal, um método mais eficiente de ensino. Professoras de grupos e de parques abem como agir
diante das dificuldades de seus alunos. A homogeneização das classes facilita-lhes o trabalho. O aproveitamento é maior. Mais rendosas as horas de aula.
E, minha amiga desesperançada, há uma escola para as crianças que Deus parece ter desamparado. É a "Maria Carmelita Proost Vilaça". Lá no canal 6. Três classes estão em funcionamento. Com crianças que aprenderão, à força de paciente carinho, a
viver dignamente num mundo em que, até há pouco, parecia não haver um canto de luz e de alegria para elas.
Joões e Aninhas. Quantos haverá por aí?
A aceitação corajosa dos fatos, a compreensão do problema, o conhecimento do caminho da esperança, poderá salvá-los. Tenha fé, mãezinha torturada. Não desanime, pai infeliz.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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