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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 61)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 8 de março de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

A volta

Lydia Federici

Carnaval por carnaval, falemos do de ontem.

Por uma estranha coincidência, foi numa tarde de vento fresco e sol quente, que ele deixou sua terra.

Não sei se, naquela outra tarde, de um canto qualquer do navio pequeno, ele teve coragem de olhar para Santos. Principalmente para o último pedaço de terra que, o navio indo embora, rumo ao oceano, deixa para trás: a faixa branca de areia, o verde baixo das árvores do jardim, o paredão vertical dos arranha-céus, num abraço de despedida. Mudo. Mas amigo.

Não. Acho que ele não teve, naquela tarde, coragem de olhar para esta ilha que ficava para trás, iluminada num brilho manso e triste, pelo sol que descia. Principalmente ele, que gostava tanto disto aqui. E que sabia que quase tudo disto aqui também gostava dele. Gostava de um amor bom de esperança. De fé. Esperança e fé que ele levava. Sem ninguém saber como. Nem por que razão.

O navio pequeno daquela outra tarde deve ter saído com um novo homem que chorava. Um homem que chorava como chorava o povo desarvorado desta terra. Lágrimas tristes de chorar. Amargas, doídas. Lágrimas de dúvidas, de desespero, de estupefação, de agonia, de desesperança total.

Foi numa tarde de vento fresco e sol quente que ele deixou sua terra.

Ontem ele voltou. Num navio de longe. Navio pequeno que chegava ao Brasil exatamente no mesmo pedaço de terra cujo chão ele, havia meses, pisara pela última vez, sabe lá Deus com que emoções. Voltava a Santos, para o Brasil, quem de Santos saíra do Brasil.

Foi uma tarde de vento fresco e sol quente e luminoso que o recebeu de volta. O sol principiara a descer. Mas não trazia tristeza. E, se trouxesse, não teria importância. Pois o coração do povo, ninguém sabe por que estranho mistério, estourava de alegria.

A praia branca, as árvores verdes, as paredes claras dos arranha-céus deram-lhe o primeiro abraço de boas vindas. Mudo. Mas luminoso e amigo. O povo a formar, sobre o paredão frio de cimento da Ponta da Praia, outro paredão vivo e quente, alegre e esperançoso, foi o abraço humano de fé.

O Brasil sofre. Sofre como um danado. Sofre a pior dor: a de não ter esperança. Sofria até ontem. Mas esta dor ele já não sofre mais: voltou a esperança a morar no povo desta terra.

Ninguém sabe o que vai acontecer. Mas uma coisa já aconteceu. Volta parte do Brasil a ter esperança. A ter fé. É coisa que a gente sente no povo. Será que o povo se engana?

Jânio! Jânio! Será que o povo desta terra voltará a perder a esperança?

Essa esperança que a sua simples volta fez, milagrosamente, renascer?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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