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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 266)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 14 de novembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Aninha

Lydia Federici

Aninha veio ao mundo no tempo certo. Nasceu sem causar grande sofrimento á sua mãe. Viu a luz, pela primeira vez, com toda a calma. Não a saudou com alegria. Também não lançou nenhum grito de protesto.Nasceu de forma absolutamente normal. Só que, embora sendo filha de brasileiros, seu rosto pequenino mostrava feições mongólicas. Que, com o passar do tempo, se foram acentuando. Mas até que os olhinhos repuxados, os zígomas salientes, lhe davam um encanto especial. Era um amor de criança.

Alimentava-se. Dormia. Foi crescendo. Mansa e quieta. Bem diferente do irmão mais velho. Que reclamava, com ou sem razão, em altos berros, contra tudo e contra todos. Sim. Bem diferente era a Aninha. Um encanto de nenê. Fácil, fácil de criar. um verdadeiro anjo.

E assim, sossegadinha, a menina foi crescendo. Comum ano de idade, continuava no seu silencioso sossego. Filósofa como ela só. Nada a alterava.

"Diga maman, filhinha. Diga papá, minha preguiçozinha".

A menina sorria. Era preguiçosa mesmo. Não queria falar. Nem com um ano. Nem com ano e meio.

Terrível foi o dia em que o médico explicou aos pais o que realmente havia. A menina não era uma criança normal. Não. Não era uma criança normal. Mas como que não era? Ele devia estar enganado. Aninha era uma criança como as outras. Não via como era bonita? E saudável? Sim. Mas seu pequenino cérebro não era, exatamente, o que devia ser.

Outros médicos confirmaram. Mas não havia nada que se pudesse fazer? Bem. Os pais podiam tentar. Quando ela tivesse mais idade, poderiam levá-la a uma clínica especializada.

Aos quatro anos, Aninha continuava sem falar. Ouvia. Percebia as coisas. Algumas coisas. Mas não falava. Nem parecia interessar-se pelo mundo que a cercava. Tudo lhe era indiferente. Os pais levaram-na a uma escola especializada, em São Paulo. Aninha revoltou-se. Aprendeu a mostrar a língua. A dar pontapés no irmão. A menina não podia ficar separada de sua família. Seria contraproducente. Depois de uma semana, voltou. Voltou e tornou a sossegar.

"Por que vocês não experimentam pô-la num Parque Infantil? Quem sabe se, no meio de outras crianças, tratada de forma igual, ela...?"

Aninha foi para o "Leonor Mendes de Barros", no Gonzaga. Iriam tentar a experiência. Nos primeiros dias, sua mãe também ficava no Parque. Vendo sua filha no meio das ouras crianças. A professora procurando integrá-la nos jogos e brinquedos comuns. Às vezes, seu coração fraquejava. Em outras, a fé nunca desaparecida voltava a crepitar-lhe, forte, no fundo do coração.

Um dia, Aninha pareceu acordar. Coisa de momento. Voltou logo para seu mundo interno. Depois, voltou a despertar. um belo dia, de sua boca, saiu o primeiro som. Depois, palavras. Depois frases.

Aninha, hoje, tem 9 anos. Fala tudo. No próprio Parque está sendo alfabetizada.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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