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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 218)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 16 de setembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Tão santista

Lydia Federici

Numa das paredes do cine Indaiá, ao lado dos troncos estilizados das palmeiras, sob as longas asas, exageradamente recurvas, de três gaivotas, rumorejam, com doçura, uns versos de Martins Fontes. A certo ponto, dizem eles assim:

"Tudo tão simples, tão santista,
Isto é, tão bom".

"Tão santista, isto é, tão bom". E eu me pergunto: como muita gente se perguntará: mentiu Martins Fontes? Ou Santos e sua gente é que mudaram?

***

Martins Fontes não mentiria. Poderia, como poeta, exagerar. Ou por outra: poderia sentir com sensibilidade extraordinária de poeta. Vinga, então, a segunda hipótese? Foi Santos que mudou?

Bem. Santos mudou. Muda a cada dia que passa. Mas para melhor. Torna-se mais bonita. Transforma-se em joia burilada. Conserva, sempre, inalterada, a pureza esmeraldina e brilhante de seu mar. Mas o engaste, antes simples, vai sendo artisticamente modificado.

E então? Foi a alma, o espírito de sua gente que mudou?

Ai! Parece-me que sim. Se Martins Fontes, hoje, pudesse voltar a escrever versos, não sei se sentiria o que sentiu. O que escreveu. "Tão santista, isto é, tão bom".

A vida, aqui, já não é simples. Nem sossegada. Nem boa. Não mais sorri o sorriso gostoso da simplicidade. Não tem mais tempo de perder tempo vendo e sentindo as coisas simples. Desaprendeu a cismar. Com aquele jeito de caiçara. Folgado. Confiante no dia de amanhã. As casas já não têm jardins. Em cujos gramados, de papo para o ar, a gente ficava vendo as estrelas a deslizar pelo céu. Não há mais silêncio para ouvir o canto do mar. Crianças não brincam de roda. Nem cantam a cirandinha. Não há folga para sentir a alegria ou o sofrimento da vida de um amigo. Os relógios de hoje marcam até os segundos de nossas obrigações. O vizinho de hoje não é o amigo de amanhã. Continuará a ser alguém a quem mal cumprimentamos. Cujo nome desconhecemos.

"Tão santista", hoje, é termo que não mais receberia a explicação que lhe deu Martins Fontes. Já não identificaria um modo simples, bom, gostoso. Amigo. Essa vida simples que a cidade, crescendo, teve que abandonar.

Como pudemos mudar tanto?

Ora. O mundo todo mudou. Toda a humanidade mudou. Por que haveria este canto de terra, com sua gente de ser exceção? A cidade cresceu. Adquiriu problemas de cidade grande e egoísta. Meteram-lhe na cabeça que tempo é dinheiro. Obrigaram-na, os que chegaram, pela concorrência, a lutar pela vida. A defender o seu pão. Lutando por uma vida melhor, perdeu, incongruentemente, a sua vida tão santista, isto é, tão boa. Tão simples.

Mas, apesar de tudo, grande poeta de Santos, como isto ainda é tão santista. Teimosamente santista!


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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