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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 62)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 9 de março de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Quadros na Ponta da Praia

Lydia Federici

Houve, dentro dos primeiros dias deste mês, muita alegria pela cidade. Alegria de toda espécie. Alegria desrecalque, puxada, nos três dias de Carnaval, a álcool e a éter. Ainda no Carnaval, alegria curiosa, natural, espontânea. Alegria de ver a alegria dos outros. Como a daquela velhinha que ficou sete horas de pé, no Boqueirão, para ver o desfile das escolas de samba e blocos.

Na quarta-feira de Cinzas, mais uma vez se pôde sentir a alegria, uma alegria calma de satisfação, a transparecer no rosto de todos aqueles que fugiram da folia. E nessa mesma quarta-feira, à tarde, surgiu a alegria quase pura, sentida no coração, estampada nas fisionomias dos que esperaram pela volta de um brasileiro a seu país.

Dessa alegria de que muitos duvidam, aqui vão alguns quadros. Que ela existiu, existiu. Quem foi à Ponta da Praia, pôde vê-la. Até um cego a sentiria. Ela estava no ar. Vibrando.

Pontão dos Práticos. Um pedaço de ponte que avança para o canal. Quem está ali, está quase dentro do navio que passa. É na Ponta da Praia o observatório mais avançado. Por isso mesmo, o pedaço de chão mais disputado.

Às treze horas, sua amurada final, coberta, já tinha ocupantes. Às 14 horas, estava toda tomada, inclusive os largos degraus laterais do embarcadouro. Das 14 às 16 horas, continuou a chegar gente. E o Pontão aguentou. Como, ninguém sabe. É resistente aquela obra. Ou talvez todo aquele povaréu estivesse leve, leve. Sabe como é. Alegria aligeira a gente. Tira o peso.

Um moleque, de short largo, molhado, amarrado no limite máximo, passava e repassava entre os que esperavam. Espremendo-se e espremendo os outros, senhoras contra rapazes corados, moças contar velhos, crianças contra a amurada. Ninguém se lembrou de reclamar. Todo mundo estava feliz, risonho. Todos conversando com todos. Olhos brilhantes. Lábios sorridentes.

"Mas Pio, que pode ele fazer? Ida, que é que você espera? Tereza, pra que tanta euforia?"

Ninguém sabe. Estão ali todos para vê-lo. Esperam-no como se espera a esperança.

Continua a chegar gente. As lanchas que passam levantam marolas. As marolas sobem pelos degraus. Senhoras bem vestidas, de sandálias na mão, riem sentindo as ondas molhar-lhes as pernas. Não arredam pé. Onde iriam arrumar outro lugar? O paredão todo, desde seu começo até o Ferry-Boat, está ocupado.

O navio aparece. A multidão estremece. Estouram morteiros. A emoção silencia as gargantas. Só as mãos, agitando freneticamente as bandeirolas distribuídas, dão as boas vindas, contam o desespero e falam da esperança de todos aqueles que estão naquele pedaço de praia vibrante de ansiedade e de alegria.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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