GENTE E COISAS DA CIDADE João do Pandeiro
Lydia Federici
Era um menino triste e magro. Triste por causa da vida. Magro devido à fome. Filho de uma cozinheira, vivia com os
vizinhos. Que a mãe saía de manhã. Só voltava quando ele dormia. Num canto da cama. Num canto do quarto. Não gostava de brincar. Miúdo, sempre apanhava dos outros. Não gostava de falar. Ninguém o ouvia. Passava os dias encostado à parede da casa de
madeira. Que lhe aguentava o peso das costas ossudas. Ou então, sentado numa pedra da rua. Fazendo cócegas nos pés encardidos, enquanto via, sem sorrir, a criançada a brincar.
Sua salvação começou quando a mãe, coitada, conseguiu matrícula no Parque Infantil. Pelo menos por umas horas, o Joãozinho recebia um pouco de atenção. E foi a sopa grossa, mais o leite, que, com certeza, o ajudaram a continuar vivendo. Embora
sempre magro, começara a crescer. Já parecia ter quatro anos. Na verdade tinha seis. Mas antes de entrar para o Parque nem três anos, olhando-o superficialmente, se lhe podiam dar.
Sim! O Parque foi a salvação do Joãozinho. A professora ensinava-o a brincar. Puxava conversa. Metia-o no meio das outras crianças. Fazia-o sair, um pouco, de sua tristeza. De seu medo.
"Mãe. Amanhã tomei dois pratos de sopa. Diz que é pra eu engordá".
"Mãe. Eu planti uma planta que é pra comê".
"Mãe. Dona professora deu dez mais quatro bala pra eu".
A conversa do Joãozinho, com a mãe, era essa. Contava o que comia. O que ganhava pra comer. Do banho que tomava, das brincadeiras que brincava, das coisas que o ensinavam a fazer, nada dizia. Não o interessavam. Mas um dia, Joãozinho contou uma
novidade. E o nome da professora não lhe saía da boca.
"Mãe. Dona Glaí deu um pandeiro pra eu. Sabe que é um pandeiro? É um coiso que tem uma latinha que faiz tilim-tilim-tilim. Já ensinei a batê ele".
Durante semanas o garoto falou do pandeiro. Continuou triste. E magro. Mas seus olhos grandes ficavam alegres, iluminados, quando contava à mãe como dona "Glaí" o ensinava a lidar com aquele coiso que fazia tilim. Era preciso bater na hora certa.
Cada menino tocava um coiso. Cada coiso tinha a sua hora de ser tocado. Ficava bonito. Muito bonito. A coisa mais bonita do mundo. Mais bonita até que comida. E ia haver um negócio pra todos ouvirem como ele sabia tocar. Quando fosse o dia ele
avisava a mãe. Ela ia?
***
A festinha dos Parques Infantis foi realizada, numa tarde desta semana. Festa íntima. Realizada no pequeno galpão do mais velho de nossos Parques. O do Gonzaga. Serviu para mostrar o resultado da
última experiência adotada. A da recreação musical. A da educação pela música.
Não! A mãe do João do pandeiro não pôde ir. Trabalho é trabalho. Patroa é quem manda. Mas quem viu a alegria iluminando a carinha de todas aquelas crianças pode contar, a todas as mães ausentes, como elas, de puro enlevo, tiveram a sua fatia de
céu. Abençoados Parques! Abençoadas professoras. Verdadeiras mães de filhos alheios.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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